As Desastrosas Aventuras da Guilda escrita por Hikaru


Capítulo 6
Noite e dia e um barco de tangerinas


Notas iniciais do capítulo

Resolvi me colocar um pouco na narração neste capítulo. Quem já leu As Crônicas de Nárnia ou Dragões de Éter tá familiarizado com esse tipo de coisa, e é uma técnica que eu gosto muito. Sinto que o texto é mais meu. Demorou mais saiu :v



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Freddie estava com a cabeça enfiada na areia, mal-humorado e machucado. Odiava aqueles malditos geomantes do deserto. Se escondendo atrás das tempestades de areia e muros de barro. Não seria o maior problema, se desse para queimar terra. Mas terra não pega fogo, e esse é o problema. Ele estava afundado nesse problema, junto com sua cabeça, enquanto a indefesa Annya tentava desenterra-lo. Ela também estava profundamente mal-humorada, pois não havia nada morto num raio de 40 quilômetros, tirando bácterias, aranhas, escorpiões e lagartos minúsculos. Ela tinha passado os últimos 15 minutos sacudindo sua foice no ar, esperando acertar alguém sem sucesso.

Esperem um pouco.

Desculpem-me, parece que eu me adiantei um pouco demais. O plano era pular no tempo, mas não tanto assim. As vezes sou tomado por um vontade de me adiantar para o clímax da história, mas esqueço que vocês não conhecem o resto da história ainda. Permitam-me explicar.

Depois de ser tratada como nenhuma dama deve ser tratada, e atirada numa ruela qualquer depois que sua valia fora revogada pelos seus inimigos, Ryuuko encontrou seus amigos, que haviam passado a noite toda a procurando. Estavam todos extremamente cansados, mas tinham um dever a cumprir. Deviam resgatar a desafortunada Helena, ainda nas mãos dos misteriosos captores. Com a ajuda de um rastreador que Ryuuko conseguiu implantar em sua cliente antes de saírem da Guilda, nossos heróis descobrem-na já a caminho da Europa, e imediatamente partem no seu encalço.

Não cabe a mim relatar os acontecimentos da longa viagem de barco da Guilda até a Europa. Se vocês já viajaram de barco, sabem o por que. O primeiro dia é incrível, toda a beleza do mar azul, e as emoções da viagem, as expectativas, etecetera. Mas depois de duas semanas dentro de um barco, a pessoa já está de saco cheio daquele mesmíssimo mar encarando-a de volta todo santo dia. Devo dizer apenas que os membros mais agitados do grupo passaram por momentos de terrível tédio nas 2 semanas nas quais passaram no barco.

No entanto, os momentos de marasmo estavam prestes a acabar. Retomamos a narrativa um dia antes da embarcação atravessar o Estreito de Gibraltar. O capitão do navio planejou fazer uma parada em Marrocos, para reabastecer mantimentos e fazer comércio com os ávidos e gananciosos feirantes marroquinos. Muito foi discutido, pois aqueles passageiros que chegaram de última hora naquele maldito porto de Novo Mundo estavam com muita pressa, algo sobre resgatar uma amiga e matar bandidos. O capitão não estava nem aí para os planos malucos desses jovens tolos, ainda mais considerando a baderna que fizeram no navio nessas caóticas duas semanas. Os jovens ficaram revoltadíssimos com o descaso do capitão, afirmando que várias vidas estavam em risco, e que boa parte da bagunça teria sido evitada se aquela banheira velha tivesse uma conexão de internet decente. Mas o capitão já fazia ouvido de mercador às súplicas dos bagunceiros, pois ele queria vender as porcarias das tangerinas que ele havia trazido da América do Sul, e ele queria comer o manjar turco que viajava o deserto de camelo desde a Turquia, e seria aquilo mesmo que eles iam fazer, e ponto final.

Já no porto de Marrocos, Freddie olhava revoltado para os caixotes que a tripulação descarregava do barco.

–A Helena vai morrer por causa de uma porra de um carregamento de tangerinas! – ele exclamou para Lilly, que tinha quase certeza que o capitão não faria tanta confusão para vender logo alguma coisa em um país com uma fiscalização fraquíssima se o produto dele não fosse bastante ilegal. E tangerinas não são ilegais.

–Ela não vai morrer, homem. Se eles quisessem ela morta, ela já estaria morta desde aquela batalha com os sequestradores no beco. Aquele carnomante tinha cara de que não tava nem se esforçando.

Ele remoeu um pouco o comentário, fazendo algumas sinapses vagarosas. – Se eles não querem ela morta, o que eles querem?

– Acho que a pergunta que responderia nossas dúvidas agora é, quem realmente é a Helena?

– Ela é nossa amiga e nossa cliente, e precisa ser salva. – disse Jackie, se aproximando com um olhar determinado no rosto. – Ryuu, onde ela tá?

Ryuuko despertou do transe em que ela se encontrava, encostada em uma parede perto dali. – O rastreador dela continua seguindo em direção à costa da Itália. Vão chegar lá amanhã. Só eu to achando que a gente pegou carona num navio de cocaína?

– A quantidade de trafico aqui é tão grande que os viciados que morreram de overdose por aqui ainda tão drogados. – comentou Annya com nojo.

– Se pelo menos a gente soubesse disso uma semana atrás, essa viagem não teria sido um saco – disse Ryuuko. – Bom, ninguém aqui sabe falar marroquino né? O capitão disse que ainda vamos ficar aqui uma semana. Se a gente quiser arranjar outra carona até a Europa, eu vou precisar de uma noite pra baixar as informações que eu preciso pra aprender a língua, e a gente se vira amanhã.

Foram logo procurando algum hotel barato cujos funcionários falassem inglês, mas que não fedesse a podridão e sarjeta. Descobriram logo que essas eram características bastante exclusivas, e passaram o resto da tarde nessa empreitada. Durante todo o tempo que a Guilda vagava pelas ruas de Rabat, tiveram a estranha sensação de estarem sendo observados, e viam sombras se esgueirando pelas ruelas da cidade a todo o tempo. Mas como essa sensação era relativamente constante no ramo de trabalho deles, não ligaram muito e prosseguiram com seus afazeres. Achado o hotel, finalmente, foram todos para os seus quartos.

Freddie e Jackie ficaram no mesmo quarto. Não havia perigo de situações desconfortáveis entre os dois, por que ela era lésbica e ele tinha sérios problemas de relacionamento. Ela jogou-se na cama, com uma expressão desolada no rosto.

–Você parece estar mais preocupada que todos nós juntos, cara.

A ruiva soltou um longo suspiro. – Você viu ela, mano. Ela é só uma menina. Completamente despreparada pra situações como essa. Deve tá morrendo de medo no barco com aquele carnomante psicopata. Tirando que eu acho que magos brancos não tem como se defender sozinhos.

Nesse momento eu gostaria de tirar a prova das frases da pobre Jackie. Era tarde da noite quando o barco dos sequestradores começou a tremer e sacolejar incontrolavelmente. Os quatro mercenários, que estava jogando poker num quarto, fizeram caretas de irritação e soltaram palavrões quando as cartas e fichas na mesa começaram a cair no chão.

–É sua vez, Angela.

A menina fez uma cara emburrada, mas levantou-se e saiu do quarto. Passando pelo corredor, entrou num quarto cuja porta estava tremendo mais que as outras, e uma luz branca brilhava por debaixo dela. Dentro dele estava Helena, ajoelhada e acorrentada, com uma expressão irada no rosto. Seus olhos brilhavam intensamente, e um círculo de magia branco a rodeava. Angela afundou o rosto nas mãos, e disse:

–Quantas vezes você já tentou escapar, sua macaca?

Ela continuou sibilando encantamentos.

–Tudo bem então – Ela agitou suas mãos, congelando a umidade do ar e formando um grande porrete de gelo, que não tardou a descrever um arco no ar em direção ao rosto de Helena. No entanto, quando este ia ultrapassar os limites do círculo de magia, despedaçou-se em vários cristais de gelo que caíram no chão.

–ESSE BARCO VAI AFUNDAR, E TODOS VOCÊS COM ELE – Berrou Helena, com fúria na voz – EU NÃO VOU VOLTAR PRA ITÁLIA!

–Esse é um círculo anti-magia? Magia branca é bem útil... – Ela disse, enquanto acertava um chute forte no queixo da prisioneira. Ela gemeu, sua boca em vermelho vivo. Angela acertou outro chute, fazendo com que ela fosse ao chão, e golpeou seu estômago até que ela ficasse desacordada. Tendo sumido o círculo anti-magia, a criomante conjurou uma mordaça de gelo na boca da prisioneira e saiu, irritada.

Voltando à Guilda, Freddie abraçou Jackie com força. – Ela vai ficar bem. Nós já vamos salvar ela.

Ryuuko e Lilly ficaram em outro quarto. A biomante arrastou a sua enorme mala subindo as escadas, entrou no quarto exausta e desabou na cama.

– Por que você sempre trás essas malas gigantes?

– Por que eu sou a única pessoa sensata dessa Guilda, e tenho que me precaver por todos vocês juntos.

– Isso é exagero.

– É? Você trouxe seus equipamentos pro check-up?

Ryuuko fingiu que não ouviu a pergunta.

–Eu sabia. Pois é, eu trouxe. Além das minhas coisas, eu tenho que trazer catalistas pras magias de todos vocês, o equipamento pra repor os selos da Jackie, o equipamento pra sua regulagem, etecetera, etecetera... Bom, sente aqui. Vamos logo pra sua regulagem.

Ryuuko sentou-se na cama e afastou seus cabelos azuis-claros das costas, revelando várias aberturas redondas e metálicas ao longo de sua coluna. Lilly pegou alguns equipamentos e cabos, e postou-se atrás dela, conectando vários cabos nas costas da amiga. Os mostradores dos equipamentos acendiam e mostravam sinais vitais à medida que iam conectando-se à interface da tecnomante.

–Regulação hormonal ok, monitoramento de músculos lisos ok, aprimoramento e upload de sentidos ok... Parece estar tudo certo. Tem sentido alguma coisa?

– Peguei uma bactéria dessas que só tem nesse continente, mas o firewall deu conta.

– Hmmm... Vou dar uma checada nos outros amanhã pra ver se acho alguma coisa assim. Acho que você tá bem cara. – Lilly disse, desconectando os equipamentos – É melhor irmos dormir.

–Beleza. Só vou iniciar os downloads dos dicionários e amostras fonoaudilógicas marroquinas pra gente poder sair daqui amanhã já. Caralho, a internet nesse lugar é uma porcaria.

Annya ficou com um quarto só para ela. Isso geralmente acontecia, como o número de pessoas na Guilda era impar. Ela não se importava, preferia até. Amava seus amigos com todo o coração, mas sempre foi uma pessoa solitária, e gostava de passar alguns momentos sozinha. E nesses momentos ela podia ver seu marido. Ela caminhou até a janela do quarto, e catou uma aranha que tecia sua teia. Após uma breve oração de penitência, ela partiu o animal em dois com as mãos.

– Acho tão bonito como você aparece até mesmo para a menor das mortes.

Um homem alto saiu das sombras da penumbra do quarto. Tinha feições sérias e rígidas, e sua pele era extremamente pálida. Tinha longos cabelos negros presos num rabo de cavalo, e uma barba milimetricamente aparada. Vestia um terno elegante e bem feito.

– Toda vida, por menor que seja, tem o seu valor – Ele disse, aproximando-se de Annya – Você não deve me chamar para esse plano sempre que desejar. Sabe disso, não?

– Eu sei. Me desculpe, amor. Eu quero saber se nossa cliente ainda está viva.

Ele sentou-se do lado dela na cama, e abraçou-a. Ela recostou sua cabeça nos ombros dele com um sorriso no rosto. – Sim, ela está. Vocês deveriam confiar mais nela. Não é tão indefesa quanto parece. Mas é frágil, muito frágil. Ainda assim, você não me chamou aqui só pra isso.

– Eu senti sua falta. Não pude te ver no barco.

Ele levantou o queixo da sua esposa com cuidado, e beijou-lhe afetuosamente os lábios. Annya saboreou aquele momento como se fosse seu primeiro beijo.

– Eu queria poder ficar aqui com você a noite inteira, querida. Mas não posso. Irão acontecer coisas com as quais não posso interferir, pois você ainda não é a rainha do meu reino. Ainda pertence à minha irmã.

Annya fitou-o nos olhos, preocupada – Suponho que você também não pode me contar o que vai acontecer, né?

– Infelizmente, não. Mas posso assegurar-lhe que você e seus amigos vão superar essa dificuldade, como tantas outras já. Durma agora, pois o dia de amanhã será difícil.

O soturno homem beijou de leve os lábios de sua amada, que adormeceu. Ele caminhou em direção à porta e olhou para trás, em direção à janela, a tempo de ver uma granada de gás cloroformióide caindo no chão do quarto.


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Notas finais do capítulo

Deixei algumas coisas nas entrelinhas, por que tenho essa mania. Queria já poder explicar as coisas mas acho que ia ficar estranho no texto. Qualquer coisa me perguntem. Sim, a Ryuuko é um ciborgue. Não posso dizer quem é o marido da Annya ainda.



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