As Desastrosas Aventuras da Guilda escrita por Hikaru


Capítulo 4
A coisa mais idiota que ela já fez na vida/Todos os dentes, um por um


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é um pouco mais curto, pensem nele como um interlúdio. Vão ter bastante desses mais pra frente.



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A noite já quase acabava quando Jackie entrou no quarto de Lilly. Após a luta, a Guilda retornou à sua base de operações, e assim que chegaram, Lilly comunicou à amiga que tinha um assunto sério a tratar com ela. Jackie tinha uma vaga ideia sobre o que seria a conversa. Se sentindo um pouco desconfortável, ela adentrou o cômodo.

O quarto era dividido em duas partes: metade do quarto, com paredes marrons, era um laboratório, cheio de equipamentos bizarros e enormes, bancadas com béqueres fumaçantes, estantes lotadas de criaturas esquisitas preservadas em formol, e no centro, uma grande cadeira de dentista, que Lilly usava para fazer ajustes nos implantes de Ryuuko. Na outra metade, o quarto tinha parede verde-escura, com pôsteres de filmes antigos de romances complicados, reflexões profundas e humor estranho. Ainda ali, havia caixas entomológicas e crânios de animais espalhados pelas paredes. Uma grande cama ocupava a maior parte do quarto, e no espaço que sobrara, uma escrivaninha abrigava um enorme computador, soterrado por papéis de anotações e teorias. Lilly estava sentada na cama, concentrada na leitura de um livro de biomancia. Assim que a amiga entrou no quarto, levantou o olhar e sorriu para ela, que devolveu um sorriso amarelo e tímido.

–Me parece que você sabe o que nós vamos conversar hoje.

–É, tenho um palpite – Jackie disse, sentando-se na cama, do lado da amiga – Você sabe que nada o que você disser vai me impedir de ir com vocês, né?

–Ainda assim, você não pode me impedir de dizer o que eu tenho que dizer, como sua amiga.

Ela colocou o livro de lado, e olhou séria nos olhos de Jackie. Seus olhos verdes eram penetrantes e causavam impacto a quem se encontrassem com eles.

–Você não pode ir pra Itália com a gente, Jackie. É suicídio.

–Eu não tenho medo de um monte de padres velhos.

–Mas deveria. O Vaticano tem os magos brancos mais poderosos do mundo. Aliás, os únicos. Não sei o que eles podem fazer com você. Nunca tive oportunidade de estudar isso.

–Eles não podem fazer nada comigo cara. Você viu hoje. A Helena me curou, e nada aconteceu.

–Você só tinha liberado o primeiro selo. Não pense que você vai conseguir assassinar o Papa liberando só um selo. Vamos, senta lá na cadeira. Tenho que refazer esse troço.

Jackie levantou-se, e sentou-se na cadeira do laboratório. Lilly segui-a, e apertou um botão na cadeira, fazendo ela ficar plana e horizontal. Jackie tirou a camisa, e depois o sutiã, revelando seu corpo alvo, seios modestos, e toda sua tatuagem nas costas. Ela consistia de seis runas, rodeando um pentagrama invertido, além de alguns detalhes com temas demoníacos. Lilly abriu uma gaveta em uma estante e tirou uma agulha de tatuar, e começou a preparar o equipamento para refazer o selo.

–Eu nunca perguntei, mas onde uma biomante como você aprendeu a selar um demônio?

–Me deu um bom trabalho, essa magia. Mas nada que alguns meses de pesquisa não resolvam. Nós estávamos na Alemanha na época, lembra? Foi na época que a gente conheceu a Annya. Eu comprei alguns livros sobre o assunto num sebo em Berlin. O pobre dono do lugar achou que eu era uma agente do governo, coitado. Tive que pegar emprestado os olhos de metade dos ratos da cidade pra descobrir onde tinha um livro desse assunto. Não literalmente, é claro. A partir daí foi só modificar a magia para permitir um pouco da manifestação física dele, mas nenhuma manifestação psíquica ou espiritual, e foi isso.

Jackie se sentia um pouco envergonhada de falar sobre o assunto. Assinar um contrato com um demônio foi a coisa mais idiota que ela já fizera na vida, ainda que tenha sido um demônio inferior como Sal’derth. Ainda assim, Lilly conseguiu desfazer o estrago e ainda reverter a situação, transformando o demônio na sua principal arma.

Isso não quer dizer que ela não olhava todos os dias para o espelho e lembrava que dividia o corpo com um demônio.

Lilly começou a refazer o selo nas costas da amiga. Ela há havia feito isso tantas fezes ao longo dos anos que Jackie não sentia mais a dor da agulha. No entanto, a dor de um demônio sendo reprimido dentro do seu corpo fazia todos os músculos e entranhas do seu corpo se contraírem em agonia.

Após alguns poucos minutos, Lilly terminou o serviço. Os chifres de Jackie haviam retornado ao tamanho normal. Ela sentou-se do lado de Jackie na cadeira, e lançou lhe novamente seu olhar penetrante.

–Você vai ter que me deixar fazer alguns experimentos. Com a Helena.

–Então eu vou poder ir? – Jackie parecia uma criança que ganhou permissão para ir brincar com os amigos.

–Não é como se eu pudesse fazer nada a respeito né? Você e sua cabeça dura.

Jackie abraçou a amiga com força.

–Isso não quer dizer que eu esteja satisfeita com isso, mala. Você vai dar trabalho. Me prometa que não vai liberar mais que três selos.

–Eu não vou precisar de mais que três selos.

–Me prometa.

–Prometo... Satisfeita?

–Nem um pouco. Você também não pode falar com ele. Nem na sua mente. Vai ter que se esforçar um bocado.

–Tudo bem, não é como se fosse um sacrifício deixar de falar com ele.

Lilly levantou-se e jogou-se na cama de modo desajeitado.

–Agora vá dormir. Vamos, eu to exausta.

–Você nem lutou nem nada, preguiçosa.

–Vá logo, mala.

–Já te agradeci por ter feito isso por mim?

Lilly sorriu, satisfeita.

–Só todos os dias.

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–Você tá pronto?

Ele não estava. Quase, mas não estava. Fazia coisas que o resto da equipe não entendia, não podiam entender. Ninguém era tão intimo com a magia como ele. Nem com seu próprio corpo. Ele cuidava de cada fibra do seu corpo, uma por uma. Afinal, era sua arma. Seu instrumento. E, para ser franco, ele o maltratava bastante. Mas isso era problema dele. A não ser quando ele fazia ser problema dos outros.

–Estamos quase chegando, seu lerdo. Temos um trabalho pra fazer. Você não podia ter se preparado antes?

“Vadia estúpida” ele pensou. Não entendia a delicadeza e complexidade do que ele fazia. Tanto faz. Não precisava da opinião dela mesmo. Tinha que se concentrar. A agulha entrava, passava e saia de sua pele. Tinha que continuar sussurrando, se não ia doer bastante. Um último nó, um último ponto. Pronto.

Ele abriu sua mala para uma última checada nos componentes de seus encantamentos. Morfina, adrenalina, dopamina, vidros cheios e seringas enormes. Tudo lá. Agora ele precisava extrair material do pessoal do barco. Enquanto ainda estavam frescos.

Ele saiu do quarto. No corredor, algumas de suas vítimas jaziam mortas. Ele abaixou-se ao lado de uma delas, e, com um alicate, começou a arrancar seus dentes, um por um.


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Notas finais do capítulo

Me avisem se isso ficou confuso. Na minha cabeça, não ficou, mas eu tenho a história toda na cabeça, então é difícil dizer. Mais desse personagem do final vai ser revelado nos próximos capítulos.



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