O cenário do ocorrido, uma rua qualquer de pouco movimento, encontrava-se mal iluminada por postes cujas lâmpadas mostravam-se falhas. Já era tarde da noite, algo como três da manhã. Caminhava pela calçada um homem jovem, 20 anos talvez, de andar rápido e exasperado. Não aparentava estar alheio ao cenário da rua, muito pelo contrário. A cada curto passo dado aparentava sondar todo o terreno ao seu redor... pobre paranóico. Em uma dessas sondadas o rapaz reparou uma moça seguindo a mesma trajetória que ele. Nada demais. Entretanto, a presença daquela mulher o incomodava. Seus trajes negros, seu modo de andar, seu longo e cacheado cabelo, negro como suas roupas, desenhando formas aleatórias no ar naquele momento de vento frio. Algo lhe dizia que aquele momento seria marcante.

Alice agia como sempre. Não que aquele fosse um momento qualquer. Ela odiava fazer aquilo. Talvez não odiasse de verdade, apenas não gostava. Mas era necessário. Seus passos leves e calmos não condiziam com sua velocidade de andar. Em questão de poucos passos, menos de uma quadra e meia, alcançou o rapaz de andar preocupado. Alice, sem motivo aparente, pôs-se a recitar algumas palavras, que, apesar do baixo volume, foram ouvidas pelo transeunte.

“O choro pode durar uma noite, mas a alegria virá pela manhã.”

O rapaz, sem entender, virou-se de costas, ficando cara a cara com a garota de preto. Encarou-a com olhar de desprezo, como costumava fazer com todas as pessoas ao seu redor. Talvez fosse falar alguma coisa àquela moça, nada de importante, presumo. De qualquer modo, não houve tempo para nada além do esbarrar de olhares. A garota penetrou algo em sua barriga, pouco abaixo do diafragma. Parecia duro, frio, doloroso. Sangue começou a escorrer por seus lábios, vermelho-vivo em contraste com a cor de sua pele, que rapidamente se tornou pálida. De desprezo seu olhar passou a demonstrar desespero. A garota, por sua vez, permanecia imóvel, fria, com o objeto cravado em seu abdômen.

Alice, estática, permanecia com o objeto, parcialmente coberto por suas vestes, fincado na barriga do rapaz. Apesar de aquela não ser a primeira vez que matava alguém, ela ainda não havia se acostumado com aquela sensação. Ver a angústia no olhar do desconhecido era, para ela, melancólico. Mas Alice sabia que era necessário ser fria, sempre soube. Tirou habilmente o objeto do interior da barriga dele, sem derramar uma gota de sangue sequer. Rapidamente guardou o objeto, aparentemente prateado, em seu sobretudo preto, com a mesma velocidade que o tirou. Olhou nos olhos do rapaz, antes que os mesmos perdessem o brilho enquanto ele caia morto. Novamente havia destruído uma vida. Apesar de querer parar com aquilo o mais rápido possível, no fundo, Alice não se importava muito. E ela continuou a caminhar, dobrando à esquerda na primeira esquina.