O Feiticeiro Parte I - O Livro de Magia escrita por André Tornado


Capítulo 57
X.2 Sangue de amizade.




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Son Goten não queria combater contra Trunks.

Todavia, nada podia fazer. O amigo estava irreconhecível. Zephir tinha-o enfeitiçado e voltara-o contra ele, fazendo-os combater um contra o outro. Não percebia o que esperava Zephir alcançar com aquela situação, pois Julep e Kumis tinham-se afastado. Não se dava o caso de serem três contra um, era apenas ele contra Trunks, o que o baralhava. Para que queria Zephir mais um guerreiro do seu lado, se não o utilizava como acrescento aos guerreiros que já dominava?

Goten agarrou nos dois punhos de Trunks, prendeu-lhe os movimentos. Este estrebuchou furioso, gritou frustrado. Não o largou, foi o seu erro. Trunks puxou-o para si, atingiu-o com uma cabeçada. Goten levou as mãos à cara, sufocado naquela dor repentina. De guarda baixa, tornou-se um alvo fácil. Trunks uniu as mãos e deu-lhe uma pancada, tão potente que fê-lo atravessar o corredor e embater contra a parede do fundo, abrindo nesta enormes fendas.

 Os olhos vermelhos brilharam no rosto alucinado de Trunks. Goten sacudiu a cabeça, zonzo, levantando-se com a ajuda da parede que acabava de rachar. Concentrou o ki, elevando um pouco mais o nível da sua energia. Estavam os dois transformados em super saiya-jin e o curioso era que o amigo não tinha achado estranho ver Julep exibir aquele tipo de poder. Quando ficara em super saiya-jin tivera a esperança que Trunks se lembrasse… Mas não acontecera e continuara obstinado em ver nele o demónio, completamente subjugado ao feitiço que distorcia a realidade.

Goten não o queria combater, mas não iria entregar-se sem luta. Limitava-se a defender para desgastá-lo, para conseguir fazer com que ele o ouvisse, quando fosse oportuno falar e resgatá-lo daquelas trevas que o enganavam.

A voz de Trunks soou demente e irónica:

- Estás cansado, demónio?

Fez nova tentativa e gritou-lhe:

- Eu não sou Julep, Trunks! Sou Son Goten.

Trunks voltou a cabeça com brusquidão, para a esquerda e para a direita.

- Deve estar a dar uma boa lição ao teu irmão.

- Nani?

- Deixa-te de conversas e ataca, cobarde!

Suspirou, cansado.

- Eu nunca irei atacar-te… baka – murmurou.

A gargalhada de Trunks deixou-o gelado. Pediu em desespero:

- Trunks, olha para mim!

- Vou acabar contigo.

Percebeu com amargura que Trunks não o ouvia, nem o ouviria nunca. Nada mais podia fazer a não ser aquilo que irritava mais o amigo: fugir! Talvez o feitiço se escoasse por si, passado algum tempo. Talvez se conseguisse chegar junto de Piccolo ou do seu pai, eles conseguissem lutar contra Trunks e, com algum golpe, bem aplicado, o conseguissem travar e recuperá-lo para o lado certo. Ele não era capaz de lutar contra Trunks, não naquele cenário em que cada golpe do amigo se imbuía de uma raiva mortal e de um desejo de destruição. Trunks queria matá-lo.

Goten esticou um braço, reunindo toda a sua energia na palma da mão que mostrava ao adversário. Pequena gotas de luz rodeavam-lhe os dedos e Trunks preparou-se, rosnando, afastando braços e pernas, encurvando as costas como um animal perigoso prestes a investir. Num movimento súbito, voltou a mão para cima e disparou o raio que abriu um grande rombo no teto. Saltou e sumiu-se pelo buraco que acabara de criar.

- Kuso!! Tu não vais fugir de mim!

O rugido causou-lhe um arrepio doloroso, mas não parou de correr. Lançou um segundo raio em movimento e saltou por outra brecha. Haveria de conseguir escapar daquele labirinto.

Estacou diante de uma escadaria larga, feita de degraus desiguais e partidos. No cimo do poço da escadaria brilhava uma luz intensa e sorriu aliviado – tinha descoberto a saída daquele lugar tenebroso. Nisto, a parede ao seu lado direito estilhaçou-se, tijolos partidos e pedras e poeira a voarem e, no meio da nuvem de destroços, vinha Trunks, de cotovelo espetado, que acabava de utilizar para destruir a parede. Goten recuou. Elevou os braços por cima do rosto, defendeu um murro. Defendeu um outro murro, não conseguiu suster o impacto do terceiro e caiu para trás. Trunks saltou, prendeu-o sob o seu peso sentando-se sobre o peito dele. Goten arquejou, amoleceu, entregou-se. Uma série imparável de murros choveu sobre a sua cara. Esquerda, direita. Esquerda, direita. Sentiu os maxilares estalarem, a dor como pequenas luzinhas a acenderem no cérebro imerso em escuridão, a cabeça voltando-se de um lado para o outro. Esquerda, direita.

Desmaiou. Despertou quando sentiu um puxão na blusa, o pescoço dobrava-se para trás, o sangue enchia-lhe a boca. Trunks levantava-o como se ele não passasse de uma trouxa de roupa. Ria-se, celebrando a vitória.

- Trunks-kun…

- Despede-te, demónio. Vou acabar com a tua miserável vida.

- Mas… eu não sou… Julep, Trunks-kun…

Goten encarou o amigo e suplicou-lhe:

- Por favor… Liberta-me.

- Cala-te!

Pelo canto do olho viu a garra que a mão de Trunks formava, soltando faíscas, acumulando a força necessária para lhe arrancar o coração. E já agora a alma e tudo o resto. Não se podia entregar assim, daquela maneira. Ele era filho de Son Goku!...

Num movimento súbito e alimentado pela raiva de não conseguir resgatar o amigo, agarrou na cabeça de Trunks e deu-lhe uma cabeçada. O sangue que espirrou do nariz de Trunks sujou-lhe a cara. Goten rematou-o com um murro na testa. Deu meia-volta, ia fugir, mas um braço enrolou-se no seu pescoço e apertou-o, uma mão manietou-lhe o braço esquerdo, prendendo-o. Goten tossiu afogado, a ficar, lentamente, sem fôlego.

Trunks rugiu-lhe ao ouvido. Contudo, ficara com o braço direito livre e esse seria mais do que suficiente. Começou a golpear Trunks com o cotovelo. Primeiro devagar. Depois, à medida que ia conquistando uma folga, mais depressa e com mais força. Duas, quatro, sete cotoveladas e Trunks não conseguiu aguentar o garrote e soltou-o. Agarrou-se ao estômago dorido, um joelho foi ao chão. Goten alcançou a escadaria, deu um salto, venceu o poço e descobriu-se numa galeria comprida, ladeada de colunas negras, iluminada por claraboias que filtravam uma luz solar intensa. Goten piscou os olhos. Ainda não tinha chegado ao exterior, mas estava muito perto. Desatou a correr pela galeria afora.

O ki de Trunks surgiu na retaguarda. Perseguia-o com uma insistência feroz. Goten rebentou com uma claraboia. Choveram vidros, protegeu a cabeça com os braços, atravessou a claraboia desfeita. Outra galeria. Gritou frustrado, o pesadelo não tinha fim, aquele labirinto também não.

Correu, o chão tremia debaixo dos pés. Limpou atabalhoado o sangue da boca, deixando um rasto vermelho na face direita. Sentia-se fraco e cansado, mas não podia parar. Seguiu uma frincha de claridade que via mais à frente.

Uma explosão fê-lo parar, escorregou. Olhou para trás e viu Trunks a correr para ele, lançando uma segunda esfera de energia. Desviou-se, lançou também uma esfera que o amigo afastou com um soco. Rebentou com estrondo numa passagem lateral. A terceira esfera sibilava na sua direção e Goten apanhou-a com as mãos. Trunks vinha atrás das esferas, acabava de lançar uma quarta. Goten espalmou-se contra a parede, a bola quente passou-lhe a milímetros do nariz. Depois, só teve tempo de se baixar e ver o punho de Trunks enfiar-se nos tijolos, ao lado dos seus cabelos.

A vantagem era dele, Trunks estava desprotegido. Desferiu-lhe um soco no abdómen, outro soco na cara, derrubou-o. Correu, enviou um raio energético, passou pelo buraco fumegante.

A luz do dia feriu-lhe o olhar e Goten fechou os olhos para os proteger, cobriu-os com as mãos. Como estivera tanto tempo enterrado na penumbra dos subterrâneos, via apenas um branco cegante que o magoava. Mas ficara contente, quase exultante, por ter finalmente encontrado a saída.

Sentiu pequenos espíritos rodearem-no. Abriu os olhos com cuidado. Os contornos surgiram devagar, primeiro desfocados, depois mais nítidos. O vento frio soube-lhe bem e respirou-o como se fosse um remédio. Estava num pátio interior, construído em pedra negra, lajes também negras. O lugar pejava-se de kucris. Deu um passo atrás, preparou-se para os enfrentar, mas as criaturas, a grunhir, garras levantadas, apenas o vigiavam e não ousavam atacar o super saiya-jin. Enquanto analisava os seus pequenos adversários, marcando-lhe as posições, verificando as possibilidades de escapar daquele pátio, Trunks saiu pelo mesmo buraco.

Entreolharam-se.

Era uma cena surreal, no limite da impossibilidade. Trunks colocava-se em posição que antevia um ataque, fletindo joelhos, dobrando os cotovelos, erguendo a mão direita, rosto compenetrado, olhar analítico, preparando nos mesmos gestos a indispensável defesa, o ki palpitando ao ritmo da capa dourada que o envolvia, um magnífico super saiya-jin em ação. Emolduravam-no fileiras desordenadas de kucris, vagas negras rasteiras, o apoio se o guerreiro caísse. A ideia agoniou Goten. Tal como se apresentava, Trunks combatia ao lado dos kucris, do lado de Zephir.

Goten cerrou os dentes.

Se Trunks queria combater, iriam combater.

Os dois rapazes aumentaram a sua energia, imitando-se, refletindo-se no espelho dos olhos do outro, preparando o confronto, saboreando o desafio e o que se desenrolava entre eles, mais do que rivalidade, mais do que ódio. Gritaram e tudo tremeu.

Goten e Trunks atiraram-se um contra o outro, embrulhando-se numa luta corpo-a-corpo rápida, disputada com ânimo. As feridas surgiam, o sangue escorria a misturar-se com o suor, a roupa desfazia-se. Goten caiu atordoado com um pontapé. A dor espalhou-se quente pelo corpo, quebrando-lhe o ânimo. Foi puxado pela gola esfarrapada da túnica. Pestanejou, tentou focar a visão e encontrou os olhos encarnados do amigo. Não tinham alma, nem sentido, eram uma coisa morta. Tinha de reagir, sem demoras e sem remorsos. Num contragolpe inesperado, empurrou-o, socou-o. Quando Trunks tentou ripostar, apanhou com outro soco. E mais outro. Três, cinco, oito pancadas que o obrigaram a sentar-se no chão, grunhindo irritado com a queda. O corpo tremeu com o esforço, arranhou o lajedo. Soltou um último urro, raiva misturando-se com dor, deitou-se para trás e perdeu os sentidos. Deixou de ser super saiya-jin, a fogueira dourada apagando-se com um silvo.

Goten observou-o, ofegante. Aguardou alguns segundos.

A cintura de kucris formava a arena improvisada, uma barreira negra e muda, deslumbrados com o poder imenso que testemunhavam. Ou eram simplesmente estúpidos e estavam com medo.

Trunks despertou gemendo. Rebolou, ficou deitado de borco. As costas tremeram, tentou erguer-se. Apoiou-se nos braços, as omoplatas espetando-se, como um gato a espreguiçar-se. Por momentos, houve uma leve esperança que a sova tivesse sido suficiente para quebrar o feitiço e Goten chamou:

- Trunks-kun?

As gargalhadas desfizeram todas as ilusões.

- Excelente ataque!

A tensão esticou-lhe os músculos. Goten estremeceu, estava demasiado cansado. Não sabia se conseguiria aguentar aquilo por muito mais tempo.

E os olhos de Trunks continuavam vermelhos.

- Gostei do esforço, Julep. No entanto, não é o suficiente para te livrares de mim. Continuamos?

O vento soprou. Trunks mudou para super saiya-jin.

Goten sentia-se esmagado, perante uma situação que era incapaz de resolver. Só matando Zephir conseguiria devolver a verdadeira personalidade ao amigo. E então, assaltado por esse pensamento, encheu-se de ânimo e empenhou-se nessa próxima tarefa: encontrar o feiticeiro. Elevou-se nos ares com um pulo, fugindo do pátio e da arena limitada pelos kucris.

- Volta aqui! – Berrou Trunks furioso.

E também pulou.

Os dois rapazes riscaram o céu como dois raios brilhantes. Os kucris abandonaram a sua letargia e desataram aos guinchos, a olhar agitados para cima.

***

Goku empurrou Keilo com um pontapé. Sentiu o terramoto provocado pelos dois espíritos conhecidos que começavam a lutar. O saiya-jin fez como ele, olhou para o Templo. Parava momentaneamente o combate que se tornava mais disputado, pois Goku tinha aprendido algumas coisas no primeiro confronto e já não estava a cair nos mesmos erros.

- O que foi? – Indagou Keilo.

Goku percebeu quem lutava.

Nas margens do lago, Vegeta também, assim como Piccolo e Gohan, que comentou perplexo:

- Goten… Trunks… Mas, o que estão eles a fazer?

Piccolo assumiu um ar grave.

- Passa-se alguma coisa. Isto não está certo. Sinto que…

Vegeta completou o que o namekusei-jin pensava:

- O espírito de Trunks não está igual.

Concentrando-se melhor, Gohan também percebeu que Trunks não parecia o mesmo. Quase que jurava que a alma de Trunks era tão negra quanto a dos kucris. Olhou aflito para Piccolo à espera de uma explicação.

No ar, Keilo afastou-se. Zephir conseguira o que queria e o jogo terminava. Reparou em Gohan, ao lado do príncipe e do namekusei-jin. Não o enfrentara, não sabia como era lutar contra um meio saiya-jin. Talvez noutra ocasião. Não haveria de faltar ocasiões.

Ficaram todos quietos por alguns minutos, a seguir mentalmente o confronto entre o estranho Trunks e Goten. De seguida, viram-nos surgir a voar por cima do pátio exterior do templo, Goten mais adiante, Trunks esforçando-se para alcançá-lo.

Gohan apontou:

- Olhem! Eles estão ali!

Uma bola de energia foi lançada, para travar o voo de quem se adiantava. Goten estacou, a bola explodiu. Desfez-se em labaredas vermelhas, em centelhas brilhantes, em rolos de fumaça. Quando o ar clareou, onde houvera a explosão estava Goten encolhido, os braços sobre a cara. Trunks não refreou a velocidade e acercou-se, fechando o punho que tinha acabado de lançar o ataque energético.

Goten baixou os braços, tentou defender-se, mas foi tarde demais. O punho golpeou-o na cara, sentiu outro nas costelas. Cuspiu sangue. Afastou Trunks com alguns golpes frenéticos, mas desesperados, sem acerto. O adversário desviou-se, rindo-se da falta de jeito, do desânimo. Goten irritou-se. Desferiu-lhe um soco debaixo do queixo, um potente uppercut que fez Trunks dar uma cambalhota sobre si mesmo no ar.

Limpou a boca, a tentar respirar. Teria de voltar ao templo, procurar pelo feiticeiro, encontrá-lo, eliminá-lo… Resgatar Trunks. Baixou os olhos e descobriu que o combate tinha assistência.

Trunks sacudiu a cabeça, apertou os maxilares. A raiva incendiava-lhe os olhos vermelhos. Na mão direita apareceu energia pura, que ondulava entre os dedos dobrados.

Na assistência, Goten encontrou o irmão. Admirou-se.

- Gohan?…

Uma distração mínima, um descuido inocente. Foi o suficiente.

Trunks atacava. Goten encarou-o.

O raio amarelo alcançou-o em cheio no estômago. A boca abriu-se, sem esboçar um som, o grito não saiu. O raio amarelo atravessou-o, de lado a lado. Um calor imenso comia-lhe as entranhas. A dor era indiscritível e enquanto se esvaía por um buraco negro, que lhe roubava visão, audição, toque e qualquer réstia de calor, pensou que abandonava o amigo, que agora era um maldito de um demónio.

***

O corpo de Goten dobrou-se numa convulsão, varado por um traço de luz fulminante e faiscante. Trunks estava no princípio desse raio mortífero. Disparava-o com ganas, com poder.

Gohan vira o olhar de Goten fixo nele antes de tudo acontecer.

O mundo parecia ter parado. Aquela cena dançou no céu, muda. Trunks atacando Goten.

Depois, ouviu-se o raio rasgar a atmosfera num som sibilante.

O vento soprou, lamentando-se, esfriando, sacudindo a Natureza.

Trunks agarrou-se à cabeça, a tremer, a berrar como um louco. Enrolou-se sobre si mesmo, soltando a sua energia em ondas imparáveis e erráticas. Provocou novo terramoto, enviando múltiplas centelhas que se esmagaram na terra e criaram pequenas explosões.

No ar, Goku protegeu-se, levantando um braço à altura dos olhos. Junto ao lago, Vegeta, Piccolo e Gohan taparam a cara.

Gritando cada vez mais alto, Trunks estendeu os braços, crispou os punhos, libertou a tensão que o prendia. As trevas abandonaram a sua alma, despegando-se com relutância. O feitiço desaparecia…

O corpo inerte de Goten perdeu o alento da vida e estatelou-se no solo, perto dos muros do Templo da Lua. Caiu aí, abandonado, o rosto pálido voltado para cima, os olhos brancos e inexpressivos, os braços abertos, as pernas afastadas, uma enorme ferida ensanguentada no abdómen.

Um silêncio sobrenatural embrulhou o mundo.

Trunks abandonou o estado de super saiya-jin. Pestanejou várias vezes, confuso e assustado, perdido por se ver no exterior quando julgava que estava nos subterrâneos atrás dos demónios gémeos.

As memórias regressaram em catadupa. Estranhas, longínquas, mas tão suas quanto as mãos trémulas que fixava. Os dedos esfolados tinham sangue. A angústia assaltou-o ao aperceber-se do que tinha acabado de fazer.

Olhou para baixo e descobriu o corpo do amigo.

- Goten-kun!!!

O seu grito lancinante ouviu-se do outro lado do Universo.

Todos despertaram com o seu clamor. Tinham estado até ali a presenciar aqueles acontecimentos em câmara lenta, como se não tivesse a ver com eles.

O coração de Goku gelou. O seu filho mais novo acabava de tombar, ferido de morte.

- Go… Goten… Goten – balbuciou.

- Goten-kun!! – Tornou Trunks completamente descontrolado.

Gohan estava branco. Não sabia se queria chorar, se queria gritar como Trunks. Ia correr para o irmão, abraçá-lo, curá-lo, salvá-lo. Piccolo meteu-se na sua frente.

- Não te mexas! Fica aqui! – Ordenou.

Enfureceu-se.

- Piccolo-san! Deixa-me passar!

- Fica aqui!

Um grupo de dez kucris saía pelo buraco do muro. Pela primeira vez, as criaturas aventuravam-se para fora do templo. Piccolo pressentiu uma presença invulgar e preparou-se para intervir. Os kucris rodearam o corpo de Goten.

Trunks atirou-se num voo picado para afastar os kucris do amigo. Vegeta também sentiu a mesma presença que incomodava Piccolo. Saltou e intercetou o filho no ar.

- Sai da minha frente!

- Deixa-o – disse Vegeta ríspido. – Já não podes fazer mais nada por ele.

- Cala-te!

Quis golpeá-lo, mas a tentativa foi patética. Vegeta acertou-lhe no estômago com toda a força. Trunks engasgou-se com a súbita falta de ar, a dor foi insuportável e perdeu os sentidos. Vegeta agarrou no filho e juntou-se a Piccolo, a Gohan e a Goku, que deixava o estado de super saiya-jin enquanto descia.

Os kucris levaram o corpo de Goten para dentro do templo. Alguém apareceu no buraco do muro como uma mancha acinzentada, como se para se mover não caminhasse, mas deslizasse. Um kucri estendeu-lhe um tubo vermelho. Surgiu uma mão branca que agarrou no tubo. Atrás postaram-se dois seres grandes e musculados, os demónios Julep e Kumis.

Zephir olhou primeiro para Son Goku.

- Bem-vindos ao Templo da Lua – disse.

O feiticeiro aparecia.

Goku percebeu que o feiticeiro olhava apenas para ele. Endireitou as costas, devolveu a intensidade do olhar. Atrás dele tinha Piccolo, Gohan e Vegeta, com Trunks debaixo de um braço. Apesar de aparentar ser uma coisa magra e frágil, escondida debaixo de um hábito cinzento, Zephir tinha um olhar cortante que exigia que nunca fosse ignorado.

Entretanto, Keilo tinha-se afastado.

Zephir levantou um dos braços, mostrando na mão o pequeno tubo de vidro, fechado nas duas pontas.

- Sabem o que é isto?

A pergunta fora dirigida a todos, mas Goku teve a impressão que falava apenas com ele.

- Sabem o que está aqui dentro?

Era um líquido vermelho e espesso.

- Sangue – murmurou Goku.

- Sangue, sim – concordou Zephir. – Sangue de amizade!

Um arrepio percorreu-os a todos. Vegeta apertou os dentes, Piccolo nada demonstrou na sua pose imóvel de estátua, Gohan não conseguia fechar a boca de espanto e Goku manteve o olhar sério.

- O meu passaporte para a glória – completou Zephir.

- Nani?

- Eu venci, Son Goku!

- Não estou a perceber…

- Com o sangue de amizade, consegui derrotar-te. Não percebes? Estás nas minhas mãos.

- O que é que estás a dizer? Para que é que querias derrotar-me?

- Não é óbvio, Son Goku?

Zephir baixou o braço, deitou a cabeça para trás a rir à gargalhada. O capuz cinzento descaiu e surgiu o rosto do feiticeiro em toda a sua palidez.

Gohan perguntou:

- O que foi que ele quis dizer com aquilo, ’tousan?

As gargalhadas horripilantes cessaram.

- Queres perceber porquê? Não me importo de te dar todas as explicações que quiseres. Afinal, acabas de me conceder a minha maior vitória. Podemos afirmar que trabalhaste para mim, neste nosso breve encontro. Portaste-te razoavelmente bem e vou agradecer-te a ajuda contando-te sobre o Inferno onde acabas de entrar. Tu e os teus companheiros!

Zephir prosseguiu:

- Tu sabes que eu quero o Universo, que pretendo ser o senhor de todos os mundos. Mas tu nunca irias deixar que cumprisse esse meu sonho, pois não? Por isso, era essencial derrotar-te. Mas como poderia eu derrotar-te, se não passo de um pobre sacerdote de um templo, dotado nas artes da magia? Como poderia eu eliminar o maior guerreiro da Terra? Fácil! – Apontou um dedo à testa. – Com inteligência.

O coração batia-lhe na garganta. Goku engoliu em seco. Tinha um mau pressentimento em relação àquilo tudo. Aquele tubo de ensaio que o feiticeiro agitava como se fosse um troféu era muito importante.

De facto, Zephir apertou o tubo com avidez.

- E com sangue de amizade – contou.

- Para que serve esse… sangue de amizade?

Com um calafrio percebeu que era o sangue do seu próprio filho. Atrás dele, Vegeta fervia a sua ira em fogo lento.

- Para te enviar para um lugar do qual tu não sairás, nunca mais!

- Kuso! Isso é o que vamos ver! – Exclamou, mostrando um punho.

- Não adianta perderes a calma. Nada do que possas fazer, a partir deste momento, mudará o curso dos acontecimentos. Apesar de seres o meu maior inimigo, ainda não me fizeste qualquer mal, por isso… vou ser misericordioso. Não te deixarei ir sozinho para esse lugar. – Esbugalhou os olhos que brilhavam de maldade. – Todos aqueles que te estão ligados, todos aqueles que conheceste ao longo da tua vida, irão contigo. O que inclui os grandes guerreiros da Terra. E assim, ao livrar-me de ti e dos teus companheiros, Son Goku, fico com o caminho livre para fazer o que eu bem quiser.

Goku teve medo… Não por ele, mas pelos seus amigos, por todos aqueles que conhecia e que lhe eram queridos. Não suportava que sofressem só porque estavam ligados a ele.

Zephir concluiu, anunciando tonitruante:

- Vou enviar-te para a Dimensão Real.

- Nani?

- A Di-dimensão Real? – Balbuciou Goku. – O que raios é isso? Onde fica?

- Aqui, na Terra. Numa outra Terra, semelhante a esta, mas também muito diferente. Ficarei a observar-te desde a Dimensão Z, esta dimensão onde estamos agora. À espera…

Vegeta rosnou impaciente.

- Vou dar-vos uns tempos de descanso – troçou o feiticeiro, a reprimir um sorriso pérfido. – Umas férias num pequeno Inferno, a jogar um jogo especial que vos preparei. No entanto, existem regras. Não poderão ficar mais do que doze meses na Dimensão Real.

- Um ano?

- Doze meses na Dimensão Real que valem por doze dias na Dimensão Z.

- E o que é que acontece ao fim dos doze meses?

Zephir respondeu, a provar cada palavra:

- Ao fim de doze meses na Dimensão Real, perdem todos os vossos poderes e ficarão nessa dimensão para sempre… Nunca mais regressam! E eu estarei aqui à espera, a contar o tempo até ao meu triunfo. Apenas terei de esperar doze dias.

Vegeta largou o corpo do filho e explodiu:

- Maldito feiticeiro! Eu é que te envio para o Inferno, agora mesmo!

Julep preparou-se para proteger o mestre..

Para refrear o avanço do príncipe, Goku barrou-o com um braço.

- Espera, Vegeta!

- Não te metas na minha frente, Kakaroto! – Exigiu Vegeta, dando-lhe um safanão.

- Eu quero saber o que vai acontecer. Se o atacas agora, ele pode enviar-nos já para a Dimensão Real e ficaremos sem saber como nos poderemos safar desta.

Zephir riu-se.

- Muito bem, Son Goku. Muito bem. Julgava que eras menos inteligente.

Contrariado, Vegeta cedeu. Voltou-lhe costas, cruzou os braços, fungando como um touro ferido. Piccolo não movera um músculo e Gohan sentia-se congelado de ansiedade.

O tubo foi, mais uma vez, exibido com vaidade.

- Com um feitiço sobre o sangue de amizade, vou enviar-vos para um sítio chamado Portugal. Espero que a vossa viagem seja agradável.

- Portugal?! O que raios é isso? – Vociferou Vegeta, olhando o feiticeiro de esguelha.

- É um país que existe na Dimensão Real. Antes de decidir qual o destino que iria dar-vos, fiz uma pequena pesquisa para saber como funciona essa Dimensão Real. A Terra, nessa dimensão, encontra-se dividida em Estados e eu tive de escolher um para vos acolher.

- E será esse… Portugal? – Indagou Goku, espreitando Gohan, esperando que o filho, que se fartava de estudar, reconhecesse o nome. Mas este não deu mostras de que alguma vez tenha ouvido ou lido sobre Portugal.

- Espero que apreciem a vossa estadia nesse país – prosseguiu Zephir. – Podem agradecer-me por não vos enviar para o Japão, o país de onde vocês são oriundos, porque outro dos cuidados que deverão ter é que nunca poderão conhecer a forma como existem na Dimensão Real.

- Deve existir uma maneira de regressar à Dimensão Z – disse Goku.

- Hai, existe.

- E qual é?

- Para abrir a porta entre os mundos, um de vocês deverá interagir com alguém da Dimensão Real.

Goku estranhou:

- Interagir? O que é isso?

O feiticeiro espetou um dedo e avisou:

- Ah! Mas se chegarem a interagir com alguém da Dimensão Real… eu transformo-me num deus!

E as suas gargalhadas deixaram Goku estarrecido. Vegeta descruzou os braços, olhou para ele, depois para o feiticeiro.

- É simples, Son Goku – explicou Zephir. – Se ficarem na Dimensão Real mais do que doze meses, ficarão nesse lugar para sempre. Eu venço. Se quiserem sair da Dimensão Real, terão de interagir com alguém dessa dimensão e eu transformo-me num deus. Mais uma vez, eu venço.

Olhou para o céu azul e sublime daquela manhã. Os guerreiros mais poderosos do mundo vergavam-se ante a sua magia, completa e totalmente derrotados, indefesos, perdidos.

- Doze dias – concluiu alucinado. – Esperarei doze dias apenas… E o Universo será meu.

Goku reagiu. Ameaçou, dando um passo em frente, a tensão convertendo-se em raiva e ele convertendo-se num super saiya-jin. Vegeta, ao lado dele, imitou-o, transformando-se também num super saiya-jin.

- Não te deixarei conquistar o Universo!

- Doze dias, Son Goku – afirmou Zephir com convicção.

O tubo de ensaio brilhou na sua mão escanzelada. O vento agitou o seu hábito cinzento e ele tomou a figura sinistra de um enviado das trevas. Desenhou um símbolo mágico no ar com a outra mão. No centro do símbolo ficou o tubo de ensaio cheio de sangue de amizade. O céu fendeu-se num relâmpago faiscante, um trovão ribombou. Os seus lábios murmuraram o feitiço e a porta da Dimensão Real surgiu do nada. Goku, Gohan, Vegeta e Piccolo sentiram-na como um beijo frio na pele.

Zephir rematou:

- Chikyuu pertence-me!

Um remoinho apareceu debaixo dos pés de Goku. Olhou para baixo, aflito com a sensação de estar a ser sugado, corpo e alma, para um lugar escuro. Uma sombra negra engolia-o e ele esvaía-se… Estranhamente, tornava-se mais pesado. O remoinho, implacável, iria levá-lo no seu rodopiar vertiginoso até um Inferno desconhecido.

E o céu relampejava e trovejava, num cataclismo de luz e som.

Goku ouviu os gritos abafados de Piccolo e de Gohan ao desapareceram pelo remoinho. O corpo de Trunks perdeu-se neste, logo seguido pelo furioso Vegeta, que praguejava enquanto descia pelo abismo.

Goku dirigiu ao feiticeiro um olhar assassino. Antes de se ir embora da Dimensão Z, disse-lhe:

- Não vencerás, Zephir! Juro-te que voltarei. Voltarei para te destruir. Eu e os meus companheiros! E a vitória final será minha. Nunca tua… Nunca…


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A viagem.



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