– Sophia! – a Milly me gritou no meio do corredor barulhento. – Me espera!

Já estava na porta, então saí e enquanto esperava do lado de fora, vi a Marina, no estacionamento, olhando para a Helena que retribuía o olhar, pareciam estar discutindo pela mente.

– Sophia, o que acha de irmos ao shopping? – Milly disse quando finalmente me alcançou.

– Tenho uma ideia melhor, almoça comigo e depois a gente joga vídeo game. O que acha? – Ela nunca negava a comida da Maria seguida de uma partida de vídeo game.

– Nem preciso responder, não é? – ela perguntou rindo e puxou minha mão.

– Ah, quer dizer que vocês tiveram uma conversa romântica? – a Milly constatou depois que eu contei sobre minha rápida conversa com o Stefan.

– Não foi romântica, Milly, só terminamos a conversa que nós todos começamos no refeitório. Aliás, me lembre de matar a Erika amanhã...

Eu abri a porta da casa e o Boris, meu cão, veio cheio de alegria trazendo a bolinha dele. Passei a mão no pelo dele e ele pôs a bolinha no chão.

– Agora não, menino, depois eu brinco com você. – eu disse indo para a cozinha. – Maria, eu trouxe a Milly comigo.

– Que ótimo! É só esperarem um segundo e já estará pronto... – eu concordei e voltei para a sala.

– O que a Helena queria com você? – Milly disse de repente.

– Achei que você nem fosse perguntar... Vou usar as palavras que ela usou: “Só quero pedir para você parar de se preocupar com o que não te diz respeito...” – assim como eu fiquei quando ouvi, a Milly também ficou parada sem acreditar no que eu tinha dito.

– Como que a Helena falou assim com você? – Maria perguntou terminando de pôr a mesa e se sentando conosco.

– Me surpreendi tanto ou até mais que vocês, nem parecia que éramos amigas. Mas acho que ela me ouviu conversando com a Milly sobre a aparente discussão entre ela e a Marina. – Milly tombou a cabeça como sempre fazia quando avaliava alguma situação.

– Acho isso tudo muito estranho, mas talvez a Helena esteja certa, você não deve se envolver, principalmente porque nenhuma delas parece querer dividir com você. – Falar era mais fácil do que fazer, mas a Milly tinha razão. – Na hora certa tudo será esclarecido, é só você ter um pouco de paciência.

– Sei que não vai tirar isso da sua cabeça, principalmente depois do jeito como a Helena falou, mas tem uma coisa que você precisa se lembrar... – Maria sempre sabia como minha cabeça funcionava e por isso me advertia quando achava que era necessário. - Marina e Helena são adultas, têm seus próprios assuntos e jeitos de pensar, você é só uma criança... Não estou duvidando da amizade e carinho que elas têm por você, no entanto a diferença de idade, querendo ou não, influencia e limita uma amizade como a de vocês.

– Limita? Como assim? – eu nunca acreditei que a diferença de idade fosse um grande empecilho, entretanto estava interessada em entender o ponto de vista da Maria.

– Por exemplo, você e a Milly discutem sobre tudo que acontece na vida de vocês, estão sempre juntas, são amigas há um bom tempo. – Maria deu uma pausa no que dizia como se procurasse boas palavras para o que ela iria me dizer. – No caso da Marina, ela tem responsabilidades maiores, problemas maiores que nem sempre podem ser discutidos com alguém, como você e a Milly fazem, ou pelo menos não com qualquer um.

– Ah, muito obrigada, pelo qualquer um, estou me sentindo bem melhor! – antes que eu ficasse realmente chateada a Milly saiu em defesa da Maria.

– A Maria se expressou mal... O que ela queria dizer é que talvez a Marina não tenha adquirido confiança suficiente em você, afinal vocês se conhecem há pouco tempo. – Milly apertou minha mão me fazendo olhar para ela. – Se você acredita na amizade de vocês precisa esperar pelo tempo que a Marina precisa para confiar em você, e isso serve até mesmo para a Helena.

– E sempre há situações que nunca teremos coragem ou vontade de compartilhar com alguém por mais amiga que essa pessoa seja... – Maria finalizou o assunto, deu um sorriso e disse. – Vou trazer a sobremesa para te animar um pouco!

Depois de algumas partidas de vídeo game a Milly foi embora, pois tinha algumas coisas para resolver. Eu subi as escadas e fui para meu quarto. Sentei na beirada da cama e fiquei olhando o dia lá fora, pela minha janela. Olhei para a cômoda ao meu lado e vi as duas fotos que eu mais gostava. Uma com a Marina na confraternização do ano passado, eu estava feliz por ter conquistado uma amiga tão interessante e divertida como ela. E a outra era com a Helena, também no ano que a conheci, sempre tivemos um bom relacionamento e só o melhoramos com muitas memórias legais.

Para mim a diferença entre nós não era um problema, pelo contrário, era o que tinha chamado minha atenção nelas. Mas a Maria e a Milly tinham razão, eu preciso me lembrar de que há mesmo algumas limitações como em qualquer amizade.

– Me pediram paciência, Boris... – eu disse para o meu cachorro que estava me olhando. – Então, eu serei paciente!

Para aquele momento a única coisa que me deixaria mais calma era um pouco de música, por isso me sentei ao piano.

O piano era uma forma de viagem para mim, assim como um bom livro. Se eu tocasse um Jazz ou Blues, por exemplo, conseguia me ver um bar do velho oeste com todos aqueles homens bebendo shop e prontos para um duelo. Quando tocava valsa, imaginava os grandes salões de festa dos nobres europeus, e as pessoas dançando com aquelas roupas antiquadas do sec. XV. Ou musicas de filmes como Piratas do Caribe que me lembravam de duelos de piratas em alto mar.

Mágica é a palavra certa para definir o que é musica para mim, principalmente quando eu estava tocando-a. Permaneci no piano por tempo indeterminado e se a campainha não tivesse tocado eu provavelmente continuaria ali.