Dezenove

_Oi? Nicolas, onde você está?_ eu disse, com pressa, enquanto Miguel fazia cara de tédio.

_Oi, Mag, estou indo pro Canadá. Estou te ligando porque você é a única pessoa que eu tenho, agora._ Miguel fazia um gesto com a mão como “blá, blá, blá”. _Estou partindo pra viagem com o meu tio, me desculpe se eu acordei você.

Miguel grita para que Nicolas ouça do outro lado:

_Não acordou, não, pode deixar.

Nicolas continuou:

_Mas então... pode avisar pra Talita se achar necessário.

_Ela estava te ligando igual uma louca, hoje... Mas que ideia maluca é essa? Por que você vai pro Canadá? E onde você está, agora?

_Não tem como explicar muito, mas estou na casa do meu tio. Ele mora longe de mim, por isso o celular estava fora de área. E, bem, não tem como voltar atrás, agora. Eu te amo, beijo.

Miguel olhou pra mim como “O que ele está falando? Te ama?!”

_Me manda um e-mail, depois? Beijo.

Desliguei o telefone.

_Magda?! Como assim?

_Ah, Miguel, esquece. Ele é o meu melhor amigo, só está falando da boca pra fora.

_Da mesma boca que ele te beijou.

Ignorei ele, e liguei pra Talita. Não tão certa do que iria falar e como falar, simplesmente disse que Nicolas estava na casa do tio dele e que iriam viajar pro Canadá. Ela ficou me perguntando um monte de coisas que eu não sabia responder, então eu disse que mais tarde ele me mandaria um e-mail e eu contaria tudo pra ela. Me despedi, e ela ficou mais aliviada por saber onde ele estava.

Miguel provavelmente estava, no mínimo, maluco. Ou talvez precisando esfriar a cabeça, longe da Talita, longe do Miguel. Longe de mim. Mas por que tão longe assim? Sair do Brasil, ir pro Canadá... ele nunca tinha tomado uma decisão tão radical_ e talvez tão madura_ quando essa. Na verdade, nem mesmo eu havia feito algo assim na minha vida. Mas ele mudou, assim, tão silenciosamente. Mudou, de mudar por dentro, não de lugar. Sim, porque o Nicolas de antes não faria nada além de passar um tempo com alguma menina que está afim dele_ que não fosse eu_ e depois iria na casa da Talita, jogaria um charme... e os dois estariam de volta no dia seguinte. Mas, não. Ele não quis sequer mostrar que mudou, que não estava mais preocupado com ele mesmo, que havia pensando em nós pelo menos uma vez. E não estava querendo mostrar isso pra todo mundo, como ele faria...

E o mais estranho era que até a Talita, que estava quase enlouquecendo, tratou toda a situação como normal depois que eu expliquei tudo pra ela. Como se ela se mudasse de país assim, num piscar de olhos, sem mais nem menos, sem dar explicação. Como se ela não estivesse preocupada com ele, de verdade. Devo confessar, que, entre a surpresa dela e a minha, eu estava mais preocupada com Nicolas.

Miguel, podia até estar estranhando o fato de Nicolas ter saído, assim, do nada, mas ele não queria entende-lo. Ou estava com preguiça.

_Miguel... e agora?_ levantei da cama, pus a mão na cintura, como uma mãe com raiva de alguma arte do filho.

_E agora que você fica esperando o e-mail do seu amiguinho..._ ele me olhou, com os olhos sossegados, se espalhando pela cama.

Arqueei a sobrancelha, ignorando o que ele disse.

_Não, estou falando de agora, agora mesmo. O que a gente faz?

_Eu já te disse que você me deixa louco?

­_Disse, Miguel. Eu disse quem me deixa louca é você, e você disse que é inofensivo, comigo.

_Inofensivo, bem..._ me beijou e me olhou­ daquele jeito intenso e sério_ só quando eu quero.

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Acordamos, tomamos café e Miguel não precisou ir ao hospital, como no dia anterior. Eu ainda estava me acostumando com esse ritmo...

Miguel me olhava, feliz. Talvez pela noite passada, mas mais provavelmente por Nicolas estar fora do seu “território”. Mas ele não iria dizer que estava feliz pra mim. Ele sabia o quanto eu me preocupava com Nicolas, mesmo não sabendo que eu o amava. Ele sabia que, de alguma forma, eu estava ligada com Nicolas. De alguma forma, seja ela amando-o ou odiando-o, eu não poderia deixar de falar com ele de um dia pro outro, se é que eu poderia deixar de falar com ele.

O celular do Miguel toca, era uma mensagem, mas ele o pegou rapidamente tirou a mensagem da tela.

_Quem era?

_Era... a operadora oferecendo uma.... promoção.

Eu estranhei. Não por ser a operadora, mas por quão estranho Miguel ficou ao receber a mensagem. Mudou rapidamente a tela, ficou pálido. Ele fingiu indiferença, mas não tinha como negar.

_Miguel, você está estranho.

_Estranho... como?

Nos olhamos.

_Nada.

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Miguel queria sair, mas eu quis ficar em casa para esperar o e-mail do Nicolas.

_Ah, sério, Amor?

_Ah, Miguel..._ passando a mão em seus cabelos loiros_ nem tem lugar pra gente ir, tem?

_Bem... a gente podia voltar lá naquela montanha pra ver o sol, de novo.

Eu não estava nem um pouco afim de sair antes de receber alguma explicação mais completa sobre o que aconteceu com o Nicolas. Ele sabia disso, então nem insistiu.

_Tá bom, Magda. Faz o que você quiser. Mas não fica falando dele comigo.

_Você está com ciúme?

_Não... ah, Magda. Estou, estou sim, com muito ciúme de vocês dois. Vocês se conhecem há mais tempo que eu conheço vocês, e, sei lá, vocês já devem até ter...

_Não.

_Não? Mas por que vocês são tão grudados? Digo, por que você está tão preocupada com ele?

_Porque desde quando a Talita me apresentou ele, a gente se tornou melhores amigos. Sabe? De um xingar o outro, de me ajudar quando eu estou bêbada, de...

_Ah, ajudar quando você está bêbada?_ Ele começou a andar de um lado pro outro pela sala_ Ah, entendi. A mesma ajuda que ele te deu quando você estava bêbada... ou até pior.

_Não, Miguel. Não foi nada disso, eu teria dito pra você, se fosse. Você quer entender tudo errado, entre nós nunca aconteceu nada. E, se tivesse acontecido? O que isso iria interferir, agora?

Ele para de andar, e passa a mão na cabeça. Estava de saco cheio daquilo, mesmo sabendo a verdade: ele queria ouvir que eu tinha ficado com o Nicolas, acreditar numa mentira, só pra ter mais raiva dele.

_Nada, Magda, só estou tentando entender melhor essa “amizade colorida” entre vocês dois...

_Não é “colorida”, é só “amizade”. Ou você quer que eu pare de falar com ele só por que estamos juntos?

_Não! Eu não estou falando nada disso!_ ele berrou. Eu fiquei super assustada, com as sobrancelhas arqueadas pra ele.

Ele se recompôs, e chegou perto de mim e disse:

_Não vamos brigar por causa do Nicolas, né?

Não estávamos brigando por causa do Nicolas. Estávamos brigando por causa do ciúme do Miguel. Mas eu não queria brigar com ele.

_É...

Ele veio pra me abraçar forte, como só ele sabia fazer. Mas eu fingi que não vi, e fui caminhando pra cozinha.