O Livro De Merlin escrita por Yuri Nascimento


Capítulo 16
Ela já deveria ter chegado




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– Relatório matinal! – anunciou uma voz baixinha acompanhada de duas batidas abafadas na grossa porta de madeira escura.

O velhinho jogava o peso do corpo para frente e para trás sobre o calcanhar e o peito dos pés, esticando o suspensório elástico e encarando o quadro negro de três andares completamente riscado à sua frente.

– Não me diga que o senhor não dormiu outra vez.

– Depois de velho você acostuma a dormir menos, doce Freya. – essa era uma meia verdade. Algo vinha tirando o sono do professor desde a carta, mas ele não comentava sobre isso. Finalmente desviou os olhos desconfiados do quadro para um sorriso acolhedor à criatura que lhe sorria aquele riso resplandecente e perfeitamente alinhado por trás dos lábios rosados cedinho da manhã. Ah, como Freya era linda. E os olhos preguiçosos recém-acordados, a maquilagem tímida e quase imperceptível, os cachos pesados caindo sobre os ombros do casaco verde escuro. Tinha uma beleza campestre nela, inocente, mas capaz de dobrar príncipes.

– Dez segundos, professor. – falou ela, encontrando espaço e pousando os jornais sobre a mesa caótica do professor.

– Dez segundos. – repetiu, saindo de seu devaneio. Ele pegou uma xícara na mesa mais próxima, mas ficou decepcionado ao levar aos lábios e não sentir o gosto do café na boca. Eu podia jurar que tinha café aqui dentro, pensou, procurando o café dentro dela.

– Ah, você conseguiu resolver aquele problema? – perguntou ele, observando a assistente agilmente mudar pastas de lugar, guardar relatórios, realocar livros nas prateleiras corretas, anotar os compromissos do dia na sua agenda e verificar que as quatro garrafas de café deixadas na noite anterior estavam vazias e precisavam ser repostas.

– Sim – respondeu ela, meio embaraçada com o assunto. – minha avó vai mandar o dinheiro pelo banco central. De qualquer forma, obrigado, professor.

– Que bom! Já falei, se algum dia precisar de algum adiantamento, não hesite em me avisar. Eu bem sei como o pagamento dos estudantes costuma atrasar – e gargalhou sonoramente. – quanto tempo eu tenho pra dormir? Acho que estou cansado.

– Acha! – ela revirou os olhos. – Bom, hoje só tem aulas no fim da tarde. Eu recomendo que vá pra casa imediatamente, professor. Não devia ser tão negligente com a sua própria saúde.

Os olhos fraternais do velhinho sorriram na direção da garota.

– Eu vou. Agora vá para sua aula. Não se esqueça do relatório do almoço hoje, sim?

– Como eu poderia? Até mais tarde, professor! – e saiu apressada, levando com dificuldades uma caixa cujo topo roçava no seu queixo.

Quando Freya fechou a porta atrás de si, um toc toc chamou a atenção de Walter na janela. A princípio ele ignorou o som, que veio a se repetir. O professor andou com seus passinhos curtos até a ela e abriu-a, olhando de um lado para o outro com espanto ao perceber que não havia nada ali. Será que finalmente estou ficando velho? Já era sem tempo. Uma tira de papel de pergaminho entrou de esgueira entre os braços do professor no parapeito da janela e deitou no tapete do chão. Walter olhou intrigado aquela tirinha, porque ela tinha dançado na sua frente antes de ir parar lá. Levantou as sobrancelhas e já ia fechando a janela, quando outra tirinha entrou rodopiando e deitou ao lado da primeira.

– Ah! – exclamou o velho, e colocou a cabeça de fora outra vez, só para então ser quase atropelado por uma torrente de tirinhas de papel de pergaminho que se gladiavam umas com as outras para entrar primeiro pela janela que ficou pequena para tanto papel.

– Mas que... pelos dragões de gelo! – praguejou encostado à cadeira do canto da parede enquanto dava espaço para aquele mar de papeis picados que invadiam a sua sala. Alguns se assentaram ao lado de outros, formando uma folha no chão com uma mensagem escrita, enquanto outros simplesmente grudaram em tudo que era canto.

– Ótimo! O rapaz da limpeza vai adorar isso. – falou reclamão. Andou até onde os papéis se amontoavam, ainda vibrando – deixem de algazarra, ou eu não consigo ler! – aprumou os óculos acima do nariz e chegou a dois palmos da folha no chão. Ela dizia:

Quando você receber esta mensagem,

Madeline devejá ter chegado há algum tempo.

Por favor, façam um bom trabalho com o L.

Para que possamos dar continuidade

Ao nosso trabalho de impedir D.

De destruir a vida de todos no reino.

Contamos com vocês.

Mandarei outra mensagem muito em breve

Desculpe os transtornos.

Arzan pelas mãos de Jargo.


– Oh, está desculpado, Arzan e Jargo! Mas Madeline não está aqui! – falou em voz alta como se tivesse acabado de perceber. Era isso que o incomodava. Não sabia quanto tempo Madeline levaria até mandar-lhe uma carta dizendo que já estava em Náutica e ele deveria busca-la, mas provavelmente já se passara tempo o suficiente para fazer isso. Um medo maior ainda se formou no professor quando ele lembrou que ela estava com o livro de Merlin.

...

– Ih, olha lá. Lá vem a tartaruga marinha! – falou um estudante de cabelo espetado no seu uniforme impecável da EAACA quando Walter apontou no fim do corredor de teto alto e paredes de mármore cor de salmão.

– Jake, já disse pra não chamar o professor Walter disso! – repreendeu-o Freya, e os outros dois que estavam com eles deram risadas. – Sério! – ela fechou a cara numa expressão séria para os amigos. Walter andava apressado, com sua bengala de madeira ecoando pelo corredor quando batia com ela no chão frio. O sol entrava pelos arcos como um farol.

– Professor – Freya se aproximou – aonde o senhor vai com tanta pressa? Não pode estar assim com tanto sono, e mesmo que estivesse, nunca o vi correr desse jeito.

– Preciso ir até Náutica, Freya. Imediatamente. Por favor, se eu não voltar até a nona carruagem no céu, cancele minhas aulas de hoje. – ordenou sem nem parar de andar.

– Mas professor... – só que ele já ia longe demais, e pelo olhar no rosto ela achou melhor não perguntar demais. Voltou para o grupinho de amigos.

– Deixa ele, Freya. Provavelmente só foi desovar por aí, ou pegar uma corrente marítima – brincou Jake, e os outros riram espalhafatosamente.


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Notas finais do capítulo

... =D (acho que isso foi um filler)



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