O Livro De Merlin escrita por Yuri Nascimento


Capítulo 14
Agora a coisa ficou séria




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/282390/chapter/14

Os dias tornaram-se insuportáveis para Luan. Desde quase matara os pais de preocupação, chegando em casa pouco depois da meia-noite, o menino não conhecia mais liberdade.

         Naquele dia, dois carros estavam parados em frente à sua casa. Um deles era dos pais de Ezequiel, o outro era do seu tio Henrique, irmão mais velho do pai, e a esposa Darlene, que conversavam recostados no veículo quando viram o garoto maltrapilho se aproximando na esquina. Darlene adiantou-se para um abraço afetuoso e cheio de preocupação, enquanto o tio bradava a chegada de Luan para os que estavam no primeiro andar. Até os vizinhos do andar de baixo e da casa da direita estavam lá em cima, e desceram correndo atrás dos pais. Lívia tinha os olhos vermelhos e inchados quando abraçou o filho e beijou os cabelos suados e cheios de graveto, afagando-os com as mãos trêmulas. Roberto repreendeu-o meio que a contragosto com um “onde você estava, Luan?”, não contendo a irritação com o filho, mas juntou-se ao abraço sem nem esperar resposta, a raiva era atenuada pelo reconforto de reencontrá-lo.

         Desde então, fora definitivamente proibido de colocar a cabeça para fora da janela sem permissão. Roberto levava Marina e ele à escola todos os dias de manhã, Lívia ia busca-los no horário do almoço. Saiu do Tae-kwon-do (e, diante da preocupação que causou e apesar da careta, não objetou), as aulas particulares agora aconteciam em casa e o desktop estava confiscado e só era permitido nos dias que tinha pesquisa a fazer e quando os pais estavam presentes à noite, monitorando cada tecla pressionada.

         As coisas só pioraram quando ele tentou explicar sobre as aranhas gigantes no bosque, os homens de lança e o casarão (achou melhor deixar de fora Madeline, as mulheres de vestido translúcido, o glitter fosforescente e o kamehameha). Agora outorgaram-lhe uma nova amiga: a psicóloga. Precisava encontrar a sorridente Sra. Sachs todo sábado de manhã (a princípio), uma mulher de meia idade com o cabelo curto de fios finos e loiros, preso acima da cabeça. Os olhos pétreos e irreais cinzentos assustavam Luan quando ela dava aquele riso insosso e afetado enquanto pousava a mão no seu ombro incentivando-o a passar pela porta da sala do consultório. Ela parecia uma atriz de filme americano, dos antigos.

         Com seu jaleco branco até os joelhos e uma prancheta sobre o antebraço direito, escrevia por dois minutos com a caneta nervosa sem prestar atenção às respostas de Luan sobre “Como foi sua semana?” ou “Está uma bela manhã, você gosta de praia?” ou “Bugue (seu cachorro, ela mencionava-o todas as sessões) está doente, você tem algum animal de estimação?”.

         Como o universo parecesse conspirar contra o garoto, Cássia e seu moreno do primeiro ano pareciam ter discutido, e ela sentara ao lado de Luan certo dia para distrair. Resultado: sentavam-se lado a lado todos os dias, e, até então, o garoto já recusara (não sem uma convulsão truculenta em seu âmago) chamados para ir à loja de roupas não longe da escola e ao cinema com mais quatro amigos de Cássia: dois colegas em comum da turma deles e um rapaz da sala do moreno do primeiro ano e sua namorada. A recusa fazia com que a musa dos seus sonhos o chamasse mais e mais vezes (talvez porque ele nunca pudesse ir mesmo), gerando uma tristeza brincalhona na garota e um palpitar feroz do seu pobre coração diante da crueldade do mundo.

         Fechando o pacote com chave de ouro, vinha Marina. Se alguém saiu ganhando e se deliciava da malcriação incorrida e (suposta) desordem psicológica do menino, era a irmã. Doce como nunca, qualquer passo fora da linha que Luan desse chegava aos ouvidos da mãe antes que seu pé tocasse o chão, sob o título de “eu só estou preocupada com você, Luan. Só isso”. Sua voz andava afável como nunca, seu comportamento era imaculado e, quando não era, só precisava desviar os holofotes para Luan com comentários inocentes como “nossa, Luan. Você fica assistindo esses filmes violentos o dia todo” (ele tinha acabado de passar por um canal sobre a guerra do Vietnam), ou “Luan, você não devia estar fazendo seu dever de casa ao invés de ler essas revistinhas de heróis o dia todo?” (assim que ele terminava as lições e ia ler HQs).

         Pirralha irritante! Eu ainda vou achar uma ferida sua e vou cutucar tanto que seu sangue vai sair todo por ela! Por que ninguém acredita em mim? Pensava emburrado, deitado na sua cama encarando o teto. Com um braço atrás da cabeça, observava a cortina da janela do quarto ondulando enquanto pensava no cheiro de Cássia e na voz empolgada dela enquanto conversava com ele, e contava coisas engraçadas, ria das suas bobagens, embora em um ponto ou outro citasse o carinha do primeiro ano. Quando o professor repreendia os dois pela conversa, trocavam olhares confidentes e passavam o resto da aula comunicando-se através de bilhetinhos.

         Sorriu delirante , preguiçosamente esparramado na cama. Darth entrou no quarto miando como um rei a cada quatro segundos desde a cozinha para anunciar sua entrada triunfal. Roçou no pé da cama e deu um pulo esperto para cima, indo acolchoar-se ao lado de Luan ainda miando. O garoto ajoelhou na cama e pegou o saquinho de ração na prateleira, fazendo o gato descer e olhar para ele miando ainda mais empolgado. Quase dava para ouvi-lo dizendo “quero comer, quero comer”.

         Luan encarou a tigela ainda pela metade no corredor da casa e olhou para o gato, que continuava olhando para ele mentalmente entoando seu mantra “quero comer”. A vasilha ainda tá pela metade, seu gato burro. O animal só se moveu quando Luan encheu de novo até a borda, e voltando ao quarto ouviu a voz de Marina gritando “Ezequiel tá aqui” lá da sala. Manda ele entrar, gritou em resposta, e poucos segundos depois o ruivo de cabelos espetados entrava pela porta do quatro sem cerimônias.

         – E aí, menino maluquinho!

         Luan arremessou uma bola de tênis que ficava em cima da cômoda do quarto acompanhada de um “vai se danar”. Ezequiel sentou-se pesadamente sobre a cama de Marina girando a bolinha na mão com um falso olhar avaliador, como se a bola fosse uma mercadoria que ele pretendia comprar e achava boa, mas só o suficiente. Encostou as costas na parede, averiguando a prateleira acima da cama de Luan para certificar-se de que não havia nenhuma novidade. Não havia.

         – E então, será que Alice vai me contar o que aconteceu de verdade ou vou ter que ficar com a versão absurda que eu ouvi dos meus pais?

         – Juro que coloco sua cabeça fora da janela e fecho no seu pescoço se não parar com as piadinhas.

         – Ui, acho que a psicóloga não tá funcionando. – provocou o amigo, caindo na gargalhada quando dois travesseiros voaram na sua direção.

         – Eu tô falando, foi verdade. E eu nem contei tudo, mas não vou contar. Você fica tirando onda agora, imagina depois que eu contar tudo. Só sei de uma coisa, e que isso morra aqui: eu vou voltar lá qualquer dia desses e vai ser incrível.

         – Tem certeza que você não tava só sonhando, cara? Sei lá, tirou um cochilo no banco do parque e achou que tava em Nárnia? – Luan coçou a cabeça vigorosamente agoniado com as piadinhas ao som da gargalhada de Ezequiel, que agora prometia que ia parar, pressionando a mão contra o abdômen. Quando finalmente conseguiu conter a crise de risos, o amigo pediu que ele contasse a história toda.

         – Então, estava eu indo pra sua casa quando decidi entrar no parque. Por que? Bom, era um atalho.

         – Não era, já começou mentindo. – interveio Ezequiel.

         – Tá bom, Ezequiel. Eu entrei no parque porque eu tive um sonho uns dias atrás, que encontrava uma menina no bosque aqui atrás de casa, na propriedade do parque. Só passei pelo parque por... Bom, eu queria ver o bosque pelo outro lado. Mas aí eu cheguei nessa parte escura e sinistra onde tinha um desenho nos tijolos no chão, uma área circular com uma cerca à direita e uma trilha depois da cerca.

         – A tal trilha das aranhas gigantes? – apesar de esperar um absurdo, Ezequiel estava bastante entretido com a narrativa.

         – Ainda não. Então, eu andei, e cheguei numa encruzilhada ou sei lá, com dez caminhos na minha frente, e uma placa de madeira num idioma oriental no meio.

         – Como você sabe que era oriental?

         – Sei lá, eu não conseguia ler.

         – Podia ser russo, árabe, grego...

         – Dane-se, eu não conseguia ler! Posso continuar? – Ezequiel fez uma careta enquanto balbuciava “tá bom, mas não se irrite” para o amigo.

         – Vá, vá!

         – Como eu estava dizendo, tinha a placa. Eu peguei um caminho à direita da placa, e fui parar numa mata escura e bizarra cheia de árvores com lodo preto grudado nas cascas e esqueletos de animais pelo chão. Foi aí que eu vi a aranha.

         – Grande? – perguntou Ezequiel, mas ele já sabia que era grande. Luan entendeu a pergunta implícita.

         – Enorme, cara. Do tamanho de uma máquina de lavar roupa. – exagerou.

         – Não creio! – respondeu o ruivo franzindo a testa.

         – Pois creia. Você faz essa cara agora, mas não imagina a minha cara na hora. Pensando bem, sou muito sortudo de ter saído vivo.

         – Você quer mesmo que eu acredite que existe uma aranha do tamanho de uma máquina de lavar roupas no nosso mundo? Aqui no bosque? – Perguntou reafirmando sua descrença, sublinhando “nosso” e “bosque” como uma gradativa demonstração de sua preocupação quanto à proximidade geográfica do monstro. E se ela saísse pra um passeio à noite, pensou.

         – Se vai acreditar ou não, não é problema meu. Eu sei o que vi. Se quiser que eu conte, eu conto, mas se não for acreditar eu paro por aqui – falou Luan dando de ombros com os braços cruzados, inflamando a curiosidade de Ezequiel.  Na verdade, a aventura era para ele motivo de orgulho, dado que ele tinha plena certeza de que aquilo realmente acontecera, por mais onírico que soasse. E ele sabia que, por mais absurdo que fosse, Ezequiel estava louco para saber mesmo assim.

         Marina irrompeu no quarto perguntando se ele ia querer mais purê de batata, ao que ele prontamente respondeu com um não áspero. A mensagem pareceu demorar um minuto inteiro para chegar aos ouvidos da irmã, daí ela girou nos calcanhares e fez a mesma pergunta, do mesmo jeito, para Ezequiel, que respondeu com um não, obrigado um bocado mais educado que o irmão dela. Marina olhou de volta para Luan, que fuzilava ela com o olhar, depois correu para o criado mudo entre as duas camas e abriu uma das gavetas, fazendo uma cara de interesse quase cinematográfica enquanto tamborilava com o indicador no queixo, parecendo procurar alguma coisa. Luan revirou os olhos enquanto Ezequiel abafou um sorriso.

         – Não precisam parar de conversar porque eu estou aqui, podem continuar. – anunciou casualmente a pequena cheia de sardas.

         Sabia!

         – Não, eu vou esperar você sair daqui, sua enxerida.

         – Luan, você tá muito agressivo. Mamãe disse que sua psicóloga falou que isso não é bom. – falou ela na tentativa de envergonhar o irmão diante do amigo, e Ezequiel precisou conter a risada com a mão fechada na frente da boca.

         – Falou nada, sua idiota. Agora sai daqui! – bradou, fazendo a irmã disparar do quarto. Marina gritou que ia ligar pra mãe quando já estava no corredor. – liga pro presidente também e conta tudo pra ele! Quer levar pra casa? – perguntou, voltando-se para Ezequiel.

         – Não, o que eu ia fazer com a sua irmã? Já tenho a minha.

         – Droga – Luan sorriu brejeiro – eu tava pensando em uma troca, a minha pela sua.

         Ezequiel arremessou de volta a almofada com força – Ok, menino maluquinho, pode voltar com a sua história fantástica.

         – Como eu ia dizendo, tinha a aranha gigante. Ela tava comendo um gato – E aqui Ezequiel fez uma careta de nojo, que Luan acompanhou quando uma lembrança mais nítida da cena veio à sua mente: aquelas patas grossas e cabeludas empurrando e puxando o gato como o pé de uma cadeira, as quelíceras babentas, uma subindo a outra descendo, e o som úmido e asqueroso que elas faziam. Ezequiel involuntariamente agarrou a almofada de Marina contra o colo, pensando em Luke tanto quando Darth veio à mente de Luan.

         – E então?

         – E então eu saí correndo, oras. Eu corri e cheguei na saída da trilha, onde tinha a placa, mas...

         – Mas o que?

         – Sabe aquela parte de Zelda que você entra no Bosque Perdido e você entra numa porta, dai entra em outra, e mais outra, e dai a próxima é a primeira porta de novo?

         Ezequiel ergueu a sobrancelha esquerda, olhando de soslaio com uma cara de pena como se ele tivesse perguntando “sabe quando se queima dinheiro?” ou “sabe quando os saguis falam com você durante a madrugada?” – Sei... o que é que tem o Bosque Perdido a ver com isso?

         – Então, quando eu voltei pelo mesmo caminho que tinha vindo, foi como se eu tivesse de volta por onde eu cheguei... Tá entendendo? – Luan fez uma careta como quem espera que ele entenda pra não ter que explicar de novo, mas sabendo que não entendeu.

         Ezequiel deixou o silencio se perpetrar mais um pouco antes de anuir em silêncio, no que Luan entendeu como um “sim”.

         – Dai eu entrei num caminho qualquer e não consegui sair do bosque. Foi ficando escuro, eu fui andando, e cheguei nesse lugar que tinha árvores cortadas fazendo círculo sem árvores no chão e umas velas sobre os tocos. Dai três caras com tatuagens ao redor dos olhos, umas lanças com pontas brilhantes e escudos me abordaram e simplesmente tentaram me matar!

         – Dai você virou super sayajin quatro e matou todos eles? – Ezequiel perguntou conclusivo, afastando os braços na horizontal como se faz quando se quer gestualizar uma aniquilação geral.

         – Tu não tá acreditando em mim, né?

         Ezequiel precisou gargalhar dessa. Claro que não! Ele continuou rindo enquanto Luan fechou a cara na cama da frente, visivelmente mais emburrado. Ficou irritado por algum tempo, comprimindo os lábios e contraindo o queixo em muxoxo.

         – Tudo bem. Vamos lá. – falou, saltando da cama.

         – Cara, você tá de castigo, e eu não tô afim de passear pelo parque hoje.

         – Vamos lá, você não tá acreditando em mim, eu vou te mostrar. – mas a verdade é que Luan não estava tão confiante de que conseguiria ir ao mundo desconhecido quanto queria demonstrar, e lembrava que voltar (vivo) fora um problema, mas não queria ser tachado de louco até pelo melhor amigo. – ou você tá com medo?

         Ezequiel fez uma cara de isso não vai funcionar, desiste. A ideia de um portal no meio do bosque, apesar de bastante imaginativa, era demais ridícula. E eles tinham 14 e 15 anos, idade suficiente para não acreditar mais nisso.

         – Tá bom, Luan. Não sou eu quem vai ter a pele descascada mesmo. Só não diga que eu não avisei.

         Luan pegou os sapatos All Star debaixo da cama e vestiu as meias que estavam dentro (já fedidas) às pressas, calçando os sapatos com o cadarço já amarrado. Mexeu no cabelo de frente pro espelho do guarda-roupas enquanto conferia a camiseta preta e a bermuda jeans surrada. Vamos lá!

         Quando pegou a chave para sair, a irmã levantou do chão da sala incrédula, tentando pará-lo de todas as formas possíveis (até ser empurrada para fora do caminho). Eu vou só até a padaria, falou o irmão, mas ela não se conformou e disse que ia falar tudo pra mãe deles, e que ele estava muito encrencado.

         Ao longo do caminho todo, Ezequiel tentou dissuadir Luan de ir passear no parque (porque, para ele, não existia esse portal misterioso). Pegaram sempre o caminho da direita e chegaram ao mosaico circular no chão que Luan dissera. De fato, havia uma cerca e uma trilha depois dela, que Ezequiel cruzou de má vontade. Agora que parava pra pensar a respeito, iria ele também se meter em problemas, mas inexplicavelmente sua vontade de parar agora estava diminuindo.

         – Até agora, nada de anormal. Sem aranhas, sem animais mortos, só a bela e natural mata de sempre. Cadê a tal placa?

         – Tá chegando – respondeu Luan, que não sabia era nada. Um medo repentino de não conseguir começou a tomar espaço na sua cabeça. Agora sim ele vai ter certeza que eu enlouqueci.

         Começava a ficar mais irritadiço à medida que o tempo passava, e depois de caminharem um bocado Ezequiel parou.

         – Eu não vou mais em frente, Luan. Não tem nada aqui. Vamos voltar.

         – Não, tem sim! – insistiu ele. Tem que ter.

         – A gente já tá andando há quase dez minutos, vamos voltar, cara.

         – Mais cinco minutos. Vamos lá, é só uma linha reta pra voltar!

         E ignorando seus instintos, Ezequiel foi. Não demorou nem três minutos, e finalmente chegaram ao caminho que se dividia em dez. Um sorriso se fez nos lábios de Luan, mas ele logo se desfez quando lembrou das aranhas. Deixou Ezequiel avaliar a placa primeiro, intrigado como um historiador.

         – É mesmo, não parece ser algum idioma que eu já tenha visto. Será nórdico?

         – Sei lá. – respondeu com receio, as mãos começando a suar. – bom, o caminho é esse (e apontou com o queixo para o caminho à direita da placa).

         Ezequiel olhou para ele dando um pouco mais de crédito agora, mas ainda desconfiado. Deu de ombros como que afirmando que o ônus da prova era de Luan, então ele deveria guiar o caminho, e foi o que ele fez.

         Andaram mais alguns minutos, e o panorama foi se modificando. De fato, a escuridão era mais pesada ali, como se um véu negro desbotado e rasgado caísse dos galhos das árvores atrapalhando a propagação da luz. A paisagem era de morte. Ezequiel começou a ficar assustado. Pensou que a história podia não ser verdade, e o amigo estava apenas querendo pregar uma peça pela sua descrença.

         – Tá bom, eu quero voltar.

         – Calma, estamos já chegando. – O coração de Luan batia forte de medo, olhando atento para o alto em busca do monstro de oito patas.

         – Não quero mais ir pra lugar nenhum, quero sair desse bosque escuro. Vamos embora.

         Mas não foi preciso ir mais longe. Luan estendeu o braço para trás, agarrando abruptamente a camisa de Ezequiel pelo peito e empurrando de volta. Quando o amigo finalmente olhou para onde Luan olhava estatelado, viu dezenas, centenas de aracnídeos nojentos e marrons que se dependuravam e faziam acrobacias em teias lá no alto das árvores, e eles tinham tamanho para facilmente envolver as cabeças deles com as patas.

         Correram como se não houvesse amanhã.

         Luan achou que estaria feliz por convencer o amigo de pelo menos parte da história, acreditando que ele acreditaria no resto depois. Mas não estava feliz, estava era borrado de medo, como da outra vez. O que eu tava pensando?

         Corriam olhando para trás freneticamente, como fugitivos correm da polícia nos filmes de ação. Numa dessas olhadas, quando finalmente chegaram no fim da trilha, Ezequiel esbarra num corpo esguio e tomba para frente, com Luan tropeçando no corpo dele e dando uma cambalhota durante a queda. As aranhas já não se viam mais.

         – O que diabos você tá fazendo aqui?! – Luan bradou, irado, quando viu a irmã alisando o ombro machucado na barroada.

         – Eu vim ver se tava tudo bem. Você não pode sair de casa, e não está bem! – falou a irmã olhando para os lados, ela mesma com medo de se perder. Não deixava de ser verdade, em parte.

         Ezequiel não reparou na pequena discussão familiar que se desenrolava ali sobre Marina estar ou não preocupada com o irmão mais velho, pois ele estava boquiaberto com o caminho de volta. Simplesmente, não havia caminho de volta.

         Os dez caminhos se estendiam na sua frente, exatamente como estavam quando eles vieram. Não faz sentido, como assim? Olhou para trás, para Luan que discutia alguma bobagem com Marina, mas o som entrava pela sua orelha e saia pela outra como se houvesse um cano conectando os dois lados com nada no meio do caminho.

         – Luan... – ele chamou como se tivesse acabado de acordar de um sono profundo. Só agora Luan reparou que estava acontecendo de novo. Oh, não!

         Ezequiel andou até ele, Marina olhou para trás e ficou completamente perdida.

         – O que é isso? – antes de saber a resposta, seu rosto já denunciava pânico.

         – É como um círculo... Talvez? – Sugeriu Ezequiel.

         – Como?      

         – A placa. – Ezequiel apontou – ela continua no mesmo lugar, à direita do caminho por onde viemos. Então o caminho de volta é – mas não chegou a concluir a frase. Marina escapou um grito agudo de pavor, e os dois olharam aturdidos para a velha conhecida de Luan, uma senhora aranha do tamanho de um cachorro!

         – Corre! – Luan gritou, agarrando a mão da irmã e empurrando o amigo. Na euforia do momento, cada um teve uma ideia diferente de por onde seguir. Marina soltou a mão do irmão, e ele achava que ela estava à sua frente. Luan tentou dar uma espiada para trás, mas quando olhou para frente de novo, Marina não estava mais lá.

         – Marina! – gritou ao ver a irmã correr por uma das trilhas laterais. Voltou para o ponto onde os caminhos se encontravam. Ali, de pé no centro da divisão, eles realmente pareciam um círculo. Mas para onde Marina e Ezequiel foram? As aranhas batiam contra a mesma parede invisível que da outra vez, guinchando e investindo. Luan foi acometido de um terror imenso. Minha irmã!

         Os outros não sabiam da barreira, e por isso correram no melhor que conseguiram para fugir das aranhas que agora acompanhavam a maior. Apesar de não ver por onde eles tinham se enveredado, Luan esperava que os outros caminhos fossem dar em algum lugar perto de casa. Pegou ele mesmo um dos caminhos que achava que ela tinha tomado, sentindo-se culpado por não poder ajudar Ezequiel. Meu Deus, o que foi que eu fiz?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse capítulo levou umas quatro horas seguidas pra ficar pronto. Seria lindo, se a inspiração não tivesse batido às 23h D:



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Livro De Merlin" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.