“O problema é que eu te amo
Não tenho dúvidas que com você daria certo
Juntos viveríamos por mil anos
por que o nosso mundo estaria completo”

Meu Mundo Ficaria Completo (Com Você)
Cássia Eller/Nando Reis

Terminamos de tomar nossos sorvetes e eu novamente desejei pagar, mas dessa vez Júlia conseguiu me convencer a fazer isso ela mesma.

Nós saímos da sorveteria e começamos a andar de volta para o parque, até que Júlia deu um sorriso enorme.

– André! – Ela praticamente gritou, correndo até o homem que também caminhava pela calçada. Ele sorriu e ela deu-lhe um abraço.

Diante daquela cena eu preferi ficar parada no mesmo lugar, um pouco distante deles.

– Ei, Ju! Tá linda hein? – Ele riu, dando-lhe um beijo no rosto. – Tudo bem?

– Obrigada, André! Você também tá. – Ela sorriu novamente, olhando para ele. – Eu tô bem sim, e você? O que anda fazendo por aqui?

Eu me sentia totalmente deslocada ali. E eu realmente estava.

Pensei em me afastar um pouco, dizer que havia esquecido qualquer coisa na sorveteria. E já estava quase fazendo isso.

– Eu tô ótimo. – André sorriu. – Estava passeando pelo parque. E você?

– Eu também! – Júlia deu outro sorriso. – Com uma amiga. Deixa eu te apresentar. – Ela disse e me chamou.

Caminhei com passos lentos até lá.

– Essa é a Mariana. – Ela me apresentou e eu dei um sorriso pequeno e um aceno com a mão. – E esse é o André. – Ela continuou.

– Muito prazer, Mariana. – Ele disse, estendendo a sua mão.

– O prazer é todo meu. – Eu respondi e apertei-a, tentando ao máximo transparecer uma simpatia que não existia.

Ouvi um toque bem parecido com o do iPhone e não me surpreendi ao ver o tal André tirar esse aparelho do bolso, atendendo-o.

– Bom, Ju, eu vou ter que ir agora. A Bia tá doida atrás de mim. – Ele falou depois de desligar. – Até outra hora, e tchau Mariana. – Ele olhou para mim e eu acenei levemente com a cabeça.

– Ok. Foi bom te encontrar, André. – Ela sorriu. – Até outra hora.

– Até. – Ele sorriu e Júlia abraçou-o novamente. Depois de se separarem, ele seguiu o seu caminho.

– O André fez o curso técnico comigo. – Júlia explicou-me, enquanto andávamos de volta ao parque. – Ele é super gente boa.

– Parece mesmo. – Respondi, sem o menor ânimo na voz.

– O que foi, Mari? – A garota ao meu lado me perguntou, parando e colocando-se á minha frente. – Tá tudo bem?

– Tá, ué. Por quê? – Perguntei.

– Sei lá. Você tá parecendo distante agora.

– Sério? Não é nada. – Dei de ombros.

– Tem certeza, Mari? – Ela perguntou.

– Absoluta, não precisa se preocupar. – Eu respondi.

Na verdade, era meio óbvio que tinha alguma coisa acontecendo. Mas eu não tinha coragem de admitir. Me soava ridículo dizer à Júlia que o meu mau-humor provinha de um ataque de ciúmes.

– Já que você diz... – Ela deu de ombros. O tom da sua voz era incrédulo.

– É sério, não precisa se preocupar. – Eu falei, o mais convincente possível.

– Ok. Mas não fica assim, tá bom? – Ela perguntou, olhando diretamente em meus olhos e tocando meu rosto com os dedos. – Eu não gosto de te ver triste.

E então, naquele momento, alguma coisa aconteceu. Seus dedos pareciam fazer um traço de puro fogo no meu rosto, por mais gentis e delicados que fossem. Eu não consegui resistir ao seu olhar quase infantil; um sorriso quase involuntário surgiu em meus lábios. Minha vontade naquele momento era dar-lhe um abraço e responder qualquer coisa como “é claro que sim, pequena”. Mas infelizmente eu não podia fazer isso.

Coloquei a minha mão sobre a sua; era o máximo que eu podia fazer no momento.

– Tá bom. – Respondi com um sorriso e o silêncio se instalou entre nós.

Júlia aproximou seu rosto do meu com lentidão. Era óbvio e previsível o que aconteceria depois; eu sentia seu hálito doce em meu rosto e ansiava por isso.

Nos aproximamos mais. Era questão de centímetros para que nossos lábios se tocassem. E então ela cobriu a distância e colou os lábios nos meus. 

Trocamos um selinho demorado, e logo depois um beijo de verdade. 

Quando terminou, eu estava atordoada. Ficamos nos olhando por alguns instantes, com a respiração pesada graças ao beijo demorado. 

 Dentro de mim, as sensações eram confusas. O sentimento do ataque de ciúmes que eu tivera ao vê-la abraçada com André se unia ao meu embaraço ao tê-la limpando a calda de sorvete da minha boca, e junto a isso vinham os sentimentos tumultuosos que me tomavam graças ao seu beijo incrivelmente bom. E, junto com tudo isso, havia medo. Medo de que depois desse beijo, alguma coisa mudasse na nossa relação. E por mais que eu desejasse isso, receava que as coisas mudassem para pior.

Mesmo com apenas duas semanas de amizade, o que eu mais temia era ter Júlia longe de mim.

– Mari? 

Mordi o lábio inferior. 

– Sim?

– Você tá bem?

– Sim. Tá tudo bem.

– Você já disse isso. 

Balancei a cabeça.

– Desculpa, Ju. Minha cabeça está uma bagunça.  

– Eu fiz mal em te beijar? – Ela me olhou.

– N-não! Claro que não. 

– Então o que foi? 

Mordi o lábio inferior com força e olhei para baixo. 

– E-eu gosto de você, Júlia. Eu gosto muito de você. 

– Eu também gosto de você, Mari. 

Meu coração estava disparado. As batidas eram tão fortes que pareciam quase doer, mas nenhuma resposta saiu da minha boca. 

– Eu sei que a gente se conhece faz pouco tempo. Mas eu gosto de você. Muito. Mais que como uma amiga. – Ela completou.

Inspirei e expirei.

– Eu também gosto de você. Mais que como uma amiga.

Ela sorriu. 

– Isso é bom. E você não precisa ficar nervosa, Mari. Isso foi só um beijo, não um pedido de casamento. A gente não precisa se casar amanhã. 

Sorri.

– Então... Você pode me beijar outra vez?

Ela sorriu e acariciou o meu rosto.

– É claro que sim.

E então nossos lábios se tocaram, com uma lentidão que não me era desagradável. Eu queria sentir cada mínimo detalhe de Júlia: seus lábios macios de encontro aos meus, seus dedos agarrando meus cabelos na nuca, suas unhas arranhando com leveza a pele do meu ombro...

Até que o ar começou a faltar e nós nos separamos lentamente, com sorrisos pequenos nos lábios.

– As pessoas estão olhando. – Júlia disse e eu olhei ao nosso redor.

Algumas pessoas nos lançavam olhares de estranhamento; outras, não satisfeitas em fazer isso, também apontavam e comentavam.

– Eu não me importo. – Dei de ombros. – Somos só duas pessoas que se gostam, não?

Ela riu.

– Acredito que isso não os agrada.

– E daí? – Dei um sorriso de canto. – Nós não fomos feitas para agradar ninguém.

Ela sorriu.

– É, com certeza não.

Não tinha mais o que dizermos. Então um terceiro beijo começou. Não tão lento como o primeiro – aquele era quase um teste –, mas tão bom quanto.

Ao nos separarmos, sorrimos novamente.

– O que acha de sairmos daqui? – Júlia perguntou.

– É uma boa ideia. Não dá pra gente ficar parada no meio da rua com meio mundo nos encarando.

Ela riu.

– Verdade.

Sua mão foi novamente em busca da minha, e assim que eu cedi, ela entrelaçou nossos dedos. E desse jeito, sem dizermos uma palavra a mais, começamos a caminhar de volta ao parque.