Missão 01 escrita por Zchan


Capítulo 1
Capítulo 1




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Pela terceira vez no dia, o barulho ensurdecedor encheu o ambiente, logo seguido pela fumaceira deixada pela nave que decolava. O garoto levou as mãos aos ouvidos, tampando-os para tentar amenizar a dor de cabeça que já sentia há horas. Quase imediatamente, levou um tapa no braço. Suspirando, baixou as mãos e encolheu os ombros, olhando de soslaio para o inspetor parado ao seu lado com uma expressão de quem passara o dia todo tentando fazer um bando de adolescentes deliquentes terem o mínimo de noção e se comportarem enquanto faziam a evacuação de emergência de uma base de Marte, o que era a verdade e explicava o motivo de ele estar tão mal humorado. Ninguém gostaria de ter que tomar conta dos garotos da Base 8, muito menos os da seção 6 e seria ainda pior se estivesse exatamente responsável pelos de 16 anos. Nesse momento, aquele homem poderia se considerar o mais azarado do planeta, mas nada disso importava para Mattew. O que importava para o garoto era que estava com dor de cabeça e o cara chato parado ao seu lado parecia querer descontar sua frustração nele.

A pior parte de estar ali, com certeza, era não ter absolutamente nada para fazer. Todos os objetos pessoais foram deixados para trás, estavam com a roupa do corpo e nada mais. Precisavam ficar ali parados, de pé, olhando as garotas, os idosos e as crianças irem primeiro. Eram seis naves. Eles iriam na quinta. As naves saíam de quatro em quatro horas. Já estavam há doze horas cansados, sujos, entediados e com fome. Não era só porque eram treinados para viver trabalhando pesado nas enormes naves cargueiras, que passavam meses sem parar em um único lugar habitado, onde a comida era extremamente racionada, que conseguiam ficar parados durante metade de um dia sem comer absolutamente nada e se sentirem bem o suficiente para não começar a resmungar a respeito de como um pedaço de frango ia ser ótimo.

Mattew já chegara no ponto da fome que começara a morder o próprio braço, mas resolveu parar quando conseguiu cortar a pele e sujar o moletom branco de sangue. Não tinha nada contra sangue, nem nada a favor do moletom, porém era a única coisa que tinha agora e não queria ela manchada. Lambeu os lábios, sentindo as feridas que se formavam por causa da desidratação. Sua boca estava seca e suas mãos estavam suadas. Se não bebesse água logo, era capaz de desmaiar ali. E nunca, em nenhuma hipótese, é uma boa ideia desmaiar no meio do aglomerado de garotos da seção 6 de qualquer base, muito menos da Base 8.

Tentou voltar a pensar no que estava ponderando a respeito antes da terceira nave sair, contudo não se lembrava mais. Era alguma coisa amarela, tinha certeza. Haviam milhões de coisas amarelas e ele estava pensando sobre uma delas. Ou talvez mais de uma delas e a suas semelhanças. Quem sabe então não era amarelo, mas sim um laranja claro, que uma pessoa distraída diz ser amarelo antes de olhar direito? Não, não era isso. A cor era amarelo. Se aquela coisa não fosse amarela, não podia ser laranja. Talvez azul. Azul era uma boa opção. Haviam menos coisas azuis do que amarelas ali e ele duvidava que estivesse pensando sobre algo vindo de outro lugar, já que ele estava ali e não em outro lugar. Continuou tentando seguir essa linha de raciocínio e quando viu já se passara meia hora. Decidiu então que não precisava lembrar o que estava pensando antes e poderia simplesmente começar a pensar sobre outra coisa, quem sabe até uma coisa verde.

Já ia começar a pensar sobre onde deveria procurar uma coisa verde para pensar a respeito quando sentiu uma cutucada nas costas. A cutucada o trouxe do mundo vazio e confortável de seus pensamentos para o mundo real onde estava de pé, no meio dos garotos de 16 anos da seção 6 da Base 8 de Marte, esperando mais uma nave ser lançada antes daquela que ele iria embarcar. Virou o rosto de lado para tentar enxergar quem estava atrás, o mais provável autor da cutucada. Conseguiu visualizar com dificuldade um garoto típico daquele grupo, o que não era nem remotamente mais interessante do que procurar uma coisa verde para pensar. Pensou em abrir a boca e perguntar o que o garoto queria, mas também pensou que talvez ele tivesse percebido o olhar e isso seria o suficiente. Resolveu escolher um meio termo, levantando as sobrancelhas para mostrar que estava com uma dúvida antes de virar para frente novamente.

Mal havia começado a mergulhar em pensamentos sobre o cheiro da fumaça que enchera o ambiente, se ele se parecia com o cheiro de alguma comida ou podia ser totalmente classificado como incômodo, quando recebeu outra cutucada. A segunda cutucada foi com mais força, bem entre suas costelas, uma cutucada feita para causar dor. Mattew abriu a boca para deixar escapar uma reclamação, porém pouco antes de deixar qualquer som sair concluiu que seus punhos falariam melhor que sua boca e se virou rapidamente acertando o rosto do garoto atrás de si com um soco.

A segunda coisa que pensou depois de acertar o garoto foi que o inspetor não ficaria nada feliz com isso. A terceira foi que o rosto do garoto era tão duro quanto sua mão e esta estava doendo agora. Tentou não pensar novamente a primeira, porém é claro que depois do choque vem a confirmação, então a primeira e quarta coisa que pensou logo após acertar o garoto foi que não estava na posição correta para desferir socos e estava miseravelmente caindo em cima de seu alvo. A quinta coisa que pensou foi que a resposta da questão 4 do teste que haviam feito dois dias antes era B e não C, como tinha marcado.

Totalmente arrasado pelo fato de que havia errado uma questão no teste, esqueceu-se que estava caindo até que o chão gentilmente o lembrou disso com uma amorosa batida bem em sua cara. Estranhamente, o resto de seu corpo não bateu diretamente no chão, e só aí foi se lembrar que caíra em cima daquele garoto e que ele provavelmente queria quebrar sua cara no momento. A partir daí decidiu parar de pensar tudo atrasado e prestar atenção no que acontecia para poder explicar para o garoto que ele não poderia quebrar sua cara já que o chão já fizera essa gentileza.

- Saia de cima de mim, Haworth. - Uma voz grossa falou ameaçadoramente, ao mesmo tempo que uma mão segurou o ombro de Mattew e o empurrou para cima de um modo tão ameaçador quando o tom de voz.

- O que vocês estão fazendo? - Outra voz grossa e ameaçadora resmungou, mas essa parecia ser de uma pessoa mais velha. A mão que puxou o outro ombro de Mattew, jogando-o para trás, também parecia mais velha e também mais forte. O garoto teve tempo apenas de deduzir de quem era cada voz antes de acertar a pessoa da fileira da frente, que estava virada para ver o que estava acontecendo e soltou um gemido de dor ao receber uma cabeçada no estômago.

Mattew não conseguia acreditar quantas coisas podiam dar errado por causa de uma cutucada.

- Fique de pé direito, Haworth! Tem pernas para quê mesmo? - A voz grossa e ameaçadora mais velha rugiu. Mattew endireitou a postura enquanto o inspetor mal humorado rugia com os outros, mandando-os virar para frente e não incomodar. Mantenha a postura e não incomode. Não fale. Não pisque. Mattew queria fazer o inspetor engolir a arma de choque que tinha presa no cinto, mas infelizmente ele era o mais franzino da turma. Além de não poder reclamar de nada, sempre era alvo de brincadeiras. Em compensação, sempre recebia uma porção de proteína a mais nas refeições, para tentar fazê-lo desenvolver corpo. Não adiantava muito, porém ele agradecia.

Algo lhe disse que a provocação não iria parar por ali. Minutos depois, outra cutucada confirmou isso. Mattew cerrou os punhos, se contendo. Não queria repetir os eventos, muito menos agora que o inspetor estava prestando ainda mais atenção nele do que antes. Mais uma cutucada. Mordeu o lábio inferior. Comida, pensou. Faz muito tempo que estamos aqui. Não me importo com cutucadas ou qualquer coisa, só quero um pouco de comida. Não adiantou muita coisa. Olhou para o chão, para os tênis brancos uniformizados que usava. Os seus estava meio cinzentos, um tanto quanto velhos. Crescera tão pouco naquele ano que mantivera os tênis do ano anterior. Agora pensava que talvez tivesse sido uma melhor ideia pegar os tênis ao invés daquele livro interessante que passara todas as noites lendo um pedaço para adiar seu fim. Poderia levar os tênis consigo, mas o livro ficaria ali na Base.

A pessoa ficou realmente animada pela falta de reação e, ao invés de cutucar, começou a passar o dedo por suas costas, acompanhando sua coluna. Mattew sentiu um arrepio percorrer o corpo, querendo muito virar e acertar outro murro na pessoa. Já estava quase se preparando para ficar na posição correta para desferir socos, assim não cairia novamente, quando ouviu um tapa e um resmungo de dor. Manteve-se parado, prestando atenção no que ouvia, e constatou que o instrutor estava mandando o outro parar de lhe incomodar. Não porque não queria que Mattew fosse incomodado, é claro, mas porque seu trabalho era supervisionar eles e não deixá-los fazer nada que achassem interessante. Isso incluía cutucar a pessoa que estava na fileira da frente.

A propósito, pensou Mattew, a pessoa que estava à sua frente era realmente alta e tinha ombros realmente largos. Isso realmente o incomodava, porque essa pessoa bloqueava a maior parte de sua visão e não o deixava encontrar um objeto verde para pensar a respeito. Só conseguia olhar para cima e lá só tinham objetos amarelos, laranjas e marrons. Ele queria algo verde. Ou roxo. Roxo também era uma boa cor para se pensar a respeito. Haviam realmente poucas coisas roxas por ali. Ver uma seria ótimo e pensar a respeito dela seria melhor ainda.

Pensou que queria ser uma garota e partir na terceira nave do dia.

Repensou, lembrando-se que se fosse uma garota nunca teria ganhado aquele livro.

Repensou outra vez, pensando que se fosse uma garota, não estaria tendo treinamentos tão árduos ao ponto de que a única coisa que tinha para se consolar era aquele livro.

Pensou em repensar mais uma vez, porém a verdade era que elas tinham recebido comida após seis horas de espera e eles estavam ali há doze horas sem uma gota de água. Não podia dizer pelos outros momentos, mas naquele momento específico, seria uma ótima ideia ser uma garota. Mesmo que tivesse perdido a terceira nave, iria pegar a quarta e partir na nave luxuosa dos militares de alta patente, junto com os seus seguranças, os guardas dos seguranças e os faxineiros. Porque, afinal, não existia um lugar luxuoso se não tivesse um monte de faxineiros nele.

Já ia começar a pensar em como iram tratá-lo naquela nave, se seria perigoso ou não, se iriam colocá-lo para dormir com os faxineiros, com os guardas ou com os seguranças, quando sua visão ficou completamente preta e Mattew desmaiou de inanição.


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Notas finais do capítulo

Tá aí... quem leu, por favor dê review ^ ^ leitores fantasmas não são exatamente os meus favoritos, nee... e isso foi uma ameaça.



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