Exceção escrita por Poteto


Capítulo 1
Muito heterossexual da sua parte


Notas iniciais do capítulo

Nomes usados:
Islândia - Emil Bondevik
Hong Kong - John Wang
Noruega - Lukas Bondevik
Dinamarca - Mathias Køhler
Eu me arrependo profundamente de ter escrito essa fic, mas vou publicar assim mesmo. Desculpem.



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Vamos deixar as coisas claras de uma vez por todas: Eu gosto de mulheres. Eu não sou gay. Eu-não-sou-ho-mos-se-xu-al. Não tenho o menor interesse em trocar saliva e nem qualquer outro fluído corporal com criaturas que tenham entre as pernas o mesmo que eu. Eu gosto de garotas. Meninas. Mulheres. Tchuchucas. Seja lá como você chamar os seres humanos do gênero feminino, é delas que eu gosto. Dos peitos e essas coisas. Peitos são uma coisa boa e eu gosto deles. Eu fui claro o suficiente?

Bom. Porque cada vez mais eu sinto que eu preciso fazer esse discurso para todas as pessoas que eu conheço - só que, é claro, ficaria um pouco mais complicado fazer amigos se a primeira coisa que eu dissesse a eles é que eu não sou gay.

Mas não pensem que eu sou homofóbico. Não sou. Não tenho nada contra a existência de gays no mundo. Por mim, eles podem ficar juntos, vestir camisetas de arco íris, adotar criancinhas e o diabo a quatro que quiserem. Eu não me importo mesmo. Não sei o que eles fazem pra passar o tempo, então eu não ligo. Desde que façam longe de mim.

O grande problema é que vezes demais que já fui... Bem... Atacado por gays. Chegou a um ponto em que eu me olhei no espelho e me perguntei se eu tinha cara de quem gosta de meninos. Quero dizer... Certo. Sou um garoto normal de 18 anos. Nasci na Islândia. Tenho cabelos loiros claros demais, olhos azuis, nariz reto, boca comum e um rosto comum no geral. Tudo bem que eu talvez seja um pouco magro, considerando a média dos homens do meu país. E que eu não tenha carteira de motorista, o que me torna um verdadeiro perdedor ante aos olhos da socieade. E que eu ainda more com o meu irmão mais velho, mesmo já tendo terminado a escola.

Mas, da ultima vez que eu chequei, nenhuma dessas características é outra forma de dizer "Gosto de pessoas do mesmo sexo".

O fato de eu não ter uma namorada desde o ensino médio talvez colabore um pouco. Mas, pô!, um cara tem o direito de se abster de sair com garotas por um tempo, certo? Digo... Se eu tivesse vontade de sair um pouco da internet e pegar umas gatinhas, eu conseguiria.

... Eu acho.

Não é que eu não seja atraente ou coisa do tipo. Não é querendo me achar e nem nada, mas aparecem pessoas interessadas em mim nas raras vezes em que eu deixo a segurança do meu quarto. O negócio é que essas pessoas interessadas são sempre caras. E não quaisquer caras... São caras altos, musculosos, todos com a maior cara de tiozão safado. Nesse caso, é compreensível entender porque eu evito deixar a segurança da minha casa, onde tem wi-fi de alta velocidade e comida grátis. Além do mais, tem as pessoas da internet. Na internet, as pessoas são legais e me compreendem.

E não tentam me agarrar.

E não são machos com cara de tiozão safado.

Ao menos eu acho que não. Por isso eu nunca marco encontros com pessoas da internet.

Mas o drama não é este. Ou melhor, é, mas não o ponto principal. A história é o seguinte: meus pais, um norueguês e uma islandesa, moravam juntos na Noruega com seu primeiro filho. Mudaram-se para a Islândia, onde me tiveram. Nós vivíamos bem até que, um belo dia, nós saímos de carro e... Bem, vocês podem imaginar. Eles morreram num acidente estúpido. E eu teria ido pelo mesmo caminho se, no ultimo instante, meu irmão mais velho Lukas não tivesse me puxado para o colo e me protegido.

Não, o fato de eu não ter carteira de motorista não tem nada a ver com isso. Não é como se fosse um trauma ou coisa parecida. Eu sou forte o suficiente para superar isso. Apenas me sinto desconfortável dirigindo veículos em geral.

Voltando à história: Apenas Lukas e eu sobrevivemos e, mesmo sendo bastante novo, ele deu um jeito de cuidar de nós dois. Vinha sendo apenas ele e eu nos ultimos anos. Lukas deixou se ser apenas meu irmão mais velho e tomou para si o papel de pai e mãe também, inclusive adquirindo a irritante mania de me pedir para chamá-lo de bródir. Embora fosse um saco, eu não me importava tanto. Eu estava até um pouco feliz, para falar a verdade. Enquanto eu estivesse em casa, tendo apenas a companhia quase silenciosa dele, eu podia ficar a vontade e esquecer que eu solto feromônios para tiozões tarados ao invés de seduzir garotas.

Até aquele maldito dia em que cheguei em casa e encontrei Lukas com uma expressão aborrecida e corada, sentado no sofá ao lado de um cara loiro e grande que segurava a sua mão. Ele estava corado, pelo martelo de Thor! Santa viadagem! Depois que eu congelei na entrada do apartamento dele, pálido e temeroso, ele me explicou - gaguejando e vez por outra lançando olhares mortais na direção do loiro, como se dissesse que ia matá-lo se ele tentasse falar - que aquele cara ali era seu novo namorado. O namorado em questão não parava de sorrir, como se mal pudesse acreditar que estava sendo apresentado à família do seu amado.

Meu irmão - meu próprio irmão! - era um deles! Perfídia!

Eu não soube como reagir. Apenas assenti brevemente e disse algo na linha de: "OK... Prazer em conhecê-lo, aahn... Mathias, certo? Mas eu tenho que ir agora, meus amigos estão me esperando para jogar Skyrim e essas coisas. Até mais." e fui me trancar no quarto.

Depois de alguma reflexão, eu pude me compadecer de Lukas. Quer dizer... Ele pode ter, tipo, 1,80 de altura, mas ainda assim tem os traços do rosto meio andróginos. Ele é meio parecido comigo, então, eu posso dizer sem homossexualidade incestuosa nenhuma, ele é um cara um pouco atraente. Eu imaginei que ele talvez também soltasse feromônios para tiozões e aquele dinamarquês, apesar de ter mais cara de idiota do que outra coisa, fosse um dos tiozões a atacá-lo.

Mas eu não podia perdoá-lo por dar permissão a ele para continuar com o ataque! Quer dizer, é um dinamarquês enorme! Um macho!

Com um pênis!

E o Lukas troca saliva com ele! Meu irmão pega um homem!

Agora que paro pra pensar, noto que, assim que eu fui me trancar no quarto, eles podem ter começado a se agarrar no sofá da sala.

Eca.

Mesmo agora, sentado na parada de ônibus e tentando roubar o wi-fi de alguém com o celular - e vendo os dois estúpidos sentados juntos no pátio do prédio - eu ainda estava aborrecido com a ideia. Quero dizer... Estava fazendo um frio digno da Era Glacial! Ainda assim, lá estavam os dois imbecis, enrolados em cachecóis de lã grossa, sentados olhando a neve cair. Vez por outra, Lukas simplesmente ignorava o dinamarquês. Em outras ocasiões, e eu não sabia que tipo de conversa causava isso, ele lhe dava um belo cascudo na cabeça. E o bocózão apenas ria - isso mesmo, ria! - como se nada no mundo o deixasse mais feliz do que apanhar de Lukas.

Além de gays, eles ainda têm tendências S&M.

Então, talvez por achar que ninguém estivesse olhando, eles dois se beijaram. Um beijo rápido, não mais que um selinho. Só que eu vi.

– ...alguém queime meus olhos. - implorei aos céus, desviando o olhar e sentindo que estava extremamente corado.

– Ooooh... Então esses dois estão juntos mesmo. - resmungou alguém num tom entre aborrecido e divertido, e senti o dono da voz apoiar-se nos meus ombros. - Aquele cara é o maior sacana, não é, irmãozinho?

Encaro o dito cujo. É o amigo romeno de Lukas e nosso vizinho de porta, um cara estranho com dentes pontudos cujo nome não faço ideia. Ele também não parece saber o meu, pois todas às vezes que aparece lá em casa - normalmente acompanhado de um inglês muito estranho de sobrancelhas assustadoras - ele se refere a mim como "o irmãozinho".

– O que? - pergunto em tom defensivo.

– Estou falando do Lukas, irmãozinho, do Lukas! - ele gesticulou na direção de Mathias e Lukas. Eu não tornei a olhar para lá. - Eu passo meses sendo cauteloso e preparando o terreno, piamente acreditando que o cara é hétero. Daí... Puff! Ele me aparece namorando um dinamarquês idiota! Se eu tivesse como saber, teria tomado uma atitude antes, você me entende?

– ... Desculpe... O que?!

– Mas você também não parece muito feliz com isso, irmãozinho. - ele continuou como se não tivesse me ouvido. - Com o novo namorado do seu irmão. Quer se vingar dele?

– Ahn...

– Pra onde você está indo, irmãozinho?

– Comprar Diablo III. - falei a verdade sem pensar.

– E o que é isso, um tipo de moto? Bom, deixe pra depois, irmãozinho. Eu achei uma boate muito legal onde vai rolar uma festa hoje à noite. Eu ia arrastar o seu irmão comigo, mas ele está muito ocupado com aquele cara de cabelo arrepiado, então... Vamos?

– Olha...

– Muito bom, irmãozinho!

E, quando eu dou por mim, estou sendo arrastado para dentro do carro do romeno, doravante chamado de Numa Numa, o Cullen psicopata e vida loka. Estou falando sério. O cara me agarrou pelos ombros, me atirou dentro do carro, fechou a porta, assumiu a direção e saiu em alta velocidade para só Deus sabe onde. Não bastasse uma vida inteira sendo assediado por gays, na única vez em que eu saio de casa pra comprar um jogo novo, eu sou sequestrado por um membro vida loka da família Cullen!

Certo, admito: eu podia ter protestado. Eu não sou uma pessoa completamente passiva, eu sou perfeitamente capaz de abrir a boca e dizer "Não! Numa Numa feio! Abre a porta e me deixa ir comprar o meu jogo ou eu vou chamar a polícia!". Mas eu não fiz nada disso. Por que, ó divindades do Wi-fi de alta velocidade, por que eu não fiz? Eu fui arrastado para a boate estranha.

Não é que eu não esteja acostumado com baladas... É só que... Eu nunca tinha ido a uma na minha vida. Não que eu fosse deixar alguém notar isso. Fingi que eu estava acostumado a lugares lotados com música alta e pessoas sentadas no bar, pessoas se contorcendo na pista de dança, luzes cegantes que davam epilepsia, pessoas estranhamente resistentes a epilepsia, pessoas se agarrando pelos cantos, pessoas correndo para o banheiro pra vomitar e... Pessoas. Pessoas demais. Eu odeio pessoas. Meu primeiro impulso, é claro, foi me enfiar debaixo do balcão do bar e ficar lá encolhido em posição fetal até que todo mundo fosse embora.

O Numa Numa me impediu disso, passando o braço pelos meus ombros e apontando para o alto. Lembrei do inglês das sobrancelhas que está sempre com ele e Lukas e imaginei que o Numa Numa havia ficado com toda a animação do grupo.

– Vamos, irmãozinho, está na hora de pegarmos algu... - ele interrompeu-se, toda a alegria em seu rosto transformando-se em pânico. - Caramba, irmãozinho! Se nós andarmos por aí juntos... Vão achar que nós somos um casal!

Eu olhei pra ele apenas. Incrédulo demais pra falar, eu olhei pra ele. Aparentemente, ele tomou meu silêncio como uma concordância, pois continuou:

– Faz o seguinte: eu vou por um lado e você vai pelo outro. Nós pegamos geral pra afogar as mágoas de perder o Luk e nos vemos depois pra contar como foi o resultado, beleza?! Beleza! Até depois, irmãozinho!

Numa Numa.... Nãããããããão!

Infelizmente, o meu grito desesperado jamais saiu. O Numa Numa se meteu no meio da confusão de pessoas dançando e eu fiquei parado na entrada da boate com a maior cara de bunda do mundo, fazendo força para não hiperventilar.

– Ei... Garoto... - disse uma voz anormalmente aguda.

Eu quase pulei de susto. Um negão enorme com músculos que superavam os do namorado esquisito do Lukas e expressão mal encarada havia brotado do meu lado. Levei algum tempo para notar que a voz aguda havia saído daquela muralha. Percebi que ele deveria ser algum tipo de segurança do local. Mãe, acho que acabei de conhecer o irmão perdido do Anderson Silva!

– S-sim?

– Você devia mesmo estar aqui? - Porque sua voz é tão fina, cara!? Alguém chutou o seu precioso?– É maior de idade?

– Eu tenho dezoito anos! - falei em tom de defesa e, devo dizer, minha voz parecia bem mais grave e sedutora perto da voz do grandão. Sem mais.

Ele me encarou de forma desconfiada e saiu me olhando torto. O fato dele achar que eu ainda sou menor de idade me irritou. Eu não sou tão pequeno assim... Meio ofendido, meio querendo fazer parecer que eu não estava surtando, eu saí andando na direção do bar. Deliberadamente ignorei o olhar do segurança nas minhas costas e andei com naturalidade até um dos bancos altos.

Ha, eu venho aqui o tempo todo, bitches, era o que eu queria demonstrar, Absolutamente não é a minha primeira vez numa boate.

Pelo amor de Deus, não percebam que esta é a minha primeira vez numa boate.

– Então... O que vai ser, meu kisa?

Outra vez, quase caguei nas calças de susto. Quem estava falando comigo então era o atendente do bar: um cara usando uma blusa sem mangas exageradamente colada, cabelos escuros e barba por fazer, músculos de quem não fica o dia inteiro na internet. Ele sorria simpaticamente pra mim e foi desta forma que eu notei que o "meu kisa" era eu. Fica frio, Emil. É só um jeito de falar. O cara só está fazendo o trabalho dele.

– Ahhhhhn...

– Que gracinha. - O cara riu - É a sua primeira vez aqui, kisa?

– Não! - Alto demais. Pigarreei e tentei de novo. - Apenas não sei ainda o que beber. O que... Er... O que você recomenda?

Ele riu outra vez, perfeitamente consciente de que eu nunca tinha feito nada parecido na minha vida só de olhar pra mim, mas não disse mais nada. Apenas afastou-se e começou a misturar coisas num liquidificador que estava ali. Alguns minutos depois, ele voltou com uma taça cheia de um líquido vermelho vibrante e decorada com morangos e uma cereja. Ele acrescentou um canudo e estendeu a taça pra mim.

– Um daiquiri de morango para o kisa. Por você ser bonitinho, é por conta da casa. - ele piscou.

Certo. Eu estava começando a ficar com medo.

– O-obrigado. - falei com hesitação, colocando o canudo na boca e começando a tomar a bebida.

– De nada, kisa. - ele curvou-se sobre o balcão e começou a enrolar uma mecha do meu cabelo no dedo. - Aliás, eu termino aqui à meia noite. Você me espera?

Engasguei com o daiquiri. Não apenas porque era um troço forte pra caralho e muito provavelmente alcoólico. O atendente, doravante chamado de tiozão tarado do bar tornou a rir, como se fosse a coisa mais bonitinha do mundo. Eu não sabia se estava mais aterrorizado ou puto.

– Com licença.

Levantei e saí andando, mesmo que não tivesse lugar nenhum pra andar. Eu fiquei consternado com o meu leque de opções, que não era muito grande: tinha o bar com o tiozão tarado, tinha a pista de dança com pessoas demais pra ser seguro e tinha... Tinha mais porra nenhuma, o que quer dizer que o Numa Numa escolheu uma boate realmente pobre. Ou todas as boates no mundo eram assim? Nos filmes, parece uma coisa mais legal. Só que ao contrário.

– Ei, loirinho, tá sozinho?

Por que eu?

– Não. - eu me ouvi dizendo - Eu estou com a minha namorada. Estou indo comprar bebida pra ela.

– Ah... - o tiozão tarado da vez pareceu meio surpreso. - Então você é mulher? Puxa... Você parece mesmo um homem. Bom, boa sorte com a sua namorada.

E se afastou. Em nome do Nyan Cat, mas que merda foi essa? Digo, é a segunda vez em menos de quinze minutos que eu fui assediado! Nunca os meus feromônios foram tão ruins assim! E eu também nunca tinha sido confundido com uma lésbica simplesmente por dar um fora num cara! Enquanto estava lá parado, avistei uma porta que pareceu ter sido enviada dos céus pra me salvar: O banheiro.

Corri pra lá sem me importar mais com o que poderia estar acontecendo. Felizmente, o lugar estava completamente vazio. Apoiei as mãos na pia e encarei meu reflexo no espelho, considerando o que eu podia fazer. Eu não tinha a menor ideia de em que canto da cidade ficava a boate, então pegar um ônibus seria problemático. Eu não tinha dinheiro para um táxi, apenas o cartão de crédito que Lukas me deu para emergências - sim, comprar Diablo III era uma emergência e tanto– e nem um tostão furado a mais. Até onde eu sei, os táxis desta cidade ainda não aceitam cartão. Eu não sabia dirigir, de modo que não podia fazer uma ligação direta no carro do Numa Numa. Eu também não sabia fazer uma ligação direta.

– Você está sozinho aí...?

Puta que pariu, até no banheiro!?

– Não! Eu estou com a minha namorada lésbica, merda! - gritei em alto e bom tom, impulsionado pelo estresse.

– Pfff! Você é a ultima pessoa que eu esperava encontrar aqui, Emil.

Virei-me, surpreso. Não era um tiozão tarado. Era um rapaz asiático que aparentava ter a minha idade. Ele tinha cabelos escuros e lisos, olhos castanhos bem claros e usava roupas vermelhas tipicamente chinesas. Era extremamente familiar, mas era um rosto que eu não via desde o fim do ensino médio. Era o rosto do meu antigo melhor amigo, John Wang.

– John?

– Olá, Emil. Onde está sua namorada lésbica? - ele riu, divertido.

– Haha, muito engraçado. - bufei e cruzei os braços. - Você também estaria meio desesperado no meu lugar. Dois tiozões deram em cima de mim. Dois! E eu não estou aqui nem a cinco minutos.

– Bom, o que você esperava? Você está numa boate GLS.

GLS, ele havia dito? Por um momento, fiquei parado, inexpressivo, tentando lembrar do significado da sigla. GLS... Lembrei das referências do Numa Numa a respeito de ter interesses libidinosos no meu irmão. Eu achava que eram apenas piada, mas agora que paro pra pensar....

O Cullen Vida Loka me levou pra uma boate de gays, lésbicas e simpatizantes.

– ... Existe alguma chance de eu poder pendurar uma plaquinha de "Simpatizante Hétero" no meu pescoço?

– Eu devia ter imaginado - John tornou a rir. - Você não viria pra cá de propósito. Vai embora?

– Não posso, eu... Ei, espere. Se você sabe que aqui é um lugar de homos, o que faz aqui?

John me lançou um olhar condescendente. Eu senti meu mundinho feliz - certo, nem tão feliz assim - derretendo sob meus pés. John Wang tinha sido meu melhor amigo - o melhor mesmo! - durante toda a minha idade escolar. Ele conseguia ser mais próximo de mim do que o próprio Lukas. Eu havia confiado nele mais do que qualquer outro ser humano que eu conhecesse pessoalmente e, admito, eu fiquei meio arrasado quando perdi o contato com ele depois da formatura. Eu sentira saudade dele, droga! E agora eu descobria que o cara com quem eu me dava tão bem... Queimava a rosca?

– Emil? - ele ficou repentinamente inexpressivo, muito sério. - Eu ainda sou a mesma pessoa, certo? Faz tanta diferença assim com quem eu fico?

Faz, sim, seria a resposta sincera por motivos que eu não consigo explicar. Ao invés de dizer isso, apenas sacudi a cabeça e entrei num dos cubículos o mais rápido que pude. De repente, tudo era demais pra mim. Baixei a tampa da privada e sentei ali, percebendo que eu teria que recorrer a uma medida de emergência que eu jamais recorreria se não fosse uma verdadeira emergência: ligar para Lukas e pedir que ele viesse me buscar.

Certo, eu teria que aguentar algumas horas de sermão por isso, mesmo sendo maior de idade e essas coisas. Só porque ele é nove anos mais velho. De todo modo, eu poderia simplesmente colocar a culpa no Numa Numa e assistir Lukas esfolá-lo vivo com estacas e alho da próxima vez que o encontrasse. Meu irmão não atendeu de imediato, algo que eu estranhei. Normalmente, ele odeia o celular, mas sempre atende quando eu ligo. E eu só liguei pra ele umas cinco vezes a vida inteira.

– Ahn... Emil? - a voz profunda de Lukas me saudou, o tom surpreso.

– Ah... Ei, Lukas. - mexi-me, desconfortável e hesitante. - Está ocupado?

– Hm? Não, eu... - ele soltou um bufo estranho, ouvi algum barulho ao fundo, mas logo Lukas voltou a falar. - Algum problema?

Eu estava considerando como contar qual era o problema, mas algo na ligação me fez prestar atenção: o ruído estranho ao fundo, um tipo de respiração pesada que não pertencia a Lukas. Franzi a testa por um instante.

– Ei... Que barulho é esse?

Imediatamente, ouvi distintamente um punho acertando carne, seguido de um gemido de dor assustadoramente familiar.

– Barulho? Não estou ouvindo nada.

Tarde demais, notei que eu havia interrompido a sessão de amassos do meu irmão. Minha mante foi tomada pela nauseante imagem de Lukas e Mathias enroscados no sofá da minha casa, o primeiro tentando falar ao telefone comigo enquanto o segundo continua a agarrá-lo e beijar seu pescoço, perto o suficiente do telefone para que eu possa ouví-lo. Digamos que eu tenho imaginação fértil.

– .... Liguei pra avisar que eu não vou dormir em casa.

– Você... O que?!

O ruído de uma porrada maior. Imaginei que Lukas tinha derrubado Mathias do sofá. Agora aproveite e caia também, seu pervertido do inferno. ... Mas não em cima dele, por favor, parem com essa pouca vergonha na minha casa.

– Pois é, estou indo dormir na casa de um amigo. Te vejo amanhã, acho. Tchau.

Desliguei antes que ele pudesse dizer outra coisa. Não sei direito porque eu menti. Apenas não queria voltar pra casa sabendo que Lukas tinha transformado meu sofá (100% suposição) numa cama de motel. Agora que paro para refletir, teria sido mais inteligente dar o maior corte e pedir para ele vir me buscar assim mesmo: eu daria um basta no hinga dinga durgen dos dois, além de poder me trancar no meu quarto pelo resto da noite e ficar na internet até esquecer da existência dos homossexuais no mundo.

Só que agora Mathias e Lukas tinham a casa inteira só pra eles a noite inteira. Enquanto saía do cubículo, decidi que no dia seguinte eu precisava limpar a casa com ácido, além de chamar um padre para purificar o local.

– Poxa, Emil, você já avisou ao seu irmão que vai dormir na minha casa e nem me pagou uma bebida antes?

Um grito afeminado de susto quase emergiu das profundezas do meu ser, mas eu o sufoquei a tempo. O asiático infeliz ainda estava ali esperando com o corpo encostado na pia e os braços cruzados.

– Você estava ouvindo? - perguntei em tom indignado. - É uma coisa de gay ouvir a conversa alheia?

Os olhos dele se estreitaram.

– Sério mesmo, Emil?

Ele ainda estava inexpressivo, mas algo no tom dele me fez parar e olhá-lo. Não sabia se era impressão minha proque o sorriso brincalhão havia desaparecido, mas tive a sensação de que... Bem... Eu o havia magoado. O que era um absurdo, claro.

– Desculpe. Isso foi rude. Eu só estou... Um pouco estressado. - tentei me justificar, mas minhas palavras apenas o fizeram parecer mais irritado.

– Também não gosto desse tom cauteloso. - ele disse - Então, às vezes eu saio com caras. Qual é o problema, afinal? Eu já tinha esse tipo de preferência durante o ensino médio e você era meu amigo. Isso vai mudar só porque você descobriu?

– Eu só fiquei surpreso, ok? Você nunca me contou, então eu não tinha o direito de me surpreender?

– Eu não contei porque sabia que você reagiria assim! E eu não queria... - ele interrompeu-se - ... Bem, eu sabia como você reagiria.

– Deixa de ser viado! - bufei, então percebi o que tinha dito. - Quer dizer... Fresco. Quer dizer... Ah, droga, John, eu não teria me importado, certo? Foi por isso que você se afastou de mim quando a escola acabou? Eu senti sua falta, merda, você podia ao menos ter mantido meu MSN!

Ele me olhou, meio pasmo a princípio, e eu, me sentindo um tanto idiota por ter admitido aquilo em voz alta desviei o olhar. Para a minha surpresa, senti-o pegar a minha mão e começar a me puxar para fora do banheiro.

– Mas que...

– Esquece. - ele falou, atravessando a boate a passos rápidos. - Aqui não é lugar pra você. Vou te levar pra casa.

– Eu não posso ir pra casa! Lukas transformou o local num antro de perdição, deve estar trocando saliva com aquele dinamarquês estúpido enquanto falamos. - Nós já estávamos no estacionamento.

– É mesmo? - John riu. - Você pode dormir mesmo na minha casa, então. Eu moro sozinho num apartamento agora. Claro, nessas condições você pode perfeitamente dormir no sofá da sala, se ficar no mesmo quarto que eu foi um incômodo.

– Ei, ei... - puxei a minha mão quando nós paramos na frente de um carro vermelho meio acabado. - Qual é? Encontro você depois de quase um ano e tudo o que você tem a sugerir é que eu vou sentir minha virgindade ameaçada se dormir no mesmo quarto que você?

Ele me olhou de forma tolerante outra vez como se dissesse "Pobre islandês inocente... O que eu devo fazer com esta criança?", o que me irritou um pouco.

– Emil. Queria deixar uma coisa clara: estou te tirando de lá - ele indicou a boate com a cabeça - porque sei o quanto você devia estar desconfortável e porque não quero que você seja atacado. E estou oferecendo a minha casa porque me preocupo com você. Mas vou mentir se disser que nunca pensei em você de forma libidinosa.

Ok, tempo. Para o movimento de translação que eu quero descer da Terra. Ele acabou de dizer libidinosa? Meu coração parou em algum ponto, o que, de alguma forma obscura, fez com que meu estômago se enchesse de chumbo.

– Eu me afastei de você por causa da minha preferência por homens, sim, mas um homem em particular. Você. - ele prosseguiu, ignorando por completo meu estado de choque. - E eu sei que você não está bem com isso, ok? Eu precisava que você soubesse disso. Se não quer ir comigo, tudo bem, mas devo lembrar a você que ainda sou o mesmo cara de sempre. Eu gosto de você há muito tempo, então nada mudou realmente. Eu não sou nenhum tipo de estuprador, você sabe, então você não precisa temer pela sua virgindade e nem nada se for pra minha casa. Mas... Você pode simplesmente deixar pra lá e fingir que o encontro de hoje nunca aconteceu.

Ele estava decidindo as coisas por mim. E não existe nada que eu odeie mais que decidirem o que eu devo fazer sem me consultar. Odeio quando me chamam de previsível. Odeio quando olham para mim como se eu fosse apenas uma criança boba. E principalmente odeio quando idiotas como John ficam tomando decisões que muito dizem respeito a minha pessoa baseando-se nas próprias ideias deturpadas a respeito do que eu penso e sem se dar ao trabalho de checar o que eu quero. Recuei um passo e, tanto para a surpresa dele quanto para minha, ergui o punho e acertei um soco muito bem dado em seu rosto.

Ele caiu.

Certo, eu fiquei me sentindo um pouco culpado ao vê-lo caído no chão com a mão na bochecha atingida.

Mas a maior parte de mim estava tipo: "Ah, cara, eu acertei um soco tão forte que ele caiu! Essa é a primeira vez que eu soco alguém! Eu sou tão foda! Se tudo der errado, eu posso virar lutador de luta livre! HAHAHA EU SOU DEMAIS!"

– Porra, Emil! O que diabos?!

Reprimindo meu eu interior orgulhoso de mim mesmo e mais ainda o meu eu interior culpado, eu andei até ele a passos firmes e agarrei o colarinho da camisa, fazendo com que ele se erguesse, surpreso. Reprimindo ainda mais veementemente o eu que estava todo tipo "Cara-eu-sou-tão-forte-e-foda-que-o-irmão-perdido-do-Anderson-Silva-que-me-aguarde", ainda puxando John pelo colarinho, eu o puxei para um beijo.

É, isso que vocês leram.

Emil, o futuro campeão mundial de MMA, agarrou um honconguês pela frente da camisa e chapou um beijo na boca dele. Ele pareceu estar congelado de assombro a princípio, mas não demorou muito para que eu sentisse suas mãos em meu rosto, puxando-me para mais perto, explorando a minha boca com bastante sede.

Eu estaria mentindo se dissesse que eu não gostei. Tanto que só me afastei dele porque eu simplesmente estava morrendo sem fôlego.

– Eu... - ofeguei, respirando com dificuldade. - ... não sou bicha... Tá sabendo?

– É... - ele também arquejava, tentando recuperar o ar. - Foi muito heterossexual da sua parte... Enfiar a língua na minha boca...

– Estou indo pra sua casa... Quer você queira ou não... E te mato se você tentar fazer algo estranho...

– Heh! - ele sorriu - Eu não farei nada que você não queira. Apenas... Farei você querer.

Retribuí o sorriso. Eu me sinto ridículo por isso, afinal eu realmente não sou gay. Eu tenho total convicção da minha preferência por mulheres. Peitos e essas coisas. Mas havia algo na forma como John tornou a selar os lábios nos meus rapidamente... Algo no cheiro que eu sentia vindo dele, de perfume e flor de lótus.... Algo na forma como ele segurou a minha mão ao entrar no carro. Estou falando sério quando eu digo que eu sou hétero. Mas talvez eu abra uma exceção pra ele.

Uma exceção bem grande.


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Notas finais do capítulo

HAHAHAAHAHAHAA eu não acredito que eu estou publicando isso. Estou falando sério. Espero que você não tenha lido até aqui esperando qualidade... De todo modo, eu estou grata a qualquer um que tenha lido tanto. Desculpem por fazê-los perder seu tempo.