2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 65
A beira da loucura




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No capítulo anterior, DC resolveu chantagear Mônica caso ela não cedesse ao que ele queria. E também começou a destruição global.

Se não fosse sua grande prática em lidar com pessoas perturbadas ou em delírio, Licurgo não teria conseguido entender nada do que Carmen dizia. Ela falava frases desconexas, alternando seu relato de como conheceu D. Morte e as cenas de destruição que ela via ao vivo. Foi preciso que ele prestasse muita atenção para poder juntar as peças e finalmente entender o que estava acontecendo com aquela jovem .

Ela estava sentada em uma cadeira e não parava de chorar por causa das cenas que a todo instante se passava no olho da sua mente. Em alguns momentos, ela tinha algum descanso só para tudo começar outra vez.

– Os prédios estão caindo, as ruas estão se desmanchando! Ah, não! um buraco enorme abriu e as pessoas foram engolidas por ele!
– Tente se acalmar, respira fundo e lute contra essas imagens. Quando começar a aparecer algo, imagine tudo desaparecendo e ficando escuro. Isso deve ajudar.

Concentração não era o forte de Carmen por causa da sua mente indisciplinada. Foi preciso que Licurgo repetisse as instruções várias vezes até conseguir algum resultado e ele teve que dar a ela um dos seus calmantes para ajudá-la a se concentrar. O calmante não era muito forte e ele tomou o cuidado de só lhe dar meio comprimido.

Cerca de trinta minutos depois, o remédio começou a fazer efeito e Carmen não chorava tanto, embora alguns flashes de vez em quando surgissem em sua mente.

– Você se sente melhor?
– Pelo menos não vejo mais essas coisas, mas sei que está acontecendo no mundo todo! O número de mortos é alto demais! Nunca vi morrer tanta gente!
– E você sabe o número exato?
– Sei. Até agora já passou de três milhões!
– Isso tudo só hoje?
– E está aumentando!

Ele coçou o queixo enquanto tentava entender aquilo direito. Somente alguém como D. Morte saberia dizer o número exato de mortos. Há anos atrás ele tinha ouvido falar vagamente sobre o que acontecia quando alguém tomava o sangue da morte, que na verdade era apenas ectoplasma. Uns falavam que a pessoa passava a ver coisas do outro mundo, a sensibilidade aumentava. Outros diziam que viam as mortes pelo globo e ainda tinha aqueles capazes de saber quando a hora de alguém chegava.

Tudo era relatado sob uma névoa de mistério e delírio, já que essas pessoas estavam internadas no manicômio tidas como loucas. Ele próprio não sabia quase nada e não entendia porque Carmen tinha sido levada a tomar o ectoplasma da morte.

– Ai, eu tô esquisita...
– É o efeito do remédio. Sei que é meio desagradável, mas vai te dar algum alívio por enquanto. Você ainda vê alguma coisa?
– Vejo, só que bem menos.
– É assim mesmo, não tem como tirar o efeito disso.
– Será que eu vou ficar assim pra sempre?

O professor abaixou a cabeça e respondeu.

– Isso eu não sei dizer. Por que não vai descansar um pouco? Dormir pode te fazer bem. Vou pedir suas amigas pra te ajudar.

Do lado de fora, a turma esperava por Carmen e Licurgo pode ver que todos estavam apavorados e muitos choravam. Magali estava em prantos nos braços do namorado. Mônica se adiantou.

– Ai, professor! Você não vai acreditar! Eles mostraram na TV a destruição lá na nossa cidade, tá horrível! Eu nem reconheci nada!
– Acho que o nosso bairro já era! – Cebola falou também abalado.
(Cascão) – E nossas casas...
– Foram destruídas, todas. – Carmen falou cambaleando um pouco sob o efeito do remédio. – e a escola, o parquinho, o shopping...

Ao ver que todos começaram a chorar desesperados, Licurgo pediu a Mônica que levasse Carmen até o quarto onde ela dormia junto com Tonico, Cotinha e Fabinho. Aquele falatório por parte dela não estava ajudando em nada.

– Vem, Carmen... você tem que descansar... e pára de falar isso, que coisa! – Mônica pediu enquanto levava a amiga sendo ajudada pela Marina.
– Tenha paciência, Mônica. Ela não consegue controlar. – Licurgo esclareceu.

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Foi com muita dificudade que o avião conseguiu decolar e voar para longe. A destruição tinha sido imensa, alem da imaginçação de qualquer ser humano. Tudo ali foi devastado e através das pequenas janelas do avião, os passgeiros puderam ver o continente se despedaçando e imensos blocos de terra afundando no mar.

D. Morte apenas olhava o avião da família de Jackson se afastando, feliz por eles terem conseguidos. Era impressionante ver como alguns humanos eram capazes de escapar das piores situações e sobreviver. Mesmo sabendo que nem todos daquela família iam conseguir, ela ainda tinha fé de que tudo ia dar certo para eles no fim.

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Se eles tivessem esperado só mais alguns minutos, o chão teria se desfeito sob a nave, impedindo sua fuga. Tikara se esforçava para manter a nave estável e torcendo para que ela suportasse todo o peso extra. Não só sua família estava ali como também a de Keika e também a dos outros membros da equipe.

Ângelo seguia a nave de perto, atento a qualquer incidente que pudesse comprometer a viagem. Olhando para trás, ele viu o Japão sendo totalmente destruído. Aquele país tão pequeno não foi capaz de suportar um terremoto que tinha passado de dez na escala Richter. Da última vez que ele verificou, a população japonesa já ultrapassava os cento e vinte e sete milhões. Talvez alguns conseguissem fugir dali, o que era difícil. Os que não fossem pegos pelos terremotos, iam sucumbir aos tsunamis. Tirando um ou outro muito sortudo, o resto não ia conseguir escapar.

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Cascuda não podia acreditar no que via na televisão instalada no abrigo. Era com muito custo que Franja conseguia manter o aparelho funcionando para captar alguma coisa do mundo exterior. O fornecimento de energia estava com os dias contados e ele tinha providenciado painéis solares para manter os equipamentos. Mas de que adiantava ter energia elétrica se dentro de pouco tempo não haveria nenhuma emissora para transmitir nada? Ela não sabia se ia conseguir passar meses e talvez anos tão isolada do resto da humanidade.

No meio das pessoas que assistiam tudo em choque, ela viu Cascão com os olhos vidrados na tela e resolveu se aconchegar a ele. Talvez, no meio de toda aquela tragédia, ele resolvesse fazer as pazes. Afinal, um precisava do apoio do outro. Pensando nisso, ela sentou-se do lado dele e apoiou a cabeça em seu ombro.

– Isso é tão horrível! Nunca pensei que ia ser assim! – ela falou tentando puxar assunto. Ele colocou um braço ao redor do ombro dela e respondeu.
– Nem eu. Isso tá sinistro demais!

Apesar de tudo, ela sorriu aliviada por não ter sido repelida pelo rapaz e ficou ali em silêncio junto com ele. Se as coisas dessem certo, talvez ela resolvesse pedir desculpas para os amigos dele, embora fosse mais para ficar bem com o namorado do que achar que realmente devia algo para eles.

Perto dali, Raquel observava Magali abraçada ao Quim tentando controlar a vontade de dar uns tapas na cara daquela garotinha chata e mimada. Apesar das suas tentativas, Quim não a deixava ultrapassar os limites da amizade. E ele ainda continuava dando para ela os restos de comida que alimentava seus gatos. Se fosse qualquer outra pessoa, talvez aquilo nem incomodasse tanto, mas ela ficava com raiva de vê-lo fazendo as vontades daquela garota sem questionar. Por que ela nunca teve a sorte de conseguir um namorado assim?

Do lado de fora, Mônica passeava com o Cebola para ver se eles conseguiam esquecer um pouco toda aquela calamidade.

– Puxa, fiquei morrendo de pena daquelas pessoas, Cê!
– Eu também... e será que a Carmen tava mesmo falando a verdade sobre o nosso bairro?
– Aí eu não sei, mas na TV eles mostraram nossa cidade toda destruída, então nosso bairro deve estar destruído também. Só de pensar dá vontade de chorar, viu?
– Nem me fale! – ele sentia um nó na garganta ao imaginar cada lugar daquele bairro sendo destruído. O campinho, onde todos brincavam. A escola, sua casa e até o clubinho dos meninos que apesar de não ser mais usado, ainda estava de pé embora corroído pelo tempo. Tudo foi destruído e ele pensava em como seria possível reconstruir e refazer a civilização.

Quando ela olhou para o lado, viu DC observando os dois atrás de uma arvore. Ele fazia uma cara de quem exigia algo, certamente esperando que ela cedesse a sua chantagem ou suportasse as conseqüências. Aquilo era enlouquecedor. Ela esperava que devido a tudo o que estava acontecendo, o DC parasse de lhe atormentar. Mas pelo visto a cabeça dele não funcionava como a de todo mundo e mais cedo ou mais tarde ele ia procurá-la exigindo sua resposta.

Mônica pensou em tudo, até em dar uma bela surra nele. Nada parecia funcionar e várias vezes ela pensou que talvez fosse melhor contar tudo e torcer para ele fosse compreensivo. Ou não? Ela não sabia.

“Ai, porcaria! Acho que vou ter que pedir ajuda pras meninas, senão meu namoro tá perdido! De repente elas me ajudam a pensar em algo!”

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– Toma mais um chazinho, fia! Ocê tá muito nervosa! – Cotinha falou lhe dando uma caneca de chá de camomila.
– Se essas coisas parassem de aparecer na minha cabeça seria bem mais fácil!
– Isso é muito triste! Eu vi na televisão a disgraceira qui tá pelo mundo afora.
– E isso não é nem a metade do que tá acontecendo de verdade porque não dá pra mostrar tudo.

Cotinha se benzeu mais uma vez, não querendo nem pensar no que estava acontecendo em outros lugares. Ela só podia agradecer por ter conseguido encontrar um lugar seguro. No entanto, uma coisa a preocupava. Depois de alguns dias, Fabinho começou a perguntar pelos seus pais e tios e ela não sabia o que responder. Como explicar a um menino de cinco anos que praticamente toda sua família tinha morrido? Ela não sabia o que falar para ele e receava deixar o coitadinho traumatizado.

“Ave Maria! Ele bem qui pudia isquecê! Isso resorve tudo!” ela pensava torcendo para que com o tempo Fabinho se acostumasse. Assim ele seria definitivamente seu filho. Por que não? Carmen era boa pessoa, mas sozinha não ia ter condições de cuidar dele. Aquela criança precisava de uma mãe e de um pai. E depois de ter perdido dois filhos, ela se agarrava a ele como um consolo que não a deixava afundar na depressão.

– Deus do céu! – Carmen gritou e saiu dali correndo antes que ela pudesse segurar a moça que correu pelos corredores até bater no quarto do Licurgo.
– Minha nossa, o que foi?
– Eu estou vendo! Estou vendo um lugar que... tem um vulcão! Um vulcão vai sair da terra, parece enorme!

Ele fechou os olhos, deu um triste suspiro e imediatamente pensou no seu primo Charlie.

– Essa não...


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