2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 53
Dor e mais dor




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No capítulo anterior, Chico Bento conheceu Carmen de um jeito bem estranho. E após finalmente alugarem os carros, as quatro famílias seguiram para o aeroporto de Uberlândia.

– Pássaro em inglês.
– Hum... deixa eu ver... é bird?
– Acho que é, Antenor. Cabe aí?

Cascão contou os quadrinhos das palavras cruzadas e disse.

– Cabe sim.
– Eeee! Qual é a próxima?
– Embalar o bebê? Cuméquié?

Antenor virou levemente a cabeça também confuso com a pergunta.

– Embalar um bebê? Eu heim! Isso seria colocar o bebê dentro de algum embrulho pra presente?
– Ou dentro de alguma sacola?

Os dois deram risadas e Lurdinha falou com ares de especialista.

– É ninar.

Ele conferiu e viu que estava certo.

– Não entendi, mãe.
– Embalar não é só de embrulhar, é também balançar, ninar o bebê para ele dormir.
– Ah, tá! – pai e filho disseram juntos e Cascão foi continuando o jogo.
– A próxima é: sinal de camarão.

Antenor respondeu sem pensar.

– Fome! Por acaso não tem nenhum salgadinho aí?
– Tá na mão!
– Antenor, cuidado! Não distrai senão causa um acidente.
– Relaxa, querida! A gente nem tá correndo tanto assim.
– E o sinal de camarão?

Lurdinha colocou uns salgadinhos na boca, pensou um pouco e disse.

– Agora você me pegou. Você sabe Antenor?
– Nem faço idéia! Camarão tem sinal? Talvez alguma placa colocada no mar pra mostrar que tem camarão na área?

Eles deram outra risada e continuaram o jogo tentando outras palavras mais fáceis. Nenhum deles se deu conta de que o carro estava seguido por três seres alados. Quando chegaram a determinado ponto, os emissários da morte voaram mais baixo e emparelharam com o carro. Ângelo observava tudo com o coração apertado.

– Mas heim? – Antenor ouviu um barulho estranho no carro e acabou parando no acostamento. Ele tentou dar partida mais algumas vezes e o carro não saiu do lugar. O carro de Magali estava logo atrás e eles pararam ao lado deles.

– Algum problema? – Carlito perguntou.
– Parece que o carro morreu!

Magali ligou para Mônica e Cebola, pedindo que seus pais parassem os carros. Souza parou o carro e foi até o carro de Antenor.

– O que foi?
– O motor não quer pegar, que coisa!
– Acho que alguém vai ter que empurrar enquanto você dá a partida.
– É mesmo. Cascão, vai lá e empurra!
– E por que eu?
– Porque eu estou dirigindo e você não quer que sua mãe desça para empurrar o carro, quer?

Ele resmungou um pouco e foi até a traseira do carro.

– Empurra aí, filho!
– Tô empurrando, pai! Credo, esse troço pesa!
– Tem que ir mais rápido!

Cascão ainda tentou se esforçar e não conseguiu grandes resultados. Como eles não podiam perder tempo, Mônica desceu do carro dos pais e foi até ele.

– Chega pra lá, seu molenga.

“Essa não!” Ângelo pensou ao ver Mônica chegando perto do carro deles. “Ela não devia estar aí!” ele olhou para os emissários que estavam a postos e viu que não ia dar tempo de fazer nada.

– Eu vou empurrar!

Quando ia empurrar o carro, Mônica sentiu o chão sob seus pés tremendo fortemente e deu um grito. Seus pais também gritaram apavorados quando viram o asfalto sob seus pés se desfazendo.

Cebola desceu do carro e ignorando os chamados dos seus pais, correu até onde a Mônica estava e viu, diante dos seus olhos, um grande buraco se abrindo no chão. Carlito conseguiu arrancar o carro dali antes de ser engolido, mas Antenor não teve a mesma sorte porque não conseguiu dar a partida. O casal deu um grito quando sentiu o veiculo indo em direção ao buraco. Ao ver que o carro ia cair, Mônica segurou o para choques do carro com força.

– Mãe! Pai! – Cascão gritava tentando alcançar as portas da frente para ajudar seus pais. O chão estava se desfazendo sob seus pés e ele não podia avançar sem cair no buraco.

Mônica tentou puxar o carro para trás com toda a força que pode reunir. Suas mãos começaram a sangrar e ela sentia muita dor. Mesmo assim ela não largou o carro. Cebola gritava apavorado tentando chegar até ela e seu pai teve que segurá-lo para evitar uma tragédia. Souza e Luiza procuravam por um local seguro para contornar o grande buraco que tinha sido aberto no meio da estrada. O som do chão tremendo era ensurdecedor e os emissários travavam com a Mônica um verdadeiro cabo de guerra, tentando puxar o carro para dentro do buraco. Quem ia imaginar que aquela garota era tão forte?

– Vai, Cascão! Eu não vou agüentar muito tempo!
– Mãe! Pega a minha mão! – Ele gritava estendendo o braço que Lurdinha tentava alcançar sem sucesso. – Mãe, anda!
– Cascão! Eu não alcanço! Ai meu Deus!

O para choques começou a desprender do carro e Mônica fez mais força ainda tentando puxar o veículo para trás. Mesmo sendo muito forte, ela nunca tinha carregado tanto peso assim em sua vida. O sangue jorrava das suas mãos, seus braços doíam e ela sentia que estava no seu limite.

Quando viu que o chão sob os pés da Mônica estava desmanchando, Ângelo viu que era hora de agir.

– Mônica! Essa não! Ela não vai agüentar! – Luiza gritou apavorada e chorando de medo.

– Só mais um pouquinho! Eu vou conseguir, sei que vou! – Ela falou chorando de dor e rangendo os dentes. Mesmo sentindo que o chão sob seus pés ia ceder, ela continuou segurando o carro e puxando com toda a força que pode reunir.

Tudo pareceu ter ficado em silêncio. Ele não ouvia mais o som do terremoto, que já tinha cessado. Também não ouvia os gritos dor da Mônica e nem dos pais dela. Cascão só via seus pais. Antenor estava do lado do motorista com meio corpo fora do carro tentando sair. Sua mãe tentava alcançá-lo sem conseguir vencer a distancia que separava suas mãos. Ele viu o rosto do seu pai, que contemplava apavorado o buraco de dez metros de profundidade que tinha sido aberto na estrada. Viu o rosto da sua mãe que chorava de medo diante daquela tragédia.

– Nãooo! – ele ouviu Mônica gritando quando o resto de chão que ainda segurava o carro cedeu, engolindo o veiculo e a levando junto. Ele sentiu algo lhe puxando para trás, fazendo-o cair de costas no chão. Um grande estrondo se fez ouvir e ele viu fogo e fumaça saindo do buraco. E tudo ficou escuro.

Luiza deu o maior grito de toda sua vida, caindo de joelhos no chão e Souza também gritava desesperado chamando pela Mônica. Magali cobriu o rosto com as mãos, se recusando a ver a tragédia que tinha acabado de acontecer e Cebola se soltou do seu pai e correu para a borda do buraco que tinha sido aberto no chão. Com a fumaça que saia de lá de dentro, ele não conseguiu ver nada e ficou chamando pela Mônica até ficar rouco. Maria Cebolinha chorava agarrada a sua mãe, que também não conseguia acreditar no que tinha acontecido.

Cebola também caiu de joelhos no chão e quando lhe passou pela cabeça a idéia de se jogar naquele buraco e morrer junto com ela, ele viu a silhueta de alguém saindo da fumaça.

– Ângelo! M-m... – a voz morreu em sua garganta e ele chorava como criança ao ver a Mônica nos braços dele, com as mãos ensangüentadas e tossindo fortemente por causa da fumaça.

Souza e Luiza, junto com o restante, correram na direção deles e Souza pegou a filha nos braços, apertando contra seu peito como se ela ainda fosse uma criança frágil precisando de proteção. Os dois choravam agarrados a ela, juntamente com Cebola que nunca tinha sentido tanto medo em sua vida. Segundos depois, Ângelo voltou trazendo Cascão ainda desacordado.

– E os pais dele? – Magali perguntou também em prantos tentando amparar o amigo junto com seus pais.

O anjo abaixou a cabeça e todos entenderam o recado. Olhando para o alto, ele viu os dois emissários levando os espíritos de Antenor e Lurdinha, ambos desacordados.

– Não! Ângelo, por favor! Não pode ser!

Cebola tinha percebido a tristeza no rosto do amigo e foi até ele, agarrando a gola da sua bluda.

– Cara, faz alguma coisa! Não deixa isso acontecer, são os pais do Cascão!
– E-eu sinto muito, gente. Sinto muito mesmo.

Magali estava com a cabeça de Cascão apoiada em seu copo e afagava os cabelos do amigo, sentindo seu coração se despedaçar só de imaginar como ele ia reagir ao receber a notícia. Ângelo voltou a falar.

– Vão embora o mais rápido possível. Daqui para frente, só vai piorar.
– E dá pra piorar mais ainda? – Cebola perguntou aos berros. – Cara, você viu o que acabou de acontecer? Isso não é justo! A gente estava quase conseguindo! Por que você não fez nada?
– Porque chegou a hora deles, Cebola. Quando é assim, não dá pra fazer nada. Gente, me perdoem! Se eu pudesse, teria ajudado todo mundo, sério! Agora vocês têm que ir! Eu vou fazer o possível para protegê-los, mas vocês tem que fazer sua parte!
– Humpt! Vai proteger a gente que nem fez com os pais do Cascão? Anjo da guarda mais fajuto é você, heim?

Ângelo abaixou a cabeça de novo, sentindo os olhos cheios de lágrimas por causa da dor dos seus amigos. Se pudesse, ele teria dado suas asas para evitar aquela tragédia.

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Carmen sentia-se inquieta, andando de um lado sem conseguir se acalmar.

– Carminha, o que foi?
– Eu não sei Xodozinho! Tô sentindo uma coisa tão ruim! Ai, que droga! Será que o resto do pessoal tá bem? Será que eles conseguiram?

Alguém bateu na porta. Era a empregada vindo buscar o Fabinho para passar um tempo com sua mãe. O menino foi com a empregada de boa vontade e Carmen torceu o nariz. Sua tia só fazia aquilo para dizer que era uma mãe atenciosa, mas na verdade ela mal conversava com o filho e o tempo deles juntos se resumia a fazer o menino brincar com algum brinquedo enquanto ela fofocava com as amigas ao telefone.

Aquela sensação ruim não passava de jeito nenhum e ela resolveu dar uma volta no pomar para tentar se acalmar.

“Minha nossa, o que foi isso? Por que eu tô assim? Que coisa estranha!”

Quando ela passou perto do pé de manga, uma voz saiu de trás da arvore.

– Oi, pirralha. Não pensa demais ou vai queimar os neurônios.
– O que você tá fazendo aqui, baranga?
– Matando o tempo. E também alguns humanos desavisados que vou achando no meio do caminho.
– Não vem pra cima de mim não!
– Calma, não chegou sua hora ainda.

Ela encostou-se num pé de ameixa ali perto ainda sentindo aquela sensação ruim. D. Morte lhe estendeu uma garrafa de vinho tinto e falou.

– Tome um gole, isso vai ajudar.

A moça não falou nada e deu um bom gole. O gosto era muito melhor do que aquele whisky que a morte tinha lhe dado há uns dias antes.

– Gostou? É um Château Cheval Blanc. Custou R$ 4.700,00 a garrafa.
– Você só toma bebida cara?
– Claro! Eu tenho gosto refinado. Agora deixa eu dar um gole.
– O que tá acontecendo? – Carmen perguntou. – Eu tô sentindo uma coisa tão ruim, sei lá! Nunca me senti assim antes!

A morte limpou a boca com a costa da mão e respondeu.

– Sua sensibilidade aumentou e está sentindo a mudança do planeta. E mudanças podem ser dolorosas às vezes.
– Estou preocupada com os meus amigos. Será que eles estão bem?

Ela desviou o olhar, pensou um pouco e respondeu.

– Estão vivos. É só o que eu posso dizer.
– Puxa... que alívio! Me dá mais um gole?
– Tome.

Elas foram tomando o vinho, cada hora uma bebendo um gole do gargalo. Quando o vinho acabou, D. Morte viu que Carmen estava mostrando sinais de embriaguês.

– Melhor você voltar pro seu quarto, pirralha. Você tá tonta que nem um égua!
– Égua é você, sua baranga! - ela falou com o rosto vermelho e a voz embolada e D. Morte resolveu levá-la de volta ao seu quarto sem que ninguém visse.

Antes de ir embora, ela ainda falou para a moça que tinha se jogado na cama e estava perto de pegar no sono.

– Deixe de ser burra, sua pirralha! Guarde as quatro passagens como eu lhe falei antes que você se arrependa!
– Vai a merda você também! – a loira pegou no sono e D. Morte foi embora pensando em como ela teria reagido se soubesse o que tinha acontecido com os pais de um dos seus amigos. Com certeza ela não teria reagido bem.

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– Pai? Mãe? – ele mal abriu os olhos e levantou-se rapidamente chamando pelos seus pais. Magali tentou acalmá-lo.
– Calma, você precisa descansar.

Ele olhou para os lados e viu que estava deitado no banco de trás de um dos carros e se levantou rapidamente ainda chamando pelos seus pais. Quando pôs os pés no chão, ele correu até o buraco de onde ainda saía um pouco de fumaça e começou a gritar como louco.

– Pai! Mãe! Responde!

Cebola foi até ele, junto com seu pai e Carlito para evitar que Cascão pulasse para dentro do buraco.

– Cascão, peraí!
– Peraí nada! Eu tenho que ir ajudar os meus pais! Me solta!
– Calma, cara! Espera! Cascão, olha pra mim. OLHA PRA MIM CRIATURA! – ele gritou segurando o amigo pelos ombros.
– Gente, cadê os meus pais? O que aconteceu com eles?

Carlito pegou o rapaz pelo braço e falou.

– Vem cá, não fica aí na beirada não que é perigoso. Vamos conversar.

O grupo voltou para perto dos carros e ele deparou-se com a Mônica olhando para ele com o rosto triste e ambas as mãos enfaixadas. A última coisa da qual ele se lembrava era do carro caindo dentro do buraco, levando seus pais e Mônica junto com ele. Depois tudo tinha ficado escuro. Não foi preciso que ninguém lhe falasse nada para que ele entendesse o que tinha acontecido.

– Eu sinto muito, Cascão. – Souza falou colocando uma mão em seu ombro.
– Desculpa, eu não consegui segurar o carro! Desculpa! – Mônica voltou a chorar, sendo abraçada pela sua mãe e ele entendeu que tinha perdido seus pais para sempre.
– E-eu não acredito! Não pode ser, é mentira! Eles ainda devem estar lá dentro do buraco, a gente tem que fazer alguma coisa! Isso não pode estar acontecendo, não pode!

Ele sentou-se no chão e desatou a chorar desesperado. Magali ficou do seu lado e ele se agarrou a ela, chorando no seu colo.

– Por favor, Magá! Diz que é mentira, diz! Por favor! Isso só pode ser um pesadelo!
– Ah, Cascão...

Eles deixaram que Cascão chorasse a vontade e sabiam que o rapaz não ia se recuperar daquilo tão cedo. Talvez nunca em sua vida.

Lili abaixou-se e tentou levantar o rapaz do chão gentilmente.

– Cascão, eu sei o quanto você está sofrendo, mas nós temos que ir!

Ele deu de ombros.

– Vão vocês, eu não tô nem aí pra nada!
– Nada disso, você vem também! Nós ainda podemos fugir!
– Eu não quero, me deixa! Vou ficar aqui mesmo e seja o que Deus quiser.

Cebola tentou convencer o amigo.

– Deixa disso, cara! Você não pode desistir!
– Eu já desisti, tá legal? De que adiantou aquele trabalhão todo lavando carros, me molhando da cabeça aos pés se no fim acabei perdendo meus pais do mesmo jeito? já era, cara! Acabou! Pra mim acabou!

Mônica chegou perto dele e disse.

– Não acabou não. Você ainda tá vivo.
– Grande porcaria!
– Porcaria coisa nenhuma! Sua vida vale muito! Acha mesmo que os seus pais iam ficar felizes de te ver desse jeito?
– Sei lá!
– Você sabe muito bem que não! Eles iam querer que você conseguisse escapar!

Ele abaixou a cabeça e Mônica continuou.

– Cascão, não faz isso! Pensa os seus pais e como eles iam ficar tristes! Pensa na gente, que somos seus amigos! Não desista, por favor! A gente vai superar essa, vai sim! Você não tá sozinho no mundo, nós estamos com você!

Cebola apoiou.

– É isso mesmo, cara! Estamos juntos nessa e vamos ficar juntos até o fim!
– Você pode contar com a gente! – Magali também falou tentando dar força ao amigo. – Por favor, vem com a gente! Seus pais morreram, mas você pode honrar a memória deles sobrevivendo e superando! Eles iam querer isso.
– Tá bom, gente, tá bom... – ele enxugou as lágrimas e levantou-se do chão.

Todos suspiraram de alívio quando ele aceitou entrar no carro dos pais de Magali e eles seguiram viagem. O dia não tinha acabado e eles ainda precisavam chegar a cidade de Uberlândia. Felizmente, o terremoto não tinha afetado o resto da cidade e eles puderam continuar a viagem sem grandes problemas.

Cascão seguia com a cabeça apoiada no ombro de Magali, sentindo o coração destroçado por tudo o que tinha acontecido. A vida era tão estranha! Até um tempo atrás, ele estava resolvendo palavras cruzadas junto com seus pais, rindo, contando piadas e comendo salgadinhos. Depois, num estalar de dedos, tudo mudou e sua família foi engolida em um buraco aberto pelo terremoto.

Sua garganta apertou-se e ele sentiu as lágrimas correndo novamente. Magali afagou os cabelos dele, tentando lhe dar forças e o rapaz voltou a chorar pensando nos pais que nunca mais voltaria a ver.



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