Amor À 19 Vista escrita por RoBerTA


Capítulo 19
Elevador, o novo cupido


Notas iniciais do capítulo

Gente, esse é o último capítulo. Depois só tem o epílogo e o bônus. Esperam que gostem.
Um agradecimento especial para Simplesmente Elementar 4Ever, pela linda recomendação *--------*
Boa leitura!!!



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Minha cara está horrível.

Essa é a primeira coisa que penso quando me posto em frente ao espelho do banheiro. Pareço uma versão espantalho-zumbi. Em qualquer outro dia, teria rido de mim mesma, mas agora só tenho vontade de chorar ao lembrar-me do motivo da minha aparência horrorosa.

Lavo meu rosto e escovo os dentes. Pareço um pouco melhor, mas grandes olheiras arruínam qualquer sinal de melhoras. Suspiro, frustrada.

Quando saio do banheiro, vovó está preparando o almoço.

— Precisa de ajuda? — Minha voz está completamente sem emoção.

Ela me olha de um jeito estranho, e não demora muito para que perceba que alguma coisa muito errada aconteceu.

— O que foi, Adelina? Você não parece nada bem.

Dou um sorriso torto e cansado pra ela.

— Jura? — Essa única palavra está carregada de sarcasmo. Pois é, nem nos meus piores momentos consigo ser uma pessoa melhor.

— Me conte o que houve, querida. Talvez eu possa ajudá-la.

Ou ela não notou o sarcasmo, ou fingiu não notar. Não consigo imaginar de que forma ela poderia me ajudar, mas afinal, não tenho nada a perder, certo?

— Eu briguei com o Rafael. — Talvez o termo correto seria, Rafael brigou comigo quando me flagrou beijando meu ex, mas acho desnecessário falar isso.

Vovó franze o cenho preocupada.

— Vocês brigaram? Mas vocês não estavam sempre brigando? Pareciam gato e rato!

Acho que ela nem percebeu quando nossa relação de ódio passou para outro tipo de relação.

— Pois é, acontece que estávamos meio que namorando, tipo um relacionamento enrolado, sabe?

Se me dissessem há um mês, que eu estaria falando desse tipo de coisa com minha avó, eu teria tido uma overdose de riso. Mas Rafael conseguiu me mudar completamente. Assim como Alex fez antes dele. Alguém por favor me diz, porque sou tão maleável quando o assunto é garotos? Porque tipo, se eu namorasse um mafioso, então eu ficaria má e marginal? Deus me livre!

— Sim, eu entendo. Mas o que aconteceu para vocês brigarem?

Mordisquei minha unha, descascando o esmalte, enquanto tentava encontrar um jeito de contar o que houve.

— Talvez ele tenha me visto beijar um antigo namorado meu...

Olhei tímida para ela, mas a velhota não parecia enfurecida ou decepcionada. Ela só parecia pensativa.

— E por que você fez isso, se gosta do Rafael?

— Porque Alex me chantageou, já que ele sabe algo ruim sobre mim. Um beijo, e ele ficaria calado.

Vovó ficou quieta por alguns minutos, e eu já não conseguia mais me aguentar de tanta ansiedade, quando ela finalmente se pronunciou.

— E o que é esse algo ruim?

A maldita pergunta que eu não queria responder. Não contaria em hipótese alguma para minha vó, pois não era capaz de prever a reação dela. Quanto menos pessoas soubessem, melhor.

— Eu não posso dizer, vovó. Desculpe, mas o segredo não é só meu.

Comecei a encarar o quadro atrás da vovó, o qual exibia uma linda paisagem com alguns cavalos correndo de forma alegre nela.

— Quem mais está metido nessa confusão?

Mordi meu lábio, pensando se era inteligente eu contar isso.

— A Lana e a Chris

Vovó ergue uma sobrancelha branca.

— A Chris? Por que sempre acontece alguma coisa ruim quando vocês estão juntas?

Pior que era verdade. Se eu sozinha era um desastre, nós duas juntas éramos um atentado mundial. Nossos pais evitavam que ficássemos muito tempo juntas desde que vandalizamos a escola numa noite qualquer, alguns anos trás. Escrevemos algumas coisinhas na parede do corredor principal. Infelizmente aquele vizinho da Chris, um tal de Eric, descobriu e nos dedurou. O garoto era um mala.

— Mas não foi ideia dela, vó. Ela só acompanhou a mim e a Lana.

— E de quem foi a ideia, então? — Seus olhos pareciam penetrar na minha consciência pesada, e eu não era capaz de encará-la sem desviar o olhar.

— Isso eu não posso dizer.

Sua mão encontrou meu ombro, e ela me obrigou a encontrar seu olhar.

— Você não pode assumir uma culpa que não é sua. E quanto ao Rafael, ele gosta de você, eu vejo isso na forma que ele te olha. Sabe, vocês dois me lembram da minha juventude, quando eu me apaixonei por seu avô. Também brigávamos um monte, mas eu brigava com ele por achar que ele não gostava de mim. No fim foi uma grande perda de tempo. Se eu não tivesse sido tão cabeça dura, nós poderíamos ter tido muito mais tempo juntos. Não cometa os mesmos erros que eu.

As lágrimas estavam novamente ameaçando se libertar, enquanto minha visão ia ficando cada vez mais embaçada. Eu conhecia a história da vó Terezinha e do vô Gustavo muito bem.

Ela tinha um pouco mais de trinta anos quando ele morreu, vítima de uma bala perdida. Havia ido trabalhar, e nunca mais voltou para casa. Deixou vovó com seus dois filhos para criar. Meu pai e a tia Lola.

Vovó tinha razão, cada segundo pensando no que errei e em como consertar esse erro, era um tempo desperdiçado, segundos a menos para ficar com Rafa.

Eu precisava vê-lo, contar toda a verdade, e dizer algo que estava entalado na minha garganta, implorando para ser gritado ao mundo.

— Obrigada, vovó, você ajudou muito, muito mesmo.

Ajudo-a terminar o almoço, e enquanto como, acabo me lembrando do tal baile fantasia. Era hoje! E eu pretendia que até lá estivesse tudo resolvido.

— Vó, vai ter uma festa hoje, eu posso ir?

— Claro, desde que não volte muito tarde.

Assenti.

Depois de lavar a louça — coisa que precisei insistir muito para fazer — saí correndo até o apartamento do Rafa, torcendo para que fosse ele quem abrisse a porta. Mas eu tenho que deixar bem claro que minha sorte anda uma porcaria ultimamente.

É Joseph quem se revela, e fica me olhando sem expressão alguma.

— Posso ajudá-la?

— O Rafael está?

Começo a ficar nervosa, e mal me lembro do que fazer quando o ver.

— Não, ele saiu bem cedo e não disse para onde iria. O que aconteceu ontem?

Sua pergunta me pega desprevenida.

— Por que você está perguntando isso?

— Porque nunca vi o Rafael tão arrasado assim, desde que seus pais morreram.

Aquilo me atinge como um soco no estômago. Preciso me segurar na batente da porta para não cair. Eu o havia magoado tanto assim?

Como percebe que não vou dizer nada, Joseph suspira, e desarruma os cabelos da mesma forma que vi Rafael fazendo. Aquele gesto faz meu estômago embrulhado ser acompanhado de uma garganta fechada.

— Você precisa entender que Rafael nunca se deixou envolver dessa forma por ninguém, por puro medo. Ele temia perder quem amava, como quando aconteceu com seus pais e sua irmã. Ele só não queria sofrer, por isso terminava com suas namoradas antes que se envolvesse demais. Mas com você, foi diferente, Adelina. Aos poucos ele foi se apaixonado, e eu mesmo notei isso antes dele. Você foi capaz de fazer o que nenhuma outra fez. Curar seu coração e roubá-lo ao mesmo tempo.

Continuo em silêncio, sem saber o que dizer. Eu era um monstro, olhando por esse ângulo. E se olhasse por outro, eu era uma desalmada. Os ângulos claramente não estavam ao meu favor.

— Não me leve a mal, Adelina, eu gosto de você, e estimo muito sua avó, mas se for para fazer Rafael sofrer, esqueça-o. Ou faça as pazes com ele, ou o deixe em paz. Só não o magoe mais, ok?

Concordo levemente, e ignoro o fato de o modo que ele falou ter soado como um ultimato. Finjo ser apenas um conselho. Um conselho que certamente seguirei.

— Obrigada, Joseph.

É tudo que digo, e minha voz sai rouca, sem muita emoção. Ele parece que vai dizer algo, mas desiste de última hora. Apenas assente e fica me observando voltar para o apartamento da vovó.

Vou direto para meu quarto e pego a linda máscara que havia comprado. Fico um bom tempo só a admirando, e tocando de forma delicada aquela peça única. Suspiro, e sei que não adianta adiar o momento. Rolo na cama e pego meu celular, jogado em algum canto qualquer.

Vou até a letra L, e por fim acho que procurava.

— Alô? Lana? Sou eu, a Adelina.

— Oi minha linda! E aí, novidades?!

Dessa vez a empolgação excessiva dela me dá nos nervos.

— Você sabia que o Alex viria aqui?

Ela fica em silêncio, e então percebo que ela sabia sim. Só não disse nada.

— Ele me chantageou.

— Espera, como assim? Ele não falou nada para ninguém, certo? — Sinto uma pequena nota de pânico em sua voz. De repente fico um pouco magoada pelo fato de ela nem se importar com a chantagem dele, só no fato se ele falou algo pra alguém.

— Não, ele continua quietinho. Pediu um beijo meu em troca do silêncio dele. Como não tinha outra opção, eu aceitei. Mas o Rafael viu.

Espero alguma reação dela, qualquer uma. Mas não o que ela disse a seguir.

— Então ele não contou nada para ninguém, certo?

Fico irritada.

— Não, eu já disse que ele não contou, mas eu vou contar. Vou falar toda a verdade pro Rafa. Eu não posso suportar que ele me deteste. Não quando estou apaixonada desse jeito. Desculpe, Lana, mas eu preciso.

— Mas...

Desligo antes que uma discussão se inicie. Desligo o celular também, para que ela não ligue de volta.

— Vó! — Grito, e ela pergunta o que quero da sala. — Se a Lana ligar, diz que não estou aqui!

Nem espero ouvir uma resposta, e vou para o banheiro tomar uma ducha. Vou tentar consertar as coisas com Rafa na festa. Não tenho certeza se ele vai estar lá, mas algo me diz que vai sim. Termino o banho e pego o vestido que praticamente me faliu.

Enquanto o seguro, aquele não-encontro me vêm a mente, e sem perceber acabo sorrindo enquanto me recordo daqueles doces momentos. Aposto que já estava apaixonada por ele muito antes daquele dia, mas admitir que é bom, nada.

Termino de me vestir, calço os sapatos pretos de salto, e ajeito meus cabelos, deixando-os soltos. Faço uma maquiagem bem forte nos olhos para realçá-los por detrás da máscara. O batom é um vermelho escuro, e quando acredito estar pronta, ponho a máscara.

Olho-me no espelho e fico satisfeita com o resultado.

Atravesso o apartamento sem pressa, e me despeço da minha avó.

Acabo me dando por vencida quando estou na frente do apartamento, e ligo meu celular. Não tem nenhuma chamada perdida, e isso me deixa tão feliz quando confusa. Quando estou prestes a ligar para chamar um taxi, um para bem em minha frente. Encaro como um bom presságio.

— Boa noite, senhor. Você sabe onde está acontecendo uma festa a fantasia agora?

Ele assente, e pede se quero ir lá. Digo que sim, e entro no taxi. Não trocamos nenhuma palavra, e quando ele para em frente a uma espécie de mansão bem grande, pago a corrida.

Saio do taxi e sou atingida pelo ar noturno, que faz com que minha pele se arrepie. Sigo em frente, e na entrada, tem um carinha com uma cara marrenta.

— O ingresso. — Ele diz com voz grossa.

Merda.

Como não pensei em imprevistos?

— Eu esqueci o meu. Posso comprar um agora?

Ele me analisa rapidamente, mas consente.

Já dentro, fico imaginando o quão falida estou. Sério, o valor da entrada foi uma facada nos rins. Tento esquecer isso, e adentro mais o recinto. Uma música calma parece me chamar, enquanto tento achar Rafael. Só então me amaldiçoo, por ser tão estúpida a ponto de tentar procurá-lo em uma festa onda as pessoas vão fantasiadas.

Mas isso não me faz desistir. Começo a revirar a multidão, e quase soco um garoto que assobia para mim e olha minha bunda de uma forma desaforada.

Já estou cansada, e seriamente tentada a dar uma pausa. Mas no fim, é ele quem me encontra.

— Você está perigosamente linda. — Sua voz rouca enche minha mente, enquanto sua respiração quente encontra a pele nua do meu pescoço.

Fico estática, enquanto ele passa as mãos na minha cintura. Sua presença atrás de mim é opressora, e não consigo fazer mais nada além de piscar e respirar.

Simplesmente não compreendo. Como ele pode falar assim, depois de ontem? Eu jurava que ele me odiava.

Não aguentando mais aquela situação, virei e fiquei de frente pra ele.

Os corpos ao nosso redor pareciam borrões, e a música se tornava nada mais que um ruído. Toda a minha atenção estava focada nele.

— Rafael...

Coloquei nessa palavra tudo o que sentia, todos meus arrependimentos, meus sentimentos, e o que pensava. E ele pareceu entender. Começamos a dançar, enquanto nos olhávamos.

Rafael estava vestindo um elegante terno preto, e usava uma máscara simples que cobria metade de seu rosto. Éramos os únicos usando uma máscara, e não uma fantasia. Mas eu nem ligava.

— Eu preciso explicar...

— Shh.

Ele colocou dois dedos nos meus lábios, me impedindo de falar.

— Eu sei que ele te chantageou.

Então fiquei mais confusa que nunca. Como assim ele sabia? Será que foi a Lana que ligou pra ele?

Vendo minha expressão de confusão, ele logo se apressou em falar.

— Eu fui atrás de Alex, e meio que o obriguei a falar. — Ele parecia um pouco culpado quando falou isso. Nem quero imaginar o porquê. Passei os braços ao redor de seu pescoço, e cheguei um pouco mais perto dele.

— Ele contou, tipo, tudo?

— Não, só disse que foi uma troca, o silêncio em troca do beijo.

No fim Alex cumpriu a palavra dele. Não disse nada. A vida era irônica, não é mesmo?

— Mesmo assim, não foi certo eu ter aceitado...

— Mas você teve seus motivos, e não foi justo da minha parte não ter te dado a chance de se explicar. — Nesse momento ele descansou o queixo no topo da minha cabeça. Ficamos nos balançando no ritmo da música, e eu acabei fechando os olhos, enquanto sentia seu perfume confundir meus sentidos.

— Mas eu te magoei. Eu te fiz sofrer, Rafa, querendo ou não.

— E eu te perdoei.

Afasto-me um pouco para poder ver seus olhos. Eles parecem brilhar para mim. Fico sem saber o que fazer ou dizer.

— Rafael!

Sou jogada pro lado, enquanto uma Rachel esvoaçante se joga em cima do meu Rafa, e lhe beija.

Um super beijo.

Quando ela se afasta, sua voz está carregada de euforia.

— Sim, sim, sim! Mil vezes sim! Eu recebi a sua mensagem. Também te amo!

Não fico para ouvir o resto. Saio correndo, ignorando Rafael me chamar. Por sorte um taxi recém havia largado umas pessoas ali, então entrei nele apressada. O motorista a princípio me olhou assustado, como se eu fosse um assaltante, mas depois se acalmou.

— Rápido! Começa a dirigir!

Depois de recuperar o fôlego, disse o endereço do apartamento e esperei.

Paguei (acho que vou ter que começar a trabalhar...) e saí do taxi. Naquele momento vi a moto do Rafael parada em frente ao apartamento. Fiquei indignada como fato dele ter chegado antes, se eu saí da festa antes. Vida cruel.

Olho para os lados quando entro, preocupada com a hipótese dele estar por lá. Como não o avisto em lugar algum, entro no elevador.

Mas quando ele está prestes a se fechar, uma mão o impede. E antes que eu possa impedir, Rafael já está dentro do elevador junto a mim.

Recuo para o canto, tomando distância. No momento agi por impulso, e só agora percebo como fui ridícula por fugir daquela forma. Ridícula e infantil.

— Você vai me ouvir, entendeu?!

Rafael está corado, algo inédito. Mas não é de vergonha, é mais porque ele deve — e com razão — estar furioso comigo.

Antes que eu possa dizer algo, as luzes do elevador começam a piscar, até que tudo fique em uma completa escuridão.

— Meu Deus! Eu vou morrer!

Começo a choramingar, enquanto deslizo no elevador até ficar sentada no canto.

— Calma, Adelina. Vai ficar tudo bem. Não entre em pânico.

É fácil falar. Provavelmente o elevador vai cair, e eu nunca mais vou comer cupcake, ou nunca vou ter a chance de dizer para Rafael que o amo.

Que o amo.

As palavras parecem doces, mesmo só na forma de pensamento. Imagine ditas em voz alta.

— Eu te amo.

Aquelas três palavrinhas mágicas flutuam no elevador completamente escuro. Provavelmente é a frase mais conhecida da história da humanidade. Quem nunca disse amar outro alguém?

— Eu sei.

Sou tirada do meu pânico, e dos meus devaneios sobre o amor. Como assim eu sei?! Eu acabo de declarar meu amor por ele, e o cachorro diz eu sei?!

— Como as...

Mas ele me interrompe, quando sinto sua presença bem a minha frente.

— E eu também te amo. Muito. Aquela mensagem que a Rachel falou, não era pra ela. Era pra você.

Minha respiração fica irregular, e mal sei o que fazer em seguida. Quero beijá-lo, e muito, mas então me lembro de que aconteceu alguma coisa com a luz.

— Rafael, nós vamos morrer?

Sinto sua força para não rir. Tento não ficar braba.

— Não, não vamos morrer. É provavelmente uma queda de energia, e o gerador deve estar com algum problema. Já aconteceu antes, e logo vai ficar tudo normal de novo.

Concordo com a cabeça, mesmo sabendo que ele não pode me ver, e tento controlar meu pânico. Ele disse que já vai passar. Que já vai ficar tudo bem.

— Você me ama de verdade? — Pergunto um pouco tímida.

— Não existe amor de mentira. Na verdade só existe um tipo de amor. Podem existir diferentes consequências pra ele, mas o sentimento é único. Você sabe quando ama alguém, quando não sabe explicar o que sente. Porque o amor não tem explicação.

Fico em silêncio, sem saber o que responder. Qualquer coisa que eu diga, não chegará aos pés do que ele acabou de falar. Foi tão bonito, que tenho medo de estragar com minhas palavras pouco suaves.

— Eu preciso te contar sobre aquilo.

— Você não preci...

— Preciso sim. Você tem que saber.

— Tudo bem, conte-me então, se faz tanta questão.

Respiro fundo, e me pergunto por onde começar.

— Se lembra de que o Alex me traía um monte? E que certa vez ele me fez sofrer muito, por causa da Lana?

— Sim, lembro.

— Então, Lana sempre foi a irmã que eu nunca tive. Mas ela nem sempre foi a menina doce que você conheceu, assim como eu nem sempre fui a maluca chata que sou hoje. Nós mudamos naquela noite. Era pra ser só uma brincadeira, sabe? Uma pequena vingança.

Começo a sacudir a cabeça, enquanto as lembranças daquele dia vem a tona.

Lana está a nossa frente, com a liderança. Eu não quero fazer isso, de jeito nenhum. Já disse que Alex é passado, e não queria me rebaixar a esse ponto, me vingando dele. Mas Lana insistiu na ideia de que “um safado como ele, que faz juras de amor para uma garota, mas então fica com várias outras, ser imperdoável”. Mas Alex nunca me fez juras de amor. Tentei explicar isso pra ela, mas a garota parece ignorar. Ela trata do assunto quase como se fosse algo pessoal.

Chris está inquieta, enrolando o cabelo loiro liso, como se ele ainda estivesse com seus belos cachos. Cansei de brigar com ela para parar de alisá-los, mas ela é cabeça dura e não me escuta.

— Acho melhor sairmos daqui. — Chris finalmente fala, e recebe um olhar malvado de Lana. Ela podia ser minha melhor amiga, e quase uma irmã, mas era definitivamente má e cruel. Não tinha escrúpulos quando se tratava de algo que queria.

— Lana, a Chris tem razão, é melhor pararmos antes que a coisa se complique. Além do mais, como pode ter certeza de que ele está aqui? É de noite! O que uma pessoa em sã consciência faria numa escola de noite?

— Além de pichar a parede da escola? — Ela lançou um olhar divertido pra nós.

— Ok, você nos pegou. Mas era mais um protesto, e não uma vingança estúpida! — Chris reclama. — Quer saber? Eu vou dar o fora daqui, e você deveria fazer o mesmo, Adelina, e parar de dar bola pra essa maluca. Amiga que é amiga não te faria fazer uma coisa dessas, que só vai te ferrar no final.

E então ela sai pisando forte, com um grande mau humor. Fico tentada a ir junto, mas o jeito que Lana me olha, me faz desistir rapidamente da ideia.

Por fim entramos na escola, que não é muito boa em nível de segurança. Continuo a seguindo, que parece saber exatamente pra onde está indo. Torço para que Alex que não esteja lá, mas minhas preces não são atendidas.

Ele está beijando uma garota contra o murro. É a tal da Dayse, a santinha da escola. Quem diria que ela tem esse lado desconhecido.

— Que vagaba! — Lana exclama ultrajada. Olho confusa pra ela. Eu que sou a namorada traída, deveria estar braba, não ela. Mas não tenho tempo de questioná-la, porque o que ela faz em seguida, me deixa sem ação. Tira do bolso algumas bombinhas e as joga neles.

Não consigo lembrar-me muito bem do que aconteceu em seguida, só de ouvir vozes gritando em total pânico, e luzes fortes fazendo minha visão vacilar. Quando aquele momento de loucura passou, Lana não estava mais ali, ao meu lado. Tampouco vi Alex. Mas Dayse estava caída no chão, parecendo tremer e se contorcer, enquanto choramingava baixinho.

— Alex? Onde você está!? Eu estou com medo.— Fiquei olhando para ela por alguns segundo, sem saber o que fazer. Ela jamais poderia saber que estive aqui, e estava quase indo embora, quando a próxima coisa que ela falou me fez ficar. — Eu não estou conseguindo ver nada! Por favor, me ajude!

Fechei os olhos com força, em completo pânico. Onde Lana havia me metido? Aproximei-me com passos lentos de onde a garota estava caída. Já havia parado de tremer tanto, mas o rosto exibia pequenos machucados, e seus olhos ficavam tentando captar alguma coisa, qualquer coisa, se remexendo inquietos. Senti um nó no estômago.

Abaixei-me, e acariciei seu rosto machucado. A princípio ele recuou, mas depois pareceu ficar mais calma.

— Adelina?

Fiquei surpresa.

— Como sabe que sou eu?

Ela suspira, e sinto dor em seu suspiro.

— Você tem cheiro de canela. O que aconteceu aqui?

Abro a boca, mas depois a fecho rapidamente. Jamais entregaria Chris e Lana, apesar de minha prima nem ter tido grande participação nessa história, e Lana ser a maior culpada.

— Foi um pequeno acidente. Sinto muito.

Aperto sua mão.

— Provavelmente foi Deus me punindo por ter sido uma garota má. Bem que Lana me avisou para ficar longe do Alex.

— O quê? Porque ela diria isso?

Quando seus olhos se viram na minha direção, sem me ver realmente, sinto um frio na espinha.

— Você é mais inocente do que eu pensei. Talvez devesse questionar o que andaram te contando. As pessoas mentem, Adelina, por interesses próprios.

Fiquei confusa com o que ela falou. Quem havia mentido para mim, afinal?

— Não entendo.

— Algum dia entenderá. — Ela suspira. — Estou sentindo dor, será que você poderia buscar ajuda?

Concordo, sem pensar em quais consequências me aguardam. Ligo para a emergência, e sou bastante evasiva.

Quando desligo, continuo junto a Dayse. Ela me surpreende.

— Você pode ir, não precisa ficar comigo. Ou vai se encrencar.

— Eu não posso fugir das minhas responsabilidades. — Falo decidida.

— A responsável já fugiu, e também você deve ir.

— Não sei do que está falando. — Minto descaradamente. Estava disposta a assumir toda a culpa.

— Sabe sim, agora vá. Se for meu perdão que quer, ele é todo seu. Vá!

Fiquei encarando-a sem saber como agir. A menina não estava enxergando nada, poderia estar cega, e cá estava ela me dizendo para ir embora, para eu não me encrencar. Como podem existir pessoas tão boas nesse mundo tão cruel? Pessoas dispostas a perdoar? De repente, me sinto uma pessoa horrível, como nunca antes havia me sentindo.

— Eu vou. Mas antes me diga uma coisa. Você gosta do Alex?

Ela sorri, mesmo em meio a toda aquela desgraça.

— E quem nunca se apaixonou por ele?

Não era a resposta que eu queria, mas servia por hora. Ouvi a sirene da ambulância, então me abaixei até o rosto de Dayse.

— Eu sinto muito. Nunca quis que isso acontecesse.

Depois saio apressada, com o coração a mil. Saio pelo mesmo lugar que viemos, e quando já estou a uma boa distância, alguém me aborda.

— Adelina, para! Sou eu.

Lana está ofegante, com um semblante preocupado.

— Por que você fugiu daquele jeito?! Ou melhor, por que diabos você fez aquilo?!

Uma raiva como nunca havia sentido antes se aloja em meu peito. Ela me encara serena, e não parece muito arrependida.

— Eu fiz por você. Mas agora precisa me prometer que isso morre aqui, certo? Prometa.

Mordo o lábio, sem saber o que fazer. No fim, acabo perdoando-a, e fazendo a promessa.

Termino a história, feliz por ainda estar escuro, e não poder ver a cara de decepcionado dele. Como ele não diz nada, quebro aquele silêncio esmagador.

— Depois daquele dia, nunca mais fomos as mesmas. Lana deixou de ser tão má, e começou a ficar melosa. Eu jurei nunca mais me apaixonar, abandonei a popularidade e a sanidade. Chris não chegou a ser afetada, por não ter tido grande participação. Já Dayse, ela perdeu a visão do olho esquerdo. Às vezes tenho certeza que vou para o inferno. — Desabafo.

Surpreendo-me ao sentir seus braços me puxando para um abraço reconfortante.

— A culpa não foi sua.

Então fico braba, não com ele, mas comigo mesma.

— Como não foi minha!? Eu quase acabei com a vida da garota! E tudo por causa de uma estúpida vingança!

— Que não foi ideia sua. Meu Deus Adelina, você ainda não percebeu?

— Percebeu o que? — Pergunto desconfiada.

— É tão fácil de te enganar. — Ele diz um pouco aborrecido, e fico magoada. — Lana não é quem você pensa que é.

Afasto-me dele, furiosa por Rafael estar falando mal dela.

Você mal a conhece. Não tem qualquer direito de falar assim.

Mas o garoto é persistente, e coloca as mãos ao redor do meu rosto. Fico imaginando se era assim para a Dayse, logo no início, sem poder ver nada nem ninguém.

— Pelo o que você contou, conheci mais ela do que você pensa conhecer. Você acha que ela fez o que fez por você? Está se iludindo.

— O que está insinuando?

Seu suspiro de irritação atravessa a escuridão e chega até mim.

— Estou querendo dizer que ela fez isso por ela. Porque ela era apaixonada por ele. Tenta ligar os pontinhos, Adelina, você é inteligente.

De repente as lágrimas vieram, enquanto eu ligava os tais “pontinhos”. Lana dizendo que Alex deu em cima dela, para separá-lo de mim. Lana levando aquela vingança para o lado pessoal. Ameaçando Dayse para ficar longe dele. Dayse dizendo que todas já se apaixonaram por ele em algum ponto. Dayse tentando me dizer exatamente o que Rafa acabou de insinuar.

— Ai meu Deus. — Choramingo baixinho. Não acredito que aquela que eu via como uma irmã havia feito isso. Era inadmissível. Bem naquele momento as luzes voltaram, e me peguei encarando um Rafael com olhar condolente. Ele estava com pena de mim. Não suportei, e saí de perto dele.

— Não me olhe desse jeito, como se eu fosse uma cachorrinho chutado. — Falo de modo brusco.

— Ela era sua melhor amiga. E apenas sei o que está sentindo.

— Talvez. Sabe o que me faria bem agora?

— O quê?

— Um beijo.

Por um momento, ele apenas me olha. Mas depois seus lábios se juntam ao meu, em um beijo ávido e sedento.

Mesmo quando o elevador anuncia que estamos no nosso andar, não nos separamos. Saímos grudados, parecendo dois corpos, mas um núcleo só. Paramos em frente a porta do apartamento dele. Me separo o suficiente para conseguir falar.

— Mas e o teu tio..?

— Ele saiu.

E então me puxa para um beijo novamente. Ele se vira um pouco para poder abrir a porta, e tem a maior dificuldade para abri-la. Rio, e sinto cócegas.

Quando finalmente abre, já estamos do lado de dentro. Ele fecha a porta com um chute, e então faz com que minhas pernas fiquem ao redor de sua cintura. Percebo que ele está me levando para seu quarto. De início sinto um pouco de receio, que logo é substituído por aceitação e ansiedade.

Eu o amava, de corpo e alma.

Quando entramos em seu quarto, semi escuro devido ao brilho da lua e das estrelas, caímos em sua cama, sem nunca quebrar o beijo.

Quando percebeu o que estava fazendo, ele tentou se separar, mas não permiti. Encarou-me cheio de dúvidas.

— Tem certeza?

— Sim.

Uma simples palavrinha de três letras. Mas que era minha declaração de amor.

Sim, eu te amo Rafael.

Sim, eu quero ficar para sempre com você.

Sim, eu jamais imaginei um amor assim. Mas estou vivendo um.


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