Eram sete horas da manhã quando eu fui acordada pelo som do telefone a tocar. Eu tinha dormido pouco, duas horas no máximo. Levantei-me da cama, vesti o robe, calcei os chinelos de andar por casa e desci as escadas a correr.

Quando finalmente alcancei o telefone, peguei nele e proferi:

–Quem fala?

–Olá, Susan. – Estaquei. O sangue desapareceu-me do corpo. Quem se encontrava do outro lado da linha não era nem Len nem Edmund. Era William.

–Ah… Will… Olá.

–Pareces desapontada com a minha chamada. – gracejou ele.

–Ah não, não é isso… É que eu estava à espera de uma chamada de outra pessoa. Mas diz-me o que desejas, William.

–Eu apenas queria falar com o teu irmão. Ele já está acordado?

–Ele, ele… - não consegui terminar a frase. – O que é que lhe querias dizer?

–Oh, não era nada de especial. É que ontem ao fim da tarde combinei com ele ir jogar futebol com uns amigos nossos aqui para um campo perto de minha casa, e o Peter não apareceu. Apenas queria ver se estava tudo bem com ele.

–Bem, ele…-não tinha a certeza do que deveria fazer. Por um lado, o que tinha acontecido a Peter era muito grave, mas por outro, William era o melhor amigo de Peter.- Ouve, Will, ontem aconteceu… Aconteceu uma coisa má a Peter…

–Como assim? – perguntou ele lentamente. Parecia estar a ficar preocupado.

–Ele tentou suicidar-se. – lágrimas começaram a cair pela minha face. William demorou ainda um bom tempo até voltar a falar.

–O quê? Mas ele está bem? Onde é que ele está agora? – William parecia não estar a acreditar no que estava a ouvir.

–Está no hospital. Mas eu nem sei como é qu-que é que ele está. – as lágrimas pareciam intermináveis e comecei a soluçar.

–Susan… Não chores, vai ficar tudo bem… - não respondi durante algum tempo pois a dor no meu peito tornou-se completamente insuportável.

–Eu… Eu acho que é melhor d-desligar. Eu não em condições para falar agora.

–Liga-me assim que souberes algo sobre o Peter.

–Não te preocupes, eu ligar-te-ei.

–Adeus Susan.

–Adeus William.

Pousei o telefone e sentei-me no chão. Não queria acreditar que aquilo era real. Não podia ser. Eu não podia perder o meu irmão. Fiquei ali durante muito tempo. Não sei se foram minutos ou horas, mas a certa altura ouvi passos no andar de cima. Lucy tinha acordado e eu ainda nem tinha feito o seu pequeno-almoço. Levantei-me rapidamente e dirigi-me à casa de banho. Não podia deixa-la ver-me naquele estado lastimável. Limpei a cara e penteei-me. Ainda estava com olheiras e com os olhos vermelhos. Dirigi-me à cozinha e comecei a preparar o pequeno-almoço para mim e para a minha irmã.

Passados alguns minutos ela finalmente apareceu. Também não se encontrava com lá com muito bom aspeto. Provavelmente também não devia ter dormido em condições.

–Su… Eu queria… Eu queria saber se já sabes alguma coisa sobre… sobre Peter. – lutei contra todos os meus instintos e consegui não começar a chorar naquele momento.

–Não Lu, ainda não sei. – Lucy nem respondeu e sentou-se, começando a comer pedaços de pão com manteiga. Instalei-me em frente dela e evitei o seu olhar. Se ela visse que eu estava vulnerável podia ainda se ir mais abaixo e eu não queria que isso acontecesse. Ela comeu pouco para o que era habitual e foi refugiar-se no seu quarto. Assim como ela, eu não comi muito. Também decidi ir para os meus aposentos de modo a ir vestir-me. Coloquei um vestido simples, branco, que me dava pelos joelhos. Voltei a pentear-me.

Lentamente dirigi-me à sala de estar. A dor aguda que se encontrava alojada no meu peito continuava ali. O desespero aumentava a cada segundo. O relógio enorme que tínhamos na sala não estava a ajudar nada. O espaço de tempo entre cada “tic” e cada “tac” parecia uma eternidade. Eu não sabia o que fazer. Estar parada ali no meio da sala de estar fazia-me sentir uma inútil. Eu deveria estar no hospital com Peter. Eu devia estar lá a confortar Len. Era a minha obrigação estar lá a apoiar Edmund. No meio desta loucura, ele devia estar a sofrer imenso. Como já sabem, naquelas últimas semanas ele e Peter não se tinham dado muito bem e de certeza que Edmund se culpava por aquilo que se tinha passado.

O meu coração saltou quando o som do telefone a tocar interrompeu o silêncio do fim da tarde. Levantei-me abruptamente e peguei sem hesitar nele.

–Estou?

–Susan?

–Len! Len! – Sentia-me extremamente feliz por ouvir a voz familiar da minha mãe. – Como é que ele está?

–Ele, hum. Ele está vivo. – Aquilo não era bom sinal. A minha mãe não me tinha dito que ele estava bem, mas sim que ele estava vivo. Algo de errado se estava a passar.

–Mãe? Ele está bem? – O tom de voz da minha mãe voltou a mudar e notava-se claramente a sua dor na sua voz.

–Ele ficou alguns minutos sem receber oxigénio no cérebro. Ele … pode ter ficado com alguns danos permanentes e graves.

–Q-que tipo de danos? – O meu corpo começou todo a tremer e as lágrimas estavam a teimar em cair.

–Ele pode ter um raciocínio mais lento e pode ter perda de memória. – Não aguentei mais e sucumbi. O meu irmão poderia perder a memória. Poderia esquecer-se de todos nós, poderia não se lembrar de Nárnia. As lágrimas passeavam pelo meu rosto. Só me apetecia gritar e esconder-me. Não, não aceitava aquilo, não podia ser. Não o meu irmão. Deitei-me ali no meio da sala. As lágrimas começaram a escorrer pelo chão de madeira. Mas eu não queria saber. Uma das pessoas mais importantes na minha vida poderia nunca mais se lembrar de mim. Poderia não me reconhecer. Como é que eu iria reagir quando Peter chegasse a casa e não soubesse quem eu era? O que é que eu ia fazer? O que é que eu iria fazer se ele não retribuísse o abraço apertado que Lucy lhe iria dar porque ele não fazia ideia quem era aquela menina pequena? Isto era algo que ninguém merecia. Como é que William iria reagir quando o fosse cumprimentar e Peter lhe virasse a cara? Ou quando ele não reconhecesse a sua própria namorada? Não conseguia sequer pensar nisto.

–Susan? Susan? – levantei-me com muito esforço e terminei a chamada.