- Por que ela ainda não acordou? - ouvi uma voz rouca de tom preocupado ecoar por minha mente inebriada, dando um ponto de realidade para a escuridão forte que habitava meus pensamentos.

- Isso é normal, ela sofreu uma forte pancada na cabeça, logo estará consciente - uma voz polida respondeu, acompanhada de um suspiro irritado, como se a pergunta feita já tivesse se repetido inumeras vezes.

Por um instante tudo ficou silencioso, e eu me perguntei se as negras ilusões que dançavam por meus raciocínios haviam dominado minha noção de mundo novamente, porém antes que eu desistisse e me entregasse novamente ao negrume sem sonhos, um calor aconchegante dominou minha mão, e eu percebi que alguem a segurava de modo protetor, ao mesmo tempo que tentava me puxar de volta para o lugar onde ouvira as vozes.

- Eu estou aqui, Emily. Fique tranquila - ouvi a primeira voz novamente, agora mais calma e segura, a melodia de suas palavras chegando com mais intensidade em meus ouvidos antes surdos.

Eu queria responder à sua frase, porém todos os meus movimentos pareciam ser retardados por uma nuvem sonolenta que habitava meu corpo. Direcionei toda a atenção que voltava aos meus pensamentos lentamente para meus olhos, tentando abrir as pálpebras pesadas que se recusavam a atender meu pedido.

Tentei novamente, frustrada. Eu queria ver onde eu estava, queria ver o que havia acontecido com todas as figuras medonhas que haviam nos atacado ferozmente na última lembrança que eu tinha, e, mais do que tudo, eu queria ver o rosto amigo da pessoa que tentava me ajudar mesmo que silenciosamente.

Minhas pálpebras tremeluziram, e isso foi o bastante para a pessoa ao meu lado ofegar surpresa, apertando minha mão mais fortemente enquanto prendia a respiração diante de minhas tentativas de realizar algo antes tão fácil.

Senti meus olhos se abrindo lentamente, e no mesmo momento uma luz forte chegou a eles, cegando minha visão por alguns instantes.

- Onde estou? - perguntei, sentindo as palavras atrapalhadas tropeçarem em minha garganta seca.

- Estamos seguros agora - ouvi a mesma pessoa dizer ao meu lado, porém agora minha mente recém acordada reconhecia sua voz sem precisar ver seu rosto.

- Que porra aconteceu essa noite? - perguntei, sentindo meu corpo começar a responder minhas ações, fazendo eu conseguir me sentar apoiada na parede levemente verde atrás de mim.

Fechei e abri os olhos novamente, acostumando-me com a luz fluorescente que nos iluminava logo acima. Lentamente os pontos escuros que corriam por minha visão sumiram, e pude perceber o lugar irreal em que eu estava.

Era um quarto, limpo como eu não via a muito tempo. A lâmpada branca posicionada no teto do local iluminava todo o cômodo, permitindo-me ver a pequena mesa branca ao meu lado, com várias agulhas prateadas e objetos médicos variados depositados livremente sobre ela. Olhei para meus pés suspendidos no ar pela altura do móvel no qual eu me encontrava, observei a textura fina que cobria minhas pernas e percebi que se tratava de um fino lenço verde, estendido ao longo da cama onde eu estava agora sentada.

Uma cama. Pode parecer extremamente idiota, mas a sensação de estar novamente sobre aquela espuma macia sabendo que eu poderia deitar-me ali sem medo de ser atacada por meus pesadelos reais era incrívelmente única, tanto era o tempo que eu não me dava ao luxo de tal fato.

À minha frente, ainda segurando minha mão, Mikael me observava aliviado, um pequeno sorriso iluminando seus lábios por ver que eu estava bem, enquanto sua mente tentava encontrar as palavras para ele descrever como diabos haviamos parado ali.

Percebi que ele havia trocado sua camiseta rasgada por uma camisa branca limpa, que parecia alguns números maior que seu tamanho, pois ela ficava ligeiramente folgada em seu corpo. As calças jeans surradas foram trocadas por uma calça preta simples, dando uma aparência muito melhor para Mikael do que o garoto esfarrapado que sempre me acompanhava.

Olhei para meu próprio corpo, observando que eu também não estava com a mesma roupa de tantos dias. Haviam me colocado uma camisa idêntica à de Mikael, porém grande o bastante para parecer um vestido improvisado, perguntei-me qual seria o motivo de tanto exagero na peça quando constatei que eu não usava nenhuma calça como a do garoto à minha frente, eu estava apenas com a camisa que me cobria até um pouco acima do joelho.

Ok, então o estoque de calças havia acabado ou o quê? A razão era essa ou tinha algum cara pervertido naquele lugar que estava louco para ver uma garota sem as partes de baixo. Implorei mentalmente para que o motivo daquele vestuário fosse minha primeira hipótese.

- Então, você está bem? - perguntou Mikael, quebrando o silêncio frio que permanecia naquele quarto, e evidentemente ignorando minha última pergunta.

- Sim, eu acho - disse, flexionando os dedos vagarosamente, como se quisesse ter certeza que eles me respondiam agora - Apenas com uma dor de cabeça, nada com o que se preocupar.

Ele assentiu ligeiramente, ficando em silêncio novamente enquanto fitava nossos pés.

- Então, vai me contar o que ocorreu? - perguntei, inclinando minha cabeça em sua direção.

Mikael hesitou um momento, e então abriu os lábios pronto a começar sua narrativa, porém antes que qualquer palavra saísse por sua boca uma voz soou da porta a minha frente.

- Acho que eu tenho uma versão melhor do que a desse cara - respondeu a pessoa, o tom da voz trazendo surpresa e uma crescente raiva no mesmo momento.

Olhei para os olhos prateados como os de um pesadelo à minha frente, sem acreditar. Observando-me com um sorriso torto no rosto, enquanto seu corpo encostava-se descontraídamente na porta clara estava o garoto que havia me abandonado para morrer, que havia fugido como um cão covarde quando viu que eu não tinha mais utilidade.

- Sentiu minha falta? - perguntou Ciel, enquanto um divertimento tranquilo dominava seus olhos.