O ar de desolação lentamente me fez abrir os olhos. Eu não sabia onde estava, não me lembrava de como havia chegado ali. Tudo a minha volta se resumia apenas àquele cheiro de podridão.

Com cuidado, me pus de pés, checando receoso cada parte inacreditavelmente intacta do meu corpo. Olhei em volta, a solidão ocupando cada canto daquele lugar abandonado.

Um filhote de texugo aparece de repente, me espiando curioso através dos entulhos da ruína. Sorrio para o animal, mas quando tento me aproximar ele foge correndo de mim, suas pequenas patinhas não fazendo barulho quando tocam o chão.

Me aproximo da única janela e espio o desconhecido pelas frestas e vidraças quebradas. Sob o crepúsculo, um oceano de estrelas começa a cobrir o céu isolado. Vejo uma extensa faixa de dunas de areia, a vontade de querer sentir aquele solo ganha força dentro de mim.

Corro em direção à porta e avançando sem rumo por sob aquele chão tão surreal. Observo de relance meus pés descalços. Estranho... não me lembro de ter tirado os sapatos em momento algum.

Paro subitamente, quando encontro o mar de surpresas escondido no fim das dunas. Aos meus pés, lembranças se transformaram numa espécie de mar... meu mar de memórias. Mas olho em volta; por que, afinal, estou sozinho ali?!

Aquele beco onde tudo começou. Era para eu estar lá agora.

Me abaixo, minhas mãos agora tentando alcançar aquelas lembranças. Vejo um garoto indo embora com sua gangue, vejo um conhecido com sangue escorrendo pela boca. Ele está agachado, gritando pelo nome daquele corpo caído a seus pés. Encaro a figura, algum detalhe extremamente familiar me fazendo arregalar os olhos.

Aquele corpo caído era meu! MEU!!

Grito pelo nome de Gabriel, lhe dizendo que eu ouvia sua voz, que eu estava vendo ele. No entanto, por mais que eu gritasse, minha voz nunca chegava até o garoto.

Eu estava morto, aquela era a verdade, mas - uma voz se acende em minha mente - se minha alma tivesse sido tomada, por que então eu via essas imagens?!

Gritei com meu eu caído no chão. Eu precisava abrir os olhos, antes que fosse tarde demais.