Across The Water escrita por sankdeepinside


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Acho que coloquei tudo o que queria ali no do disclaimer, demorei um pouco pra postar mas enfim temos a nossa One *u*
Espero que gostem.
Boa Leitura.
Beeijos



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O amor não existe. Você não pode tocá-lo, segurá-lo em suas mãos ou dar algumas pancadas quando algo foge do que é esperado. É frustrante, doloroso e simplesmente não existe. Como é possível que algo abstrato, uma mera brincadeira do seu cérebro possa causar tanta tormenta no interior de um ser humano? Talvez esse seja um dos “porquês” do universo em que eu mais desperdice meu tempo tentando compreender, apenas pelo desejo desesperado de um dia possuir total controle do meu cérebro e banir completamente essa coisa abstrata da minha mente.

Com toda certeza, nesse momento eu devo estar soando como um velho rabugento, mas eu não sou, acho até que sou mais amigável do que eu gostaria de ser. Desde criança sempre houve muita gente ao meu redor que eu aprendi a amar, pai, mãe, primos, avós, tios de sangue, tios de música, amigos, mas desde que eu descobri um par de olhos azuis, doces e faiscantes, como uma manhã de tempestade, amar nunca mais foi a mesma coisa.

Toda essa metáfora adocicada, talvez rendesse um ótimo hit romântico, uma balada levemente dançante cheia de devoção, carinho, dor de cotovelo e amor jurado em um refrão repetido quatro ou cinco vezes, dedicando três ou quatro minutos a jurar amor a aquela figura feminina perfeita, de olhos na cor do céu. Mas não, nenhuma bela declaração foi escrita, nenhuma balada na voz do Bruno Mars foi tocada, mas com certeza houve amor.

– Eu estou congelando!

– Pare de ser molenga! – caminhava na minha frente chutando alegremente o ar. Estava escuro, frio, sentia os músculos do meu corpo se contraindo involuntariamente a cada arrepio que o perpassava, o moletom não parecia grosso o suficiente para evitar a sensação térmica abaixo de zero.

– Onde estamos indo? – Falei um tanto desconfiado, éramos dois adolescentes caminhando sozinhos pela neve durante uma madrugada, seguir os passos dela era sempre uma aventura desconhecida. É difícil saber o que se passa em sua mente, sabe-se lá o que ela planeja.

– Relaxa okay? Só estamos dando uma volta.

– Uma volta? – Olhei ao redor, as ruas haviam ficado para trás há alguns minutos, subíamos uma ladeira sinuosa. – Pare onde está Shannon.

Ela imediatamente cessou o caminhar e se virou para mim. A pele clara parecia reluzir à luz da lua, os olhos azuis opacos ficaram cinzentos e uma fina nuvem de ar se formou diante de seu rosto quando soltou a respiração pela boca. Os cabelos negros estavam presos em uma trança até o meio das costas e tinha no topo da cabeça um gorro de lã cinza.

– Vamos voltar, por favor? Estamos caminhando há horas, meu corpo inteiro está dormente! Eu não quero morrer congelado okay?

Eu estava muito carrancudo, por mais que gostasse da companhia dela, eu odiava sentir tanto frio. Depois do meu resmungo, o rosto dela se abriu em um sorriso travesso e em seguida sua gargalhada fina ecoou pelo vazio daquele lugar.

– Não vamos demorar okay? Só quero te mostrar uma coisa. – ela fez uma pausa e me fitou, depois de um breve instante, seus olhos se reviraram demonstrando que ela cedia algo. Deu um passo para frente e levou as mãos ao zíper do meu moletom. A princípio achei que ela zombaria de mim e me deixaria exposto ao frio, minha mente dizia que eu deveria impedi-la de abrir meu casaco naquele tempo, mas eu simplesmente permaneci imóvel. O que veio a seguir foi uma agradável surpresa.

O corpo esguio dela se enroscou no meu em um abraço morno, sua respiração quente soprou lenta em meu pescoço e um arrepio diferente percorreu meu corpo. Retribui o abraço da maneira mais gentil possível, mas meus dentes ainda batiam de frio.

– Se sente melhor?

– Um pouco. – disse com um tom levemente trêmulo na voz.

A sensação do corpo dela tão unido ao meu parecia me deixar mais aflito do que eu gostaria, não sei explicar o choque térmico e emotivo que aquele abraço causou em mim. Raramente ela deixava que nós tivéssemos qualquer contato físico, aquele abraço foi como se pela primeira vez eu sentisse que ela era realmente humana. Foi um longo instante que pareceu um único segundo, de repente o frio parecia se esvair completamente e a única coisa que me vinha à mente era beijá-la, tocá-la, amá-la ali mesmo naquele mar descarnado de neve. Fechei os olhos e deixei que meus lábios frios pousassem no pequeno espaço entre seu maxilar e o cachecol, na tentativa de esquentá-los também, e imediatamente notei a pele de Shannon se arrepiar. No susto do meu ato inesperado, ela deu um passo para trás desconsertada.

– Vamos continuar subindo. – dizendo isso, virou as costas novamente e ambos voltamos às nossas posições iniciais. Shannon chutando o ar na minha frente e eu caminhando atrás, um tanto menos carrancudo do que antes.

Essa provavelmente havia sido a primeira vez em que eu me dera conta de que Shannon não era só a filha do melhor amigo desaparecido do meu pai, ela era algo mais, pelo menos para mim.

Assim que atingimos o topo da colina, Shannon parou e pôs as mãos na cintura orgulhosa.

– Chegamos? – Eu disse meio incerto, já que o lugar não era nada mais do que o que aparentava ser.

– Sim! – respondeu com um sorriso entusiasmado, pena que eu não podia retribuir com um sorriso semelhante.

– FICOU MALUCA WADE? Me tirou da porra do hotel 3h da manhã pra congelar no topo de um monte de terra? Ah vai se foder! – lamento pela minha falta de delicadeza, mas naquele momento eu não estava nem sentindo meus dedos dos pés, então acho que eu tenho um certo desconto.

– Para de resmungar Owen, vem até aqui.

Caminhei pisando duro no chão, fazendo com que as botas afundassem três dedos na neve, apesar da minha cara feia, ela permanecia com o sorriso no rosto, mostrando os incisivos pontiagudos idênticos aos do pai. Assim que cheguei até onde ela estava, prendi a respiração.

Era um desfiladeiro imenso, com uma queda de incontáveis metros, dava direto para a rodovia diante de um dos lagos, que àquela hora, adquirira o tom escuro de alcatrão.

– É bonito não é? – ela se sentou no chão e deixou que as pernas balançassem na imensidão vazia entre a colina e o chão.

– Caralho, uma queda daqui e vai ser sorte se o corpo não chegar só uma sopa no chão. – Disse irritadiço e abraçando meu próprio corpo, já que a brisa ali parecia sólida e pontiaguda, de tão fria.

– Pra onde que você está olhando seu babaca? Anda senta aqui, você está olhando pro lugar errado!

– Errado? – ela então bateu na neve fofa ao seu lado e eu me sentei ali.

– Pare de olhar para o chão, olhe pra frente, olhe para o céu Owen! Não parece que se esticar a mão dá pra pegar uma estrela? – Um sorriso involuntário percorreu meu rosto.

– Desde quando você se importa com estrelas?

– Vai se foder! – ela disse sorrindo. – ta vendo ali na frente? Os três rios que contornam Madison se encontram ali e dali eles vão para o mar.

– Não consigo ver, está muito escuro!

A luz da lua não era suficiente para que enxergasse, eu sentia o cheiro da água corrente e via limitadamente um reflexo ou outro no brilho de breves ondas.

– Então escute! – Me puxou para trás e ambos deitamos na superfície gélida e alva da neve. Fechei os olhos e só então me dei conta de que estava muito cansado, com frio e com sono. – Não dorme Sanders!

– Está lendo meu pensamento ou coisa do tipo? – disse sem abrir os olhos, ela não respondeu – Diga-me Shay, por que estamos aqui?

– Eu estava curiosa pra saber como aqui ficava quando escurecia, mas não queria vir sozinha. Me desculpe por fazer você vir.

– Não precisa se desculpar, eu vim porque quis.

– Um dia eu vou pular daquela ponte, nadar ali, nadar até cair no mar. Quando eu cair no mar... vou parar de nadar e vou deixar a maresia me levar até Michigan.

– Você vai morrer afogada antes de chegar a qualquer lugar.

– Eu nunca disse que chegaria viva.

– Isso é maluquice! – ela não respondeu, abri meus olhos e virei meu rosto para fitá-la. – Os fios do cabelo começavam a se desprender da trança e a ficarem úmidos por causa da neve, os lábios haviam perdido a cor, assim como sua pele, seus olhos permaneciam fechados, quase como se ela estivesse adormecida. Talvez realmente estivesse. – Promete uma coisa pra mim Shay?

Os olhos dela se abriram e encararam os meus.

– O quê?

– Promete pra mim que vai viver.

Seu rosto se contraiu em uma careta de irritação e ela ergueu o tronco.

– Eu não posso Owen, eu tenho uma bomba fazendo tic tac dentro de mim! Eu prefiro morrer fazendo o que eu mais gosto do que ficar esperando pra morrer de um ataque cardíaco que me deixe com a cara roxa. Eu não quero viver com essa incerteza.

– Olha, eu não faço idéia do que você está sentindo, do quanto isso te causa dor. Não sei nada a respeito dessa confusão na sua cabeça, tenho um puta medo de morrer pra ficar pensando em me suicidar. A única coisa que eu sei... eu não quero que você morra. Pelo menos não antes de completar 85 anos.

Ela soltou um riso entristecido que fez com que outra nuvem de vapor morno se formasse diante de seu rosto, meneou negativamente a cabeça e não disse mais nada a respeito daquilo. Minha respiração começou a sair entrecortada, a proximidade do corpo dela estava me deixando um tanto excitado. Eu já havia ficado sozinho outras vezes com ela, mas agora tudo parecia diferente, ela estava mais sexy do que nunca.

Sem nem raciocinar muito bem, estiquei mais meu tronco, ficando com os olhos na mesma altura dos dela. Ela não os desviou, permaneceu os encarando, depois de um instante comecei até a achar que ela estava com a cabeça em outro lugar, mas não, era pra realmente para mim que ela estava olhando.

– Eu amo os seus olhos. São verdes e dourados ao mesmo tempo, como isso é possível?

– Eu te amo.

– O quê?!? – O que eu acabara de dizer?

– Eu te amo Shay.

– Você ama? – um sorriso hesitante se abriu em seu rosto, como se não acreditasse muito naquilo, mas no fundo desejasse que fosse verdade.

– N-não precisa dizer que me ama de volta e-eu...

– Eu não vou dizer. – disse isso com um riso que eu não pude decifrar, mas havia algo em seus olhos que me fazia acreditar que aquilo não precisava ser dito.

Antes que meu breve lapso de atrevimento se esvaísse, toquei meus lábios nos delas. Os meus provavelmente deviam estar gelados como pedra e tive medo de que ela fugisse, ou não correspondesse, mas ela superou minhas expectativas.

Esta foi a primeira vez que eu a beijei. Depois desse, vieram alguns outros poucos beijos, mas essa foi o mais memorável de todos.

– Vamos nadar!

– O quê?! Não pode estar falando sério! – sem nem olhar para trás ela saiu correndo rumo a descida da colina. Como eu disse, é meio difícil prever o que se passa na cabeça dela, então sai correndo e rapidamente a segurei pela cintura.

– Me larga Sanders!

– Não! Deixe pra nadar outro dia. Se for agora é capaz de morrer por hipotermia.

Com muita relutância consegui convencê-la a voltar, fomos caminhando até o hotel em que eu estava, acho que ela ficou com medo de chegar em casa àquela hora sozinha.

Quando passamos pela portaria do hotel, mais uma vez ela saiu correndo.

– Você não se cansa não é? – disse alto, mas tenho quase certeza de que ela estava longe demais para ouvir. Saí correndo também.

A encontrei alguns metros à frente, diante da piscina, se despindo.

Eu sei que eu devia ter feito alguma coisa, sei lá, dito para ela não pular na piscina àquela hora, ainda mais com a temperatura daquele jeito, mas eu meio que fiquei em transe.

A pele era tão clara e lisa, as curvas tão delicadas, talvez eu nunca tivesse visto alguém tão belo em toda a minha vida. Quando ficou apenas de langerie ela se virou para mim, os cabelos negros e longos cobriam os ombros e chegavam até logo acima da cintura.

– Vai ficar ai parado? – Shannon então, com uma graciosidade única de uma nadadora profissional, mergulhou sem mal fazer ruído na piscina. Provavelmente eu teria problemas com alguma ereção, hipotermia ou ambos se eu entrasse na piscina, mas não preciso nem falar do quão agradável foi aquele banho de piscina. Apesar de que fiquei resfriado depois, mas cada segundo foi extremamente delicioso. – Será que podemos fingir que você não me beijou lá na colina e darmos nosso primeiro beijo agora?

Eu estava tremendo tanto que meus dentes pareciam ter vida própria, a única coisa que me mantinha dentro da água era o contado do corpo dela no meu, ainda debaixo d’água mantinha seu calor natural. Seus braços em torno do meu corpo eram mais do que eu podia esperar dela, tanto carinho vindo justo dela. Nem parecia real.

– Por que você quer outro primeiro beijo? Aquele foi ruim?

– Não! É por que tudo fica melhor na água.

Dessa vez foram os lábios dela que vieram ao encontro dos meus, mais ousados, ela realmente queria aquilo, eu senti na força em que suas unhas se agarraram à pele das minhas costas. Segundo beijo da noite e eu definitivamente estava com uma ereção.

Me deixe fazer uma breve explicação, ela será necessária para que nenhuma ponta solta seja deixada para trás quando eu chegar ao fim da história. Eu e Shannon não moramos na mesma cidade.

A cidade de Madison fica no estado de Wisconsin, rodeada por três grandes lagos de água turva, de clima temperado e ao norte do país. Eu, em contrapartida, nasci no estado da Califórnia, onde minha família também nasceu. Huntington Beach, especificamente. O clima de lá é quente, a brisa é morna, a praia e o mar são os únicos pontos turísticos interessantes da cidade e necessariamente fica do outro lado do país. Mas o que um garoto de quinze anos faz no outro lado do país congelando os dedos dos pés?

Bom, meu pai e meus tios de música estão em turnê (sim, eles tem uma banda, um tanto famosa, aliás) e ás vezes eu gosto de acompanhá-los. Antes era por causa dos lugares novos que me deixavam extremamente curioso por conhecer, e trabalhar de roadie deles também era divertido, mas isso até eu conhecer Shannon. Digamos que, seria mais interessante explorar os lugares desconhecidos do corpo dela, do que de qualquer outra cidade.

Eu não penso em sexo o tempo todo, se é que está pensando nisso, mas bom, eu tenho quinze anos e uma garota linda na minha frente, é meio difícil de controlar essas coisas. Os hormônios, é claro.

Agora acho que sou obrigado a entrar na parte não tão legal da história. Se eu pudesse resumir tudo em uma única sentença, eu diria que eu fui o responsável por tudo de ruim que se sucedeu. Eu estraguei tudo, simplesmente por que eu sou um idiota. Eu como homem, sou obrigado a dizer que ás vezes deixamos a cabeça de baixo falar mais do que devíamos.

O problema real começou quando um dos guitarristas da banda do meu pai aceitou levar a sobrinha da esposa dele conosco em uma das viagens. Uma menina loira de quatorze anos chamada Amanda, Amanda Paulhus. Não vou desmerecer sua beleza, seus cabelos eram de um dourado lindo, os olhos eram de um azul cintilante e ela caminhava como uma bailarina, ereta, suave e minuciosamente perfeita. Durante toda a viagem no ônibus, fomos extremamente amigáveis um com o outro, talvez até um tanto mais do que devíamos, se é que me entende.

Era uma garota bela e esperta em um ônibus cheios de marmanjos de meia idade, então, ela se tornou minha melhor companhia durante a viagem. Também acho que não expliquei muito bem uma certa parte e me sinto na necessidade de fazê-lo agora. O pai de Shannon era o baterista da banda, melhor amigo de todos os outros integrantes, e desapareceu misteriosamente alguns anos atrás juntamente com a mãe dela. Hoje, Shannon mora com o pai de criação, o cara com quem a mãe dela se casou, e o irmão mais novo. Sempre que há alguma brecha na programação dos shows e estamos nas redondezas de Winsconsin, os caras da banda se sentem na obrigação de ir visitá-la. Naquela vez não foi diferente.

Um problema freqüente na maioria dos adultos é que eles pensam que o fato de possuirmos idades próximas, todos nós facilmente nos tornemos amigos. Mas o fato é que, isso raramente acontece e eles fazem questão de nos incluir em “atividades de adolescentes” para fortalecermos nossa “amizade”.

– Não é contra a lei a gente estar aqui? – Mandy segurou um tanto insegura no meu antebraço.

Não respondi, apenas lancei um olhar duvidoso para Shannon esperando que ela respondesse a pergunta.

– É totalmente contra a lei, se quiser pode dar a volta e ir embora. – Os olhos azuis de Shannon faiscaram como se fossem gelo azul, por um instante tive a impressão de que ela iria me agredir, ou pior, agredir Mandy e como se pudesse ler meus pensamentos, Joe, o irmão mais novo de Shannon, se colocou entre nós.

– Nós só vamos dar um mergulho e voltar, ninguém vem aqui nos fins de semana e a Shay tem as chaves. Não precisa entrar se não quiser.

Joe se referia à enorme e velha casa de banhos, um prédio que poderia ter sido azul no passado, mas agora apresentava apenas paredes descascadas e sujas. Era voltada para a prática de hidroginástica de idosos e por causa do frio da cidade, as piscinas contavam com um sistema de aquecimento ainda em bom estado, o que claro, deixavam Shannon louca para experimentar novos mergulhos.

Eu particularmente estava empolgado com a idéia de ver Shannon seminua em uma banheira de vapor, e a idéia de fazer algo contra as regras causava uma excitação diferente, uma vibração mesclada ao nervosismo. Amanda não sentia isso, era uma garota relativamente direita, doce, frágil, excelente aluna na escola, não bebia, não fumava e eu ousava dizer que Shannon a assustava. Não que Shannon não fosse uma boa garota, ela de fato era, mas ela era boa do seu próprio jeito.

– Se eu ficar aqui fora, você fica comigo Owen? – Os olhos de Mandy suplicavam para que eu também fosse possuído por sua boa atitude e me recusasse a entrar naquele lugar com os Wade, mas aquilo era mais forte do que eu.

Antes que eu respondesse, a enorme porta de metal do prédio se abriu com um rangido ensurdecedor. Shannon entrou sem nem sequer olhar para trás, Joe ainda ficou parado esperando minha atitude.

– Só levará um instante Mandy...

Como se entendesse o que eu queria dizer, Mandy abaixou a cabeça e caminhou quase tremendo na direção de Joe. Entrei por último e logo em seguida, Joe fechou a porta atrás de mim. Era uma piscina semiolímpica limpa e de um azul turquesa cintilante, Joe parou ao meu lado. Ele não era tão alto quanto eu ainda, mas era visível que ele crescera bastante desde a última vez que eu o vira, os cabelos negros cobriam as orelhas volumosos e lisos, com apenas leves ondas nas pontas, os olhos eram de um preto viscoso, cintilante e a íris parecia que engoliria a pupila em poucos instantes, ele estava tenso. Naquele momento aparentava ter muito mais do que onze anos.

– Está tudo bem Joe?

– Sim. – disse de maneira pouco convincente.

– Não precisa mentir pra mim man, somos parceiros lembra?

Soltou um suspiro pesado, como se algo o sufocasse por dentro.

– É a Shay...

– O que tem ela? – disse olhando rapidamente para Mandy para garantir que ela não estava ouvindo meu tom exagerado de preocupação.

– Ela está mais irritada do que o normal, eu tenho medo.

– Medo do quê?

Joe não respondeu, tirou a camiseta e o tênis e se jogou na piscina dando aquela conversa por encerrada. Caminhei a passos rápidos pela lateral da piscina em busca de Shannon, ainda não havia conseguido conversar direito com ela por causa de Mandy e algo dentro de mim dizia que essa irritação dela era minha culpa. Mas confesso que certa parte do meu ego ficava feliz com aquilo. Eram duas garotas e uma delas estava com ciúmes de mim.

– Owen? – mãos pequenas e mornas agarraram firmes em meu pulso. – Onde está indo?

– Agora não Mandy...

– Mas eu estou com medo de alguém aparecer, fica aqui comigo?

Suspirei fundo e cedi, os olhinhos dela pareciam assustados e eu devia aquilo ao menos até que ela se sentisse mais a vontade. Me sentei com ela na beira da piscina, deixando que a água morna tocasse até nossas panturrilhas. O calor suave e sutil da água lhe arrancou algumas risadinhas agudas e fez com que ela e agarrasse ainda mais a mim, recostando sua cabeça em meu peito e cantarolando alguma canção que eu não tinha muita certeza se conhecia.

– Eu gosto muito de você Owen, você é diferente e... e tão bonito. – disse com um risinho envergonhado, mas naquele momento minha cabeça estava em outro lugar.

– Você também é bonita Mandy.

O ruído de algo subindo no trampolim chamou minha atenção. Shannon. Os cabelos estavam presos e a tensão parecia ter desaparecido de seu rosto, claro, ela só via a água diante de si. O corpo alto e esguio parecia se atrair de um jeito anormal para a superfície translúcida, eram como dois ímãs magnetizados.

– Eu te amo Owen. – Me senti obrigado a encarar Amanda, talvez meus olhos estivessem mais arregalados do que deveriam. Eu podia dizer que ela estava ficando maluca? Antes de qualquer ação minha, Mandy beijou meus lábios afoita e eu simplesmente não pude evitar. – O som de algo batendo na água veio logo em seguida, afastei meus lábios com sutileza e olhei para a água. Shannon não estava mais ali. – Você também me ama?

Voltei meus olhos para Mandy novamente e simplesmente não consegui ser honesto. Isso é possível? Ter medo de dizer o que realmente pensa apenas para não magoar alguém que você nem se importa de verdade? Acho que sim.

– Sim, eu também te amo Amanda. – aquelas palavras pareciam tão sujas saindo da minha boca, mas o pior foi o empurrão que atingiu minhas costas como uma adaga de aço e me derrubou na água morna da piscina. Pude vê-la se afastando enrolada em uma toalha, com a cabeça erguida e cenho franzido de ira, seus olhos de fogo azul cintilaram para mim mais uma única vez e depois.

– SUA MALUCA! NÃO PODE FAZER ISSO! – Amanda gritava histérica para Shannon, que nem sequer deu ao trabalho de lhe dirigir o olhar.

O caminho de volta da piscina foi silencioso como a morte.

– Acho que serve em você – Joe me atirou uma bermuda e uma camiseta de uma banda qualquer. Para minha sorte ele usava roupas largas que se ajustavam bem em meu corpo, bem maior e mais largo do que o dele.

– Obrigada.

– Você estragou o passeio.

– Eu?

– Você é tão babaca!

Ótimo, agora um garoto de onze anos estava me dando bronca. Eu no fundo não estava me sentindo mal, eu estava me sentindo... disputado? Era uma sensação engraçada.

Quando acabei de me trocar e sai do quarto, notei que a porta do quarto de Shannon estava entreaberta. Um sorriso malicioso se abriu em meu rosto e como Amanda estava lá embaixo, ela não ouviria nada.

Abri a porta e vi que Shannon estava deitada, coberta com lençóis. A tarde se acabava agora, o céu se escurecia aos poucos, mas ainda assim era cedo para dormir. Fechei a porta atrás de mim e caminhei a passos silenciosos até a cama.

– Shay? Será que podemos conversar? – nenhuma resposta, mas pude ouvir o som de sua respiração como se estivesse cansada, uma respiração rápida e aflita. – Sobre o que ouviu hoje... eu não quis mesmo dizer aquilo pra Mandy... Eu já disse aquilo uma vez para você não é? Pra você foi verdade, você sabe que foi. A Mandy é só uma fedelha, ela não é como a gente... eu só disse aquilo por que eu não queria magoá-la, eu... – a respiração parecia mais forte e mais rápida, parecia sufocar. – Está tudo bem?

Me aproximei das cobertas e as puxei, imediatamente um pequeno vulto castanho avermelhado agarrou meu braço com os dentes de maneira feroz. Wolfie.

Algumas pessoas têm cachorros de estimação, alguns preferem gatos, pássaros, os mais ousados até mesmo lagartos, mas Shannon tinha uma raposa. Uma velha e bipolar raposa.

Soltei um grito e agitei o braço fazendo com que o bicho voasse para cima da coma e soltassem um rosnado feroz. Não havia nada na cama além da raposa e alguns travesseiros posicionados de maneira estratégica.

Sai correndo em direção a saída do quarto sendo seguido pela raposa e assim que abri a porta, me deparei com Amanda, estática diante da porta e com os olhos marejados. Ela havia ouvido o que eu disse.

– Amanda...ARG!! – Wolfie cravou os dentes mais uma vez, agora nas minhas pernas, o que fez com que Amanda saísse correndo escada abaixo. Praguejei em voz alta e chutei a raposa. O pai de criação de Shannon logo apareceu para ver o que estava acontecendo.

Ao ver a raposa em posição ofensiva, Samuel Jones, se colocou entre nós dois e com um pouco de relutância, conseguiu pegá-la.

– Ela te machucou Owen? – Sam disse preocupado, ambos os lugares que ela havia mordido sangravam e latejavam de dor, mas havia outra preocupação em minha mente agora.

– Um pouco, onde está a Shannon, Sr. Jones?

– Onde? No quarto dormindo, não está? – girou em torno de si mesmo e viu o quarto vazio. – Ah não de novo não.

Antes que ele mobilizasse todos na casa para ir em busca de Shannon, eu apenas sai correndo dali, o mais rápido que eu podia. Eu tinha um palpite de onde ela estaria e não era algo bom.

Por isso eu corri. Mesmo sendo mais sensato chamar o pai dela e seguir de carro até lá, depois de correr o primeiro quarteirão me dei conta de que minhas pernas não dariam conta de mais três daqueles, minhas vias respiratórias pareciam queimar com o ar que eu puxava quase com agressividade para retomar o fôlego, mas mesmo assim eu continuei correndo. A mordida da raposa na minha perna deixava um sutil rastro avermelhado de sangue a medida que eu seguia em frente, ela ardia e pinicava de dor, assim como a mordida no braço.

Cheguei à ponte com meus pulmões pulsando, se chocando contra meu peito e implorando por mais um pouco de ar. Quase achei que ia desmaiar no chão exausto, mas eu não podia, não agora. Caminhei rápido pela ponte olhando o tempo todo para a água, esperando pelo pior, mas torcendo que eu estivesse enganado. Já havia escurecido e as chances de eu vê-la eram microscópicas, por causa disso, quando dei por mim eu já estava gritando. Gritando por seu nome com toda a força dos meus pulmões, sentindo minhas cordas vocais rangerem incomodadas, deixando minha voz rouca sair até mais limpa do que o normal. Eu gritei por ela. Até cair de joelhos exausto contra o parapeito da ponte, sentindo a brisa gelada arder em meus machucados e um leve torpor começar a tomar conta do meu corpo.

– Que caralhos veio fazer aqui Owen?

Levantei meus olhos quase sem forças, era mesmo ela. Estava de pé, usando bermudas jeans que deixavam seus joelhos pálidos a mostra, tênis, um moletom cinza claro e com os cabelos completamente soltos, dançando inquietos ao vento. Ela estava tão bela que até doía, ou eram os machucados, sei lá.

– Você está viva!

– Sim – disse arqueando as sobrancelhas como se eu tivesse dito a coisa mais estúpida do universo. – Não respondeu minha pergunta, o que veio fazer aqui?

– Vim atrás de você – me coloquei de pé com muita dificuldade, de repente parecia que meu corpo pesava uma tonelada. – Fui falar com você e de repente você ficou ruiva, peluda e dentuça. Acho que seu pai também deve estar louco por que você sumiu a essa hora.

– Não está não, ele me ligou e eu disse onde estava.

Apertei os olhos e abaixei a cabeça, agora sim eu estava parecendo um idiota.

– Eu pensei que... eu pensei que fosse se matar.

– Por que eu me mataria?

– É que naquele dia você disse aquela coisa da água e morrer... Depois do que aconteceu hoje eu pensei que...

– Você achou que eu me mataria por que você jurou seu amor barato pra uma pentelha? Ah pelo amor de deus Owen. Eu tenho pelo menos uma dúzia de motivos maiores pra me matar do que a sua babaquice.

– Me desculpa... – eu realmente podia falar uma porção de coisas melhores e mais efetivas do que um simples “me desculpe”, dois anos depois desse evento eu consegui pelo menos trinta frases melhores do que esse “me desculpe” ridículo, mas naquela hora minha mente parecia vazia, eu tinha ficado completamente retardado em segundos. – Eu não devia ter dito aquilo pra Amanda eu...

– Me poupe de suas desculpas Owen, você tem quinze anos, ainda vai jurar amor pra pelo menos mais quinze garotas.

– Você não está zangada comigo?

– Sim, mentalmente eu já atirei na sua testa umas trinta vezes. Eu quase acreditei que você não era um babaca, quase.

– E eu não sou!

– Você é sim... eu quase amei você Owen. Mas isso foi bom para que eu visse que não tem nada de diferente em você. E aquela menininha realmente gosta de você, devia pelo menos ser honesto com ela.

Soltei um suspiro longo, eu havia conseguido foder com os sentimentos de Mandy também.

– Eu amo você Shannon.

– Você tem idéia do quão vazio isso soa agora? Você é só um garoto estúpido que não faz a menor idéia do que é o amor, nem sequer sente isso.

– E você sabe? Você é gelo puro Shannon, eu mal vejo você demonstrando carinho com alguém que não seja o seu irmão.

– Cala a sua boca!

Deixei que meus olhos encarassem os olhos de fogo azul dela por mais uma vez.

– Só por curiosidade... quais são seus sentimentos por mim agora?

– Eu te odeio Owen, eu quero que você morra.

Olhei para o seu rosto procurando algum sinal em sua expressão que contrariasse suas palavras, mas não havia nada que eu pudesse ter certeza. Meu ego já havia sido estúpido demais para que eu me desse ao luxo de desacreditar nela.

Voltamos para casa no mais puro silêncio, eu mancando e gemendo pela dor que enfim eu começara a sentir de verdade, Shannon ouvindo música e cantarolando, algo que eu reconheci ser do Papa Roach.

Depois disso, nossa relação nunca mais foi a mesma, ela evitava até ficar no mesmo ambiente que eu, e desde aquele dia, eu nunca mais jurei amor a nenhuma outra garota, na verdade nem tive uma relação com alguma garota que passasse de uma noite.

Diferente de Shannon, o perdão de Amanda veio mais fácil, mas eu não me sentiria bem em ter qualquer coisa com ela outra vez. Pra ser sincero desde aquele dia eu passei a me achar um grande babaca de todas as maneiras.

Shannon continuava a mesma, nadando em águas profundas e até pulando daquela mesma ponte em que eu a encontrara um dia, mas diferente do que ela havia dito a mim naquele dia de nevasca, ela nunca nadou em direção ao encontro dos três rios, sempre voltou à margem.

Eu gosto de pensar que enquanto ela ainda nadar para a margem, ainda há esperança de que um dia eu faça a coisa certa e ela se sinta livre pra me quase amar outra vez.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Qualquer comentário é bem vindo.
Beeijos *u*