My Happy Pill escrita por Gabby


Capítulo 42
Capítulo Especial IV: Loly


Notas iniciais do capítulo

Lamento pela demora, porém estou aqui com mais um capítulo e espero que gostem! Agradecimentos a Alessandra, Nana e Miih Chan. Peço para que todos que lerem, deixarem suas opiniões. Observações, perguntas, críticas construtivas e, se eu merecer, elogios.



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O carro do seu pai a esperando. A caminhonete vermelha descascada, um cervo na caçamba. Ele olhou fixamente para ela, o bigode farto e preto roçando seu lábio superior. Vamos, Loly. Eu não vou precisar buzinar, vou?

Loly caminhou abraçando os seus cotovelos até o carro. Uma garota esbarrou nela. Cabelos pretos, magra e alta. Sua amiga, Yoko. Despediu-se dela; disse que a veria segunda-feita na escola. O primo de uma amiga fizera uma festa e a convidara. Entrou no carro. Não olhou para seu pai. Ela estava brava com ele, pois ele viera a buscar cedo demais. Nove horas e meia da noite. Ela não aproveitara nada da festa.

Bateu a testa na janela do carro, vendo a cena continuar, embaçada. A bela casa do primo de sua amiga. Cor creme. A grama verde e macia. Tarde da noite, algum casal que usara ectasy deitaria na grama, daria um amassos, mas seria interrompido por um bêbado que vomitaria lá também. Essa graciosa vida noturna, que Loly imaginava, mas nunca de fato vira.

Percebeu que o seu pai ainda não movera o carro. Olhou para ele. Ele acelerou o carro, nervoso.

— Não faça essa cara, Loly. — O pai dela fez uma careta. — Pra mim, cara feia é fome.

Loly cruzou os braços e bufou, revirando os olhos. Estava com catorze anos e nem ficar numa festa depois das 10 da noite podia! Nunca nem dormira na casa de uma amiga. Virou a cara.

No final da trajetória, olhou de lado para seu pai. Só com o canto do olho. Ele estava distraído, pensando muito além da estrada. Olhos cinzentos, nevoados e misteriosos. Os conhecia bem. Talvez pensasse em alguma coisa do trabalho — era corretor de imóveis. Sua mãe era enfermeira. Juntos, ganhavam o suficiente para viver uma vida confortável.

Ele parou na frente da casa, mas não entrou.

— Loly, o pai vai sair um pouco — avisou.

— Por que você pode sair a essa hora e eu não?

— Porque eu sou um homem adulto — retrucou. — Avise a sua mãe que posso demorar. Tive um problema em uma casa á venda; parece que algum adolescente idiota pichou o interior.

— Ok.

Loly saiu do carro. Quando estava prestes a fechar a porta, seu pai falou.

— Loly, amanhã vou te ensinar a caçar coelhos.

Loly sorriu tortamente.

— Ok — balbuciou e fechou a porta do carro.

///

Sábado. Um dia depois da festa. Sua mãe lavava a louça do almoço, o rosto redondo e ruborizado, o cabelo com luzes. Ela não se parecia com Loly. Só o nariz. Mas todo o resto de Loly parecia com a família de seu pai. A personalidade dela se assemelhava mais à dele também.

Ela dormira antes de ver seu pai chegando ontem de noite. Hoje, ele tinha um cliente e saíra de manhã. Sua mãe havia ficado brava.

Ela cruzou as pernas envoltas numa legging preta, os coturnos pesando em seus pés. Fechou o casaco de moletom até o pescoço. Estava frio. Esperava seu pai para caçar uns coelhinhos para o jantar. Desde os doze anos era tradição. Talvez porque seu pai não tinha um filho homem. Os dois eram muito próximos e ela fazia de tudo para agradá-lo. A filhinha do papai. Que adoraria atirar em um cervo.

— Bem que você podia me ajudar a lavar essa louça — retrucou sua mãe. — Já está moça. Deveria fazer isso, em vez de caçar animais. Seu pai a estraga.

Loly fez uma careta, mas não falou nada. Sua mãe não entendia o laço que tinham. Não era ele quem a estragava.

Pegou o jornal jogado na mesa, para se distrair em quanto seu pai não chegava. Na primeira página, uma grande foto de cena do crime, as fitas amarelas, perícia, um corpo estendido ao fundo.

O ESTRANGULADOR RETORNA

Nozomi Chang foi a próxima vítima.

Yoshi Matsumoto, 17, voltava da escola pelo acostamento da rodovia quando algo chamou-lhe atenção. Ele encontrou Nozomi Chang, de apenas 15 anos, morta nos limites da floresta. Ela é a quarta vítima de um assassino sádico, que estrangula garotas de 13 a 16 anos.

“Não há vestígios de abuso sexual, como nas outras vítimas. Não se trata de um pedófilo, embora o estrangulamento sugira que é pessoal. Talvez trata-se de um conhecido, ou as vítimas podem significar algo para o assassino, substituir o verdadeiro alvo da raiva.” Disse a psicóloga forense que presta consultoria no caso, Dra. Ami Yamamoto. As vítimas são semelhantes em fisionomia, apresentando a mesma cor de cabelos, idade e estrutura física semelhante.

Na última vez que Nozomi foi vista, ela saía da casa da amiga e colega de escola. Iria pegar o ônibus para voltar para casa, porém não há certeza de que de fato ela o pegou. O assassino pode ter sequestrado-a no caminho.

Loly parou de ler quando ouviu o barulho do carro de seu pai. Correu para fora de casa, gritando um tchau para sua mãe. Entrou no carro, cumprimentou seu pai com um beijo no rosto.

— Vamos caçar uns coelhos hoje, então? — ele perguntou, sorrindo.

Loly Airvine também sorriu.

///

As folhas alaranjadas caíam em seus rostos. A floresta em que sempre caçavam. O barulho das galochas de seu pai tão familiares.

— Ei, essa não é a floresta onde encontraram àquelas meninas mortas? — Loly perguntou.

— É, mas não se preocupe. Foram encontradas bem longe daqui. — Ele abaixou a cabeça.

— Uma pena — ela cantarolou. — Confesso que adoraria ver as cenas do crime.

Loly correu, pisando nas folhas secas com o coturno, o barulho a acalmando. Não que tivesse algo contra as garotas, ou algo á favor do assassino — esse porco sádico —, mas era tomada por uma curiosidade de todo adolescente.

Seu pai correu atrás dela.

— Não diga isso, Loly.

Podia imaginar o assassino. Um fracassado de quarenta anos, solitário, carente e patético.

— Você me deixa atirar? — ela perguntou.

— Não.

///

Gostava do som da arma disparando. O cheiro da pólvora. O coelho caindo. O sangue. Lembrava-a quando ela se machucava e sua mãe passava um algodão com álcool na ferida, o branco manchado de vermelho.

Depois, vinha aquele corpo mole e sem vida que ela segurava até entregar ao seu pai. Ele, por sua vez, tirava as tripas, a pele, o colocava ao avesso, como se seu pêlo e pele fossem roupa. O lavava. Sua mãe o cozinhava. E todos o comiam na mesa, em família. A morte unia mesmo as pessoas.

///

Yoko faleceu. Estrangulada. Desovada perto das outras. Loly soube pelo jornal televisivo. Viu a foto da amiga, depois ouviu o que a acompanhou. Começou a chorar. Seu pai segurou seu ombro, sua mãe tocou seu rosto, a sussurrou palavras calmas, reconfortantes e sem significado.

///

Os pais dela choravam o tempo todo. A mídia extraía toda declaração. Caixão preto, fechado. Loly nunca mais viria sua amiga. Esse pensamento retorcia seu estômago.

A mãe dela estava chorosa demais para apresentar algumas palavras, então foi o hesitante pai dela que falou, a voz tremendo, com pausas grandes para tentar conter as lágrimas. Seu pai saiu no meio do discurso; sua mãe ficou brava com ele.

Tudo estava florido e luminoso demais para o gosto de Loly. Enfeitar tanto a morte de alguém parecia desrespeitoso. Sol, flashes das câmeras, tulipas, bebida. Aquilo não era uma festa, o caixão não era uma alegoria e Yoko não era uma desculpa para as pessoas aparecerem, em seus trajes elegantes.

Seu pai ficou em um canto, olhando de esgueira o caixão de Yoko. Fixamente. Pelo menos ele se lembrava do verdadeiro motivo de estarem aqui.

Uma mulher de calça social começou a falar com ele. O ofereceu um sorriso pequeno e educado, apropriado à situação, e uma bebida. Começaram a conversar. Um grupo de homens os observava.

Loly ouviu falar que os federais estavam no caso e não pôde deixar de sentir certa alegria. Talvez eles prendessem o desgraçado que fizera isso a sua amiga.

///

UMA NOVA PISTA NO CASO DO ESTRANGULADOR

Foi encontrado DNA nas unhas de uma das vítimas

O relatório do legista sobre Nozomi Chang, quarta vítima do estrangulador que aterroriza nossa cidade, chegou às mãos da polícia. Nozomi possivelmente arranhou o assassino. Sua pele, portanto seu DNA, foi encontrada nas unhas dela.

“Nozomi era guerreira” disse sua mãe, chorosa. Ela está esperançosa de que o esforço de sua filha não tenha sido em vão e o DNA ajude a capturar o assassino. “Ninguém mais merece passar por isso”

A polícia compara a amostra com as do banco de dados. A cidade está esperançosa de que haja um correspondente.

///

Uma batida na porta de casa. Loly a abriu.

Um homem e uma mulher. A mulher era loira, bonita. Loly já a vira no funeral de sua amiga, falando com seu pai. O homem era alguns anos mais velho do que a mulher, com o queixo quadrado e a barba por fazer.

— Polícia federal. — O homem mostrou o distintivo. Tinha a típica cara de tira.

— Podemos falar com seu pai? — indagou a mulher, com um pouco mais de leveza.

///

O choque. O mandado de prisão. O DNA encontrado nas unhas de Nozomi Chang era de seu pai. Ele era o estrangulador. Sempre fora. Loly só queria saber o por quê, mas seu pai se recusara a dizer. Certa vez, ligara a televisão no telejornal e ouvira aquela mesma mulher loira que aparecera na sua porta falar.

— Todas as vítimas eram garotas de treze a dezesseis anos, a idade aproximada de sua filha. Cabelos escuros, magras. — Os microfones de vários canais balançando. Ela olhando firmemente para a câmera, os cabelos loiros repartidos. — As vítimas estavam substituindo quem ele verdadeiramente queria matar: sua própria filha.

Sua mãe arrancou o controle de sua mão e desligou.

///

Ela ficou durante semanas no quarto. Mesmo que quisesse sair — o que não queria — seria muito difícil. Dezenas de repórteres, esses sanguessugas, acampavam lá fora, prontos para tirar alguma foto, arrancar alguma declaração dela e de sua mãe. Pessoas berravam insultos sempre que ali passavam. Certa vez, no meio da noite, ela acordou com um barulho. Garotos pichando, em vermelho, em sua casa:

SERIAL KILLER’S BITCHES

Ela chorou até suas lágrimas se esgotarem.

///

Sua mãe se matou na banheira. Cortou os pulsos e deixou o sangue escorrer, se misturar com a água, transbordar e sujar o piso.

Loly foi quem a encontrou. Ela desmaiou no piso de azulejos do banheiro. Esperou que aquilo tudo fosse um sonho, mas quando acordou sua mãe ainda estava lá, pálida, nua e ensanguentada.

Loly correu para chamar ajuda. Abriu a porta de casa, mas recuou com os flashs dos repórteres.

Ela virou primeira página. Aquela linda garota, filha de um assassino em série, com o sangue da mãe manchando sua roupa. Nunca seria adotada.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi meio fortinho, mas espero que tenham apreciado. Vocês podem ter mais ou menos uma base de porque Loly é assim. Enfim, quaisquer erros, me desculpem.