Into Your Arms escrita por AnaSabel


Capítulo 41
Capítulo 40




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A carta que eu já havia lido quatro vezes ainda pesava no bolso de trás de minha calça jeans. Eu não sabia por que a estava levando quando entrei em meu carro e parti para o Soulard Neighborhood encontrar Lincoln e Steve. Lincoln havia achado o papel cuidadosamente dobrado no quarto de Andrew e me entregara. Eu ainda lutava contra as lágrimas mesmo já tendo decorado cada palavra que nela dizia.

Eu não me permitia chorar. Tinha medo do que aconteceria se o fizesse. No dia seguinte da morte de Andrew, há uma semana, tia Rose chegou de viagem e me encontrou no canto do quarto, sentada no chão tomada por soluços com a carta na mão. Não chorava, no entanto também não sorria. Não havia razão para fazê-lo. Eu não tenho ninguém agora. Eu não tenho Andrew.

Nessa manhã fui visitar Dave, ainda humano por algum milagre, porém com a quantidade de sangue que havia perdido, ficou internado no hospital, reclamando da comida e tentando dizer algo que me alegrasse um pouco. Sem sucesso.

Segui pelo conhecido caminho coberto de árvores, agora apenas com galhos secos, parecendo dedos esqueléticos e sinistros. Virei na esquina e no começo da rua já pude avistar a casa grande com a péssima cor cinzenta. Agora eu realmente a temia. Uma sensação angustiante tomou meu corpo quando parei na frente dos portões de ferro. Tinha medo do que aconteceria quando atravessasse a porta. Tinha medo das lembranças trancadas dentro daquelas paredes.

Atravessei o jardim e depois de bater na porta de madeira escura, entrei na casa. Eu lembrava o meu deslumbre ao vê-la pela primeira vez. Agora, mesmo com a conversa de Steve e Lincoln, estava silenciosa demais e fria como nunca havia sido.

– Oi Lissa. – disse Lincoln.

Eu me aproximei dos dois até a sala e os cumprimentei. Encaramos-nos por alguns segundos.

– Eu estou deixando a cidade. – disse Lincoln, finalmente. – Por isso a chamei.

Olhei para ele surpresa.

– Isso parece ótimo.

Lincoln assentiu.

– A casa é grande e se tornou ainda maior nos últimos dias.

– Entendo. – falei.

– Vamos ajudá-lo a encaixotar as coisas. – era a primeira vez que Steve falava. Estava quieto e tampouco sorria.

– O meu quarto já está vazio. Pode escolher qualquer outro lugar.

– Vou ficar com o quarto dele. – falei, sem hesitar.

– Tudo bem. Eu não entrei lá desde... – Lincoln pigarreou. - Enfim, ainda não sei o que faremos com as coisas de lá, pode simplesmente jogar nas caixas. Se quiser algo, pode pegar.

Peguei três caixas grandes e subi os degraus, sem conseguir enxergar exatamente onde pisava. Quando parei na frente da porta, considerei largar tudo ali e ir embora correndo, porém minhas mãos tocaram a maçaneta fria e a entrei no quarto lentamente. Senti como se um soco atingisse meu corpo e recuei instintivamente, as caixas caindo de meus braços. Havia o cheiro dele por toda a parte. Eu inalei repetidas vezes, tentando me acalmar.

– Não chore. Não chore. – sussurrei.

O sótão estava exatamente como da última vez que o tinha visto. Livros entulhados por todos os lados, a escrivaninha coberta por anotações e rabiscos, e a cama ainda se encontrava desarrumada. Por um momento, achei que Andrew entraria pela porta, colocaria as mãos em minha cintura e repousaria seus lábios em meu ombro. Eu esperei. Mas nada aconteceu.

Considerei não mexer em nada que havia ali. Queria manter tudo com o toque dele. Porém abri as janelas compridas com vista para a floresta, deixando os feixes do sol da tarde entrar no quarto, junto com uma leve brisa quente.

– Acho que você gostaria que eu arrumasse essa sua bagunça, não é? – murmurei para o nada.

Peguei uma caixa de papelão grande do chão e tirei a velha decoração da escrivaninha e do criado mudo. Antes de descartar os papéis que havia nelas, li cada um, todos sem importância.

– Você deveria ter jogado esses rabiscos fora. – falei. - Tenho pena de Lincoln.

Deixei os porta-retratos separados, sem saber com o que Lincoln gostaria de ficar. Enrolei o tapete grosso do chão e o coloquei em pé em um canto. Recolhi a coberta e peguei seu travesseiro, sentindo o cheiro e o calor dele ainda mais forte. O larguei rapidamente, junto com o lençol. Depois, arrumei o banheiro, tirando as toalhas esquecidas e colocando os outros utensílios numa caixa. O closet demorou mais. Havia tantas coisas, tantas lembranças. Todas foram para a caixa, exceto um moletom cinza - que pude notar ser recém-usado - e o amarrei na cintura.

– Eu amava quando você usava isso. – sussurrei, olhando a jaqueta de couro preta. Dobrei-a colocando por cima das outras roupas.

Quando voltei ao quarto, restavam apenas leves feixes laranja no céu já escuro. O quarto estava praticamente vazio, só sobraram os livros nas prateleiras. Isso demoraria mais um tempo, levando em consideração quantos havia espalhados. Subi na escravinha e retirei todos os que estavam esquecidos lá com uma grossa camada de poeira os cobrindo. Eram muitos antigos, com as páginas amareladas e as capas marcadas por xícaras de café. Coloquei os livros empilhados em outra caixa e ao chegar no último da prateleira meu coração parou por um segundo.

“O Morro dos Ventos Uivantes” era o que estava escrito, a primeira edição de 1847. Eu observei a capa escura linda, com os traços antigos e pela lateral vi uma página marcada. Eu a abri e li o trecho grifado.

“Se olho para essas lajes, vejo nelas gravadas as suas feições! Em cada nuvem, em cada árvore, na escuridão da noite, refletida de dia em cada objeto, por toda a parte eu vejo a tua imagem! Nos rostos mais vulgares dos homens e mulheres, até as minhas feições me enganam com a semelhança. O mundo inteiro é uma terrível testemunha de que um dia ela realmente existiu, e eu a perdi para sempre.”

Engoli em seco. Andrew e eu havíamos compartilhado esse trecho na primeira vez que ele foi à minha casa há quase um ano atrás. Era torturante como tudo agora se encaixava. Fechei o livro bruscamente, porém não o coloquei na caixa junto com os outros. O joguei em cima da cama.

– Ei, você já acabou com isso?

Steve estava encostado na soleira da porta, observando enquanto eu retirava os últimos livros da escrivaninha a deixando completamente vazia.

– Estou terminando. – murmurei.

– Está bem. Eu vou levando essas para baixo. – disse.

Assenti e empurrei as caixas para fora do quarto, enquanto Steve as levava. Quando não restava mais nada, nós entramos no cômodo completamente vazio.

– Acho que você se esqueceu de olhar um lugar.

Steven caminhou até a cama e se agachou. Lá debaixo, ele tirou uma grande caixa marrom clara decorada.

– O que é isso? – perguntei.

Ele sentou-se no chão e fui ao lado dele com a caixa em nossa frente.

– Coisas ainda mais antigas do que tudo que tem nesse quarto. Tinha. – falou Steven, retirando a tampa empoeirada.

Dentro havia fotos coloridas borradas e algumas em preto e branco ainda, pequenos objetos de madeira que não soube identificar e cadernos de couro com tiras amarradas ao seu redor. Eu peguei um deles na mão e o analisei.

– O que há neles? - perguntei.

– Pensamentos de Andrew, erros que ele cometeu no passado, coisas sobre sua humanidade, sobre Brooke e provavelmente sobre você. – ele remexeu nos vários cadernos que havia. - Deve ter um para cada ano ou algo assim.

– Como você sabe de tudo isso?

Steve pigarreou.

– Ele me contava na maioria das vezes, mas eu li alguns escondidos também.

Eu observei a capa em minha frente. Comparado aos outros, este parecia o mais novo e inteiro.

– Você quer lê-lo? – indagou Steve.

Avaliei o objeto em minhas mãos coberto por palavras dos pensamentos de Andrew que tantas vezes era a minha maior curiosidade. Era tentador, porém lembrei-me da carta em meu bolso.

Neguei com a cabeça.

– Acho que tudo que ele queria que eu soubesse, eu já sei.

Steve assentiu e colocamos os cadernos de volta a caixa. Ele retirou uma pequena pilha de fotos que havia em um canto e ao vê-las, sorriu pela primeira vez no dia. Eu me aproximei dele, sentando ao seu lado, encostada na cama. Curvei-me em sua direção, observando as imagens que segurava.

– Não me diga que isso é você e Andrew. – apontei para a sequência de fotos antigas.

Steven assentiu e não pude deixar de soltar uma leve risada.

– O tempo faz bem para todo mundo. – murmurei.

Apesar dos dois nunca terem envelhecido, nas fotos tinham uma aparência muito mais jovial devido às roupas da época e o corte de cabelo.

– A década de 80 não está entre as minhas preferidas no quesito aparência. – disse. Steve sorriu novamente e guardou as fotos.

Ficamos em silêncio por alguns minutos.

– O que vamos fazer com isso? – perguntei.

Steve deu de ombros, soltando um suspiro pesado.

– Não sei. – confessou. – Vou levar lá para baixo.

Nós levantamos do chão e peguei o livro jogado na cama. Seguimos até a porta, Steve carregando a caixa nos braços, porém antes de eu passar pela porta, hesitei. Steve olhou em minha direção.

– Ham... Você quer um tempo sozinha?

– Seria bom. Obrigada. – sussurrei.

Vi ele atravessar o corredor e descer as escadas. Virei-me dando de cara com o quarto abandonado. Fechei as janelas e as cortinas, e me encontrei completamente sozinha na escuridão. O livro estava tão preso em minha mão direita que as paginas finas poderiam virar pó ali mesmo. Eu me aproximei e meus dedos correram levemente pela beirada da cama macia e agora vazia. Fechei os olhos, enquanto a dor calejava meu corpo e feria minha alma.

Assim, com os olhos fechados, era como quando eu me deitava em minha cama à noite. Eu tentava manter a mente limpa, porém em vez de se tornar mais fácil com o tempo, a cada dia havia uma nova lembrança para açoitar meus pensamentos. Ele parecia estar em todos os lugares, em toda parte, em qualquer direção que eu olhava. Eu ainda conseguia ver com perfeita clareza o tom verde líquido dos seus olhos. A maneira como me olhava. Às vezes, ouço sua voz sussurrando em meu ouvido e ainda sei o exato timbre grave de sua risada. O jeito como o canto da boca se erguia quando sorria. A sensação do toque de seus dedos - quente e macio – em minha pele. Quando achava algo engraçado eu olhava para compartilhar com ele, apenas para me surpreender com sua ausência.

Lembretes dolorosos do passado recente.

O amor é irracional, lembrei a mim mesma. Eu estava proibida de lembrar, mas tinha medo de esquecer. Tinha medo que minha mente fosse como uma peneira, e que algum dia todas as memórias dele passariam por ela. O custo disso era uma entorpecência que não acabava nunca. Afinal, de quantas maneiras um coração pode ser despedaçado e ainda continuar batendo?

Abri os olhos. Caminhei sem hesitar, e fechei a porta lentamente, tendo um último vislumbre do quarto de Andrew.

No andar inferior, tudo já estava encaixotado. O barulho de meus sapatos no assoalho ecoava pela sala vazia, apenas os móveis maiores restavam. Nós encaramos as caixas com as coisas de Andrew por um longo momento.

– Eu posso dar um jeito nas roupas e peguei uma foto ou outra, mas não sei o que fazer com o resto. – disse Lincoln.

– Não há mais nada aqui que queremos, certo? – perguntei.

Lincoln assentiu, porém Steven pegou as fotos antigas que estávamos vendo antes.

– Certo. – respondeu, as colocando no bolso do casaco.

– Okay. Eu tenho uma ideia.

Peguei uma das garrafas de whisky guardada, colocando-a embaixo do braço e o fósforo que ainda estava ao lado da lareira. Peguei uma das caixas com as coisas que havia no quarto de Andrew e a arrastei pela varanda até o jardim. Despejei tudo na grama úmida e abri a garrafa de bebida.

– Lissa, o que você está fazendo? – perguntou Steve da varanda. Lincoln ainda estava na sala me observando, um pouco pasmo.

– Se não quiser nada, traga as outras caixas. – foi a única coisa que eu disse.

Ele considerou por alguns segundos, então voltou para a sala. Logo depois, Steve apareceu com outras três caixas e outra garrafa de bebida. Lincoln apenas nos encarou da varanda.

[ouçam: Photograph]

Derramei o whisky sobre a roupa de cama, o travesseiro, os livros, rabiscos e em cada objeto que Andrew havia um dia tocado. Tomei alguns goles da bebida forte que rasgou minha garganta antes de acender o fósforo e jogá-lo. O fogo engoliu tudo com uma labareda longa e laranja viva, transformando tudo em cinza, pó e nada. Assim como Andrew era agora. Foi Steve quem jogou os cadernos de couro, um por um, palavra por palavra, todos tomados pelo fogo insaciável.

Eu alcancei a outra caixa, porém aquela não era das coisas que havia em seu quarto e sim, na varanda perto do velho sofá com armação de madeira escura. Eu joguei os outros livros no fogo e no fundo da caixa vi uma pequena foto de Andrew e Brooke; a mesma que sempre esteve entre seus velhos livros. Eu a encarei e depois a atirei no fogo, junto com garrafa em minhas mãos, com força. As labaredas flamejaram e se tornaram ainda mais forte. A fumaça grossa subia em direção ao céu; tinha um cheiro forte e pesado demais.

– Lissa, - sussurrou Steve. – eu não queria deixá-la sozinha, mas preciso ajudar Lincoln.

– Pode ir, já estou indo.

Steve sumiu dentro da casa, levando as outras coisas para o carro. Lincoln apareceu ao meu lado e suspirou.

– Eu estou indo embora, Lissa. – murmurou.

Virei-me em sua direção e ele me abraçou subitamente.

– Foi bom ter você, mesmo por pouco tempo, em nossas vidas. – falou.

– Obrigada Lincoln.

Ele pigarreou, e pelo tom de sua voz, percebi que estava lutando contra as lágrimas.

– Não quero tornar as coisas mais difíceis pra você – disse – mas, você fez dele um homem melhor.

Lincoln se afastou, tirando a mecha de cabelo que grudava em meu rosto, enquanto eu assentia, sem nada a dizer. Ele me observou por alguns segundos e desviei o olhar.

– Não deixe isso tomar conta de você. – seus dedos levantaram meu queixo. - Você tem se mostrado muito forte. Mas não há problema em chorar.

Ele virou as costas e partiu. Continuei encarando o nada, enquanto escutava o ronco do carro até o som sumir na rua. Então, minhas pernas desabaram no chão. Eu encarei o fogo em minha frente queimando cada parte de Andrew e me perguntei onde ele estava agora. Será que havia sido perdoado por todos os erros que cometeu? Será que estava em um lugar melhor? Eu queria acreditar que sim. Ele podia se dizer uma pessoa má, mas ele me salvou de todas as formas que alguém pode ser salvo.

Na minha cabeça tudo ainda era estranho e falso, e acima da dor, a raiva me corroia por dentro. Peguei a garrafa de whisky abandonada por Steve e tomei um longo gole. Eu queria que Andrew pudesse entrelaçar os dedos nos meus e dizer que ficaria tudo bem, assim como fez tantas vezes. Eu queria escutar sua voz calma e segura, porém o único som era das labaredas violentas. Qualquer felicidade, por mínima que fosse, seria melhor do que a longa e constante tortura de acordar, dia após dia, sabendo que eu nunca mais poderia vê-lo.

Fechei os olhos.

Eu acho que quando tudo está acabado, as lembranças voltam em flashes. Tudo retorna, mas ele nunca volta.

Lembrei-me das histórias que só nós sabíamos. Sobre a menina que gaguejou na primeira vez que o viu e em como se apaixonou naquele instante. Sobre aulas de biologia, panqueca e dança no píer do lago. A primeira vez que disse que a amava sobre a pouca luz do quarto. Sobre as discussões na porta de casa e os olhares inquietos de quando se separaram. Um baile, e a chuva torrencial caindo. Sobre suas promessas e últimas palavras.

Abri os olhos.

– Por que você fez isso? – sussurrei. – Por que você me deixou?

Tomei mais um gole do whisky e o joguei no fogo, acendendo-o ainda mais. Eu levantei rápido demais e minha cabeça girou por alguns segundos. Peguei as caixas de papelão e as atirei também nas chamas. As últimas fotos que havia nelas se foram, junto com uma nossa. Eu observei o fogo queimar a bordar dela e depois sumir nas cinzas.

– Você prometeu! – gritei. - Por que você me deixou sozinha? Você prometeu! Você me disse que tudo ficaria bem, que toda a dor passaria e agora ela está de volta! Então, você me deixa uma carta para eu seguir em frente, mas você sabe que não é assim simples. Nada nunca foi simples para mim! Você sabe disso! – respirei fundo, engasgando com as palavras. - Sim, eu estou morrendo de raiva de você, Andrew e sei que pode me ouvir! Nós devíamos estar juntos... Isso deveria ter um final feliz! E onde você está agora? – abri os braços, olhando para todos os lados ao redor de mim. – Onde você está?!

Tudo ficou em silêncio por um momento, até mesmo o fogo se calou. Então, uma rajada de vento forte me atingiu, zumbindo nos meus ouvidos, fazendo meus olhos arderem e balançando as árvores ao meu redor. Meu corpo desabou na grama e encarei o céu estrelado acima de mim. Tinha a sensação de sangrar culpa e solidão por todos os poros de minha pele.

–Você deveria estar aqui. – sussurrei e uma lágrima espessa escorreu por meu rosto.


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Notas finais do capítulo

Então, esse é o último capítulo, mas ainda tem o epílogo que já está pronto (!) - não se desesperem - e não tenho mais nada a dizer, porque estou sofrendo.
Espero que tenham gostado ♥



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