A Mansão Subterrânea escrita por Justine
Passaram-se dois dias desde a briga de Roberto e Luísa. Os dois continuavam sem se falar, o que de fato cansavam Lúcia e Pedro ainda mais.
Os biscoitos estavam no fim, o que assustava ainda mais os garotos. Sérgio não aparecia, e o calor constante, a má alimentação e o cansaço esgotavam a força física restante neles. Os quatro já estavam perdendo as esperanças.
Até certa manhã, quando Luísa, em seu sono leve e ruim, conseguiu ouvir o inconfundível barulho de passos apressados na terra. Acordou subitamente, o coração batendo acelerado e o estômago embrulhado, e correu para chamar os outros.
- Ei, Roberto! Lúcia! Pedro! Acordem! É ele! É agora ou nunca!
Os vestígios de sono que havia nos dois rapazes e na outra garota sumiram com rapidez e em seu lugar, uma tensão apareceu. Pedro levantou-se correndo e apanhou uma pedra grande e pesada o suficiente para machucar alguém. Depois voltou para onde estava, deu um jeito de esconder a pedra, e como os amigos, fingiu dormir. Luísa, porém, ficou de pé perto da lona verde, suspirando nervosa. Antes que a figura louca de Sérgio surgisse ali, Pedro e Lúcia sussurraram para a amiga palavras de encorajamento:
- Força, Luí!- disse o garoto.
- Vá em frente! Tenha cuidado! – falou a moça.
Quando Sérgio chegou ao local onde estavam seus prisioneiros, viu três deles dormindo. Mas onde estava a outra garota? Ele obteve sua resposta ao ver que Luísa o observava a pouquíssimos passos dali. Sérgio foi até ela com um sorriso malicioso nos lábios, fazendo a menina estremecer por dentro. Por fora, ela continuava firme. O maníaco aproximou-se dela e começou a acariciar seu rosto, de um modo que ela não gostou nada. Porém, se ele estava agindo daquela maneira era sinal que distraí-lo seria mais fácil do que ela pensava. E, tomada de nervosismo e nojo, ela fez o que jamais gostaria de ter feito na vida: beijá-lo. Sérgio surpreendeu-se, mas correspondeu. Pedro, Roberto e Lúcia entreabriram os olhos devagarzinho e viram que o monstro estava distraído. Precisavam agir com cautela, mas rápido. Então os três se aproximaram vagarosamente do distraído Sérgio, Pedro aproximando-se mais que todos eles com sua pedra na mão. Reunindo toda sua força e coragem, o rapaz bateu com violência na cabeça de seu sequestrador, cujas pernas cederam instantaneamente. Por medida de segurança, Roberto puxou o revólver do maníaco e Lúcia pegou a corda. Totalmente tonto, Sérgio começou a xingar os meninos dos piores nomes possíveis, enquanto pressionava a cabeça, de onde escorria sangue.
- Vamos! – berrou Pedro.
Não precisou o rapaz falar duas vezes. Lúcia saiu na frente, segurando a corda; Pedro foi logo em seguida, gritando coisas como “depressa!”; Roberto corria como se sua vida dependesse daquilo e Luísa parou apenas para pegar a sua mochilinha do chão e saiu em disparada. Correram pela bifurcação e soltaram suspiros aliviados ao chegar ao local onde haviam caído e verem a luz do sol entrar pelo buraco acima de suas cabeças. Mais do que depressa, Lúcia jogou uma das pontas da corda para o alto, e lá em cima o objeto pontiagudo preso nela firmou-se no solo. Deram então início a escalada. Lúcia subiu primeiro, seguida por Pedro e Roberto. Sentindo um alívio descomunal somado a uma grande ansiedade, os três avistaram uma pedra que com certeza era a que Sérgio usava para tampar a porta de sua prisão. Eles arrastaram-na até a cova e a tamparam. Sem ao menos parar para respirar, começaram a correr. Mas pararam de repente: tinha alguma coisa errada. Faltava alguém ali.
Sob o solo, Sérgio estava com a cabeça machucada, mas nenhuma dor conseguia superar a raiva que sentia. E foi Luísa, que estava sentindo mais medo do que já sentira antes, a escolhida para arcar com as consequências.
A garota nem chegou a entrar na bifurcação durante a fuga quando sentiu uma mão forte cobrir-lhe a boca, enquanto um braço contornava sua barriga, impedindo-a de correr. Ela esperneou e tentou gritar, mas no desespero da correria, nenhum dos amigos percebeu o que estava acontecendo. Sérgio a arrastou, e foi com grande desespero que Luísa notou que a tal pedra já estava sobre a cova, o que indicava que os amigos haviam conseguido se salvar. Ela, porém, estava sozinha. Será que eles voltariam para buscá-la?
Ela não se lembrava de ter visto o olhar de Sérgio tão alucinado quanto estava naquele momento. A dor o torturava e parecia que ele desmaiaria a qualquer momento, mas mesmo assim, cambaleando, ele conseguia agir como um bêbado violento. Agarrou o braço ga garota com força e a empurrou. Luísa caiu no chão, chorando, tentou levantar-se, mas no mesmo instante o maníaco avançou sobre ela e segurou os seus braços. A menina se debateu; tentou chutar, bater, socar, mas foi tudo em vão.
- Para que toda esta resistência, garota? Seus amiguinhos se foram. Eles não voltarão para salvá-la. – disse Sérgio, lutando contra a dor e para manter a garota parada – Você se acha muito esperta, não é? Mas olha só! Você agora está presa na sua própria armadilha, e até que eu desmaie, já terei acertado as contas com você, gatinha!
Tudo aconteceu muito rápido: em um instante, Sérgio imobilizava o corpo de Luísa brutalmente e no outro, suas mãos afrouxaram-se em torno dos pulsos da garota, seus olhos rolaram para dentro da cabeça e ele tombou de lado no chão, morto. Demorou um tempo até que a mente atordoada de Luísa conseguisse entender que Roberto estava ali, segurando o revólver que assassinara o maníaco. Ela rompeu em prantos e o abraçou. Chocado com o que tinha acabado de fazer, levou alguns minutos para que o rapaz retribuísse o abraço da amiga, fazendo isso lentamente, pousando o queixo no topo da cabeça dela e afagando-lhe os cabelos.
Pedro e Lúcia ficaram esperando sentados em volta da cova, como Roberto pediu. Quando ouviu o barulho do tiro, a garota mordeu os lábios e fechou os olhos, apertando-os e o rapaz, por sua vez, não teve outra reação a não ser ficar ali parado, olhando para os lados, apavorado. Não podia ser!
Foi quando, de repente, viram um garoto de cabelos cacheados e uma garota morena de cabelos escuros e lisos aparecerem pela entrada da cova. Roberto e Luísa estavam vivos! Pedro e Lúcia não fizeram nenhuma pergunta: o revólver na mão trêmula do outro rapaz já contava o que havia acontecido lá embaixo. Os quatro se permitiram ficar um tempo ali, abraçados. Lúcia chorava, embora não mais que Pedro e Luísa que pareciam dispostos a inunda a serra. Apenas Roberto não derramava uma lágrima sequer. Estava em estado de choque.
Finalmente eles se levantaram e juntos caminharam até o acampamento. Tudo estava como eles deixaram: o carro, os restos da fogueira... Pedro pegou a chave do carro, que estivera o tempo todo no seu bolso e abriu o automóvel. Todos entraram imediatamente. Pedro sentou-se ao volante e Roberto no banco do carona, ao seu lado. As meninas sentaram-se no banco de trás. Ficaram calados por um tempo, se recompondo, até se sentirem bem novamente para conversar.
- Será que a polícia está atrás de nós? E se estiver, será que já nos procurou aqui em cima? – perguntou Lúcia.
Pedro espreguiçou-se.
- Bom a minha resposta para a sua primeira pergunta é com certeza. E, para a segunda, não sei.
- Mas é claro que sim! – disse Luísa, convicta – Um grupo de adolescentes sumiu de novo em Santa Terezinha, e quando isso aconteceu, foi na Serra da Jiboia o último lugar em que estiveram. Então, porque não procurar aqui novamente?
- Bem pensado, Luí. – elogiou Pedro – Mas agora nós podemos regressar e entregar as chaves deste mistério.
- NÃO!
Todos olharam para Roberto, perplexos. Qual não foi a surpresa deles quando perceberam que o rapaz tremia e parecia lutar para não chorar!
- Não! – continuou ele, desesperado – Vocês não podem fazer isso!
- Isso o que? – perguntou Lúcia, irritando-se.
- Eu não quero que ninguém... Que ninguém saiba que eu matei um cara!
Lúcia, que parecia ter assumido o papel de Luísa e já se preparava para ralhar com o rapaz, se conteve ao ver seu estado: ele estava trêmulo, da cabeça aos pés.
- Roberto – começou Luísa, usando um tom de voz calmo que há muito ela não usava com ele – não foi culpa sua. Você agiu em legítima defesa. Em minha defesa. – concluiu, como se o fato de o assassinato ter sido cometido para defendê-la aliviasse o fardo emocional que Roberto estava carregando.
- É amigo. – concordou Pedro, apertando o ombro do outro rapaz – Ninguém vai te olhar como um criminoso por isso.
Mas Roberto não mudou de opinião.
- Mas eu não quero! Eu não quero que ninguém saiba, eu não quero que a polícia saiba, eu não quero que mais ninguém saiba!
Luísa voltou a insistir, pacientemente:
- Pense bem, Rober. Não é apenas o nosso caso que ficará oculto. Pense nas famílias daqueles garotos. Elas precisam de uma resposta. E eles, de um enterro digno.
O rapaz continuou, trêmulo:
- Por favor, não insistam!
Pedro, Luísa e Lúcia teriam insistido se não percebessem o estado do amigo. Então, resolveram prometer a ele que ninguém jamais ficaria sabendo de nada.
- Já que é assim, tudo bem. – disse Luísa – Mas temos que pensar em uma boa desculpa para nosso sumiço.
Pedro concordou com a amiga:
- Até chegarmos à fazenda, teremos uma desculpa bastante convincente.
Desceram do carro e recolheram as barracas de camping e seus pertences que foram usados para organizar o acampamento e depois, aliviados, iniciaram a descida da serra. Porém, os quatro adolescentes deixaram sua marca no lugar; é que Luísa convenceu Pedro a gravar na pedra que encobria a entrada do cativeiro subterrâneo os seguintes dizeres: AOS TRÊS AMIGOS QUE DESCANSAM JUNTOS NA MANSÃO SUBTERRÂNEA.
Os pesadelos da garota se acabariam dali em diante.
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