A Mansão Subterrânea escrita por Justine


Capítulo 2
O que há por trás daquelas serras?




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O despertador tocou exatamente às 05:30. Luísa não entendia porque seu Augusto gostava de viajar tão cedo, mas levantou-se e vestiu a calça jeans e a camisa de mangas que havia escolhido no dia anterior. Apanhou a sacola de viagem e desceu. Na cozinha, o mordomo e a cozinheira já faziam-se presentes e prontos para encarar o dia de trabalho. 

- Bom dia, Carlos. Bom dia Maria. - saudou a garota com voz sonolenta.

- Bom dia, menina.

- Deseja algo para comer antes da viagem?

- Não, obrigada, Maria. Estou sem fome e acho que não terei tempo de comer.

Luísa ouviu o celular tocar e apanhou-o dentro de sua bolsa. Alguém bocejou do outro lado da linha e Luísa tentou abafar a risada.

- Bom dia, Peu!

- Uaahh! Anh? Ah, bom dia Luí. - respondeu Pedro, totalmente sonolento - Olha, o carro do meu avô está estacionado aqui em frente a sua casa.

- Certo, estou indo.

Carlos, o mordomo, pegou as malas da jovem patroa e as levou para fora da mansão. Um rand rover preto estava estacionado na rua. Luísa passou pelo portão, acompanhada pelo mordomo. Seu Augusto, o avô de Pedro, já estava a postos e de porta-malas abertos, para auxiliar a garota a acomodar sua bagagem.

- Bom dia, seu Augusto.

- Bom dia Luísa. - respondeu o senhor de pele rosada, gordo e barrigudo. Depois, dirigiu-se ao mordomo: - Vamos, meu caro! Coloque a sacola da jovem ali, naquele canto. Isso mesmo!

Augusto fechou o porta-malas e voltou para o carro. Luísa virou-se para Carlos.

- Mais uma vez, muito obrigada.

- Por nada, senhorita. Agora divirta-se.

Luísa assentiu e entrou pela porta de trás do carro, refletindo sobre a sua despedida que não deveria ser com o mordomo, mas sim com a sua mãe.

- Bom dia, pessoal.

Pedro e outros dois jovens que também viajavam bocejou um bom dia para a amiga. Os dois jovens, de quem ainda não falamos chamam-se Lúcia e Roberto.

- Estou vendo que vocês não acordaram ainda, não é verdade, garotos? - brincou seu Augusto, espiando o banco de trás pelo retrovisor.

Os quatro adolescentes assentiram. pedro que estava no banco do carona, ao lado do avô, entrelaçou os dedos atrás da cabeça e resmungou:

- Não sei porque acordar tão cedo quando poderíamos ir de helicóptero, ou fretar um jatinho...

Augusto soltou uma gargalhada.

- Estamos muito acostumados com esta vida prática, de dinheiro e comodidade, não é? Pois dessa vez vamos fazer uma coisa diferente, meus jovens. Vocês vão aprender como pode ser divertido pegar a estrada.

Os garotos não deram muita atenção ao que o senhor disse. Lúcia deitou no ombro de Roberto, que deitou no ombro de Luísa, que recostou sua cabeça na janela e, assim, os três dormiram. Pedro encolheu-se no banco da frente e, fechando os olhos, entreabriu a boca e começou a salivar. Augusto riu e balançou a cabeça. Que geração mais preguiçosa é esta de hoje!

Enquanto os quatro dormem, vamos falar um pouco sobre a vida destes adolescentes, a quem não falta nada - exceto uma família estruturada.

Pedro, Luísa, Roberto e Lúcia (ou "Quarteto Fantástico", como são conhecidos na escola), conheceram-se ainda pequenos, aos cinco anos, mais ou menos. Desde então, nunca mais se separaram. Pedro e Luísa eram como irmãos; Lúcia sempre foi a melhor amiga da garota, além de ser como uma protetora para Roberto, que sempre andava metido em confusão. Pedro era totalmente ligado ao amigo. Existia apenas um clima estranho entre Luísa e Roberto. Não eram inimigos, mas, na concepção de Lúcia, o namoro dos dois, que aconteceu em meio a brigas e desetendimentos era um empecílio para que a amizade de ambos fosse como antes. Era como se um caminho de areia movediça abrisse entre os dois, e embora pudessem se comunicar, não podiam atravessar. Ainda assim, conseguiam esconder as feridas do antigo relacionamento e viver bem como amigos.

Roberto era um rapaz materialista. Dos quatro, é o que mais se orgulha de sua condição social. Vivia com os avós, pois os pais passavam a maior parte do tempo fora do país, tratando de seus negócios.

Lúcia nasceu em uma família onde todos eram formados e atuavam na área de direito. Sua mãe, por exemplo, era promotora e seu pai, advogado. O casal estava separado, mas os "fatos" revelavam que eles ainda sentiam falta um do outro. A garota queria muito seguir a carreira que, em sua família, já havia virado tradição.

Pedro vivia com seu avô e com sua mãe, uma mulher jovem e bonita. O rapaz não tinha o que reclamar de sua família, embora a única coisa que lhe faltava  era o pai. Este traía a mãe, que após descobrir, divorciou-se. Ele jamais procurou Pedro que na época tinha apenas um ano de vida.

Não é necessário falar de Luísa, pois já vimos que esta garota também enfrentava problemas de família e como seus amigos, não passava de uma pobre menina rica.

Os quatro dormiram o suficiente para que, quando abrissem os olhos, perceberem que a paisagem urbana sumia e dava lugar a paisagem rural. Lúcia, Roberto e Luísa endireitaram sua postura e Pedro estava acordando após passar algum tempo babando no estofado do banco do carro.

- Falta muito, vô? - perguntou ele.

- Hum... Falta! Mas fique tranquilo, pois vocês já dormiram uma boa parte do caminho.

Os raios de sol de inverno penetravam a janela do carro. Os amigos grudaram seus olhares na paisagem que se desenrolava diante de seus olhos. Serras, campos verdes, sítios, animais campestres. Tudo parecia divertido para eles.

Por volta de onze horas da manhã, chegaram a fazenda. O carro passou por uma porteira de madeira e seguiu por uma estradinha de barro, que os levou até um imenso casarão branco, de portas azuis feitas de madeira. Apesar da aparência rústica, a casa encantou os quatro jovens.

- Que maneiro! - exclamou Roberto.

Seu Augusto soltou sua famosa gargalhada.

- Sim, realmente é maneiro, meu filho.

Três moças estavam de pé na varanda da casa, trajando uniformes de empregadas domésticas. Assim que viram seu Augusto e os adolescentes saírem do carro, desceram as escadas do casarão e foram até ele. Seus nomes eram Graça, Irací e Antônia. Ao vê-las, o novo dono da fazenda as cumprimentou e apresentou-lhes seu neto e seus amigos. O jovem quarteto disse "oi" as três mulheres, mas elas simplesmente respoderam com um aceno de cabeça, os olhos sempre baixos.

- Os quartos que o senhor mandou preparar estão prontos, seu Augusto. - disse Antônia, que parecia ser a mais jovem das três.

- Também preparei o almoço do jeito que o senhor pediu. - acrescentou Irací, uma senhora negra e bastante gorda.

- Excelente, muito obrigado. - respondeu seu Augusto - Mas acho que é muito cedo para almoçar. Vamos entrar, desfazer nossas malas e depois podemos andar a cavalo. O que vocês acham, garotos?

A resposta veio afirmativa, com um tom de entusiasmo e algazarra.

Após retirar as malas do bagageiro, entraram no casarão, acompanhados das empregadas. A varanda era estreita, mas ampla e arejada. Havia uma rede e dois filhotes de pastor alemão de mais ou menos oito meses. Assim que viram os jovens, os cãezinhos puseram-se a pular, abanando o rabo e mordendo-os, brincalhões. Augusto disse:

- Estes são Bob e D'Artagnan. Comprei-os quando fechei os negócios da fazenda com o antigo dono. Acho que eles já simpatizaram com vocês...

Dos quatro, Luísa e Pedro eram os que mais gostavam de animais, sobretudo de cães, portanto, tiveram que resistir a tentação de deixar as sacolas de viagem no chão e começar a brincar com os filhotes. Naquele momento ignoraram-os e foram conhecer o interior da casa, que assim como sua fachada, tinha um ar bem rústico: poucos móveis, paredes pintadas de branco, apenas duas cadeiras estofadas, um sofá grande e a cabeça de um veado empalhada numa parede e um rifle pendurado em outra. Os quartos ficavam no andar de cima. Graça ficou encarregada de mostrar os aposentos aos garotos.

O quarto das meninas ficava em frente ao quarto dos meninos. Eram cômodos grandes, arejadas, e como toda a casa, com poucos móveis. Lúcia e Luísa arrumaram seus pertences dentro de um imenso armário que havia no quarto delas. Depois, saíram dali e encontraram Roberto e Pedro que também estavam desfazendo suas malas no quarto da frente.

- E então, girls? Curtiram? - perguntou Pedro, forçando um sotaque britãnico.

Luísa e Lúcia riram.

- Curtimos sim. - responderam - Mas acho que ainda não vimos nada.

- Eu também acho que não. - disse Pedro - Vamos descer. Meu avô está esperando para andar a cavalo.

Todos concordaram e eles foram até a sala de estar, onde Augusto acabava de sair do escritório acompanhado de um homem moreno, de olhos claros e cabelos cacheados, traços rudes e cara de poucos amigos. Vestia-se como um típico vaqueiro.

- Galera, este é o capataz da fazenda, Valdemir. Valdemir, estes são meus netos. - disse Augusto, piscando logo em seguida para os jovens. O capataz, porém, não se importou com a presença deles. Rodou o seu chapéu nas mãos, e dirigiu-se novamente ao patrão:

- Os cavalotá pronto, seu Augusto. Se quiser sair agora, eles tão tudo lá fora.

" Um típico homem do interior ", sussurrou Roberto para Lúcia, que riu baixinho. O rapaz referia-se ao modo de falar do capataz.

- Certo. Então vamos, galera? - chamou seu Augusto, entusiasmado. Os jovens o seguiram.

Do lado de fora da casa, alguns vaqueiros jovens aguardavam o patrão e seu grupo enquanto tomavam conta de alguns cavalos. O mais belo dos animais era preto, de pele bastante lustrosa. Ao vê-lo, Pedro correu até ele, dizendo:

- Puxa vida! Que cavalo magnífico!

Um dos vaqueiros soltou uma risada.

- É égua, rapaz!

Pedro enrubesceu e todos ali riram, com exceção de Valdemir. Augusto socorreu o neto, apesar de lutar consigo memso para não rir também.

- Calma, pessoal! Desculpem afalta de atenção do rapaz. - E virando-se para o menino: - Esta égua é sua, Peu. Comprei para você.

Nem é preciso dizer o quanto o rapaz agradeceu ao avô pelo presente. Foi até a égua e fez-lhe um carinho no pescoço.

- Vai se chamar Pandora. - disse.

- O cavalo marrom foi selado para o senhor, seu Augusto. O malhado é do outro rapaz e os baios foram preparados para as meninas. - informou Valdemir.

Augusto assentiu com um gesto de cabeça. Então, Valdemir, Roberto, Pedro e seu Augusto montaram em seus cavalos. As meninas, por sua vez, receberam o auxílio dos vaqueiros para montar os seus.

O passeio foi realmente delicioso. A fazenda era de fato grande e bonita. Augustos e os quatro adolescentes faziam piadas e brincadeiras. Apenas Valdemir não participava. Mantinha a mesma expressão enfezada de antes. Nem mesmo Pedro, que também podia ser considerado seu patrão, conseguia conversar com o capataz. Quando o garoto lhe fazia perguntas sobre a fazenda e o seu trabalho, ele apenas respondia com acenos de cabeça ou monossílabos. Por fim, Pedro e seu amigos desistiram de tentar conversar com ele.

Ao voltarem para o casarão, o fazendeiro, seu neto e seus convidados almoçaram. A refeição estava de fato maravilhosa, o que provou que dona Irací era uma cozinheira competente.

No final da tarde, enquanto Augusto estava trancado em seu escritório, examinando os papéis da fazenda recém-comprada, Luísa, Lúcia, Pedro e Roberto passaram algumas horas na varanda. O clima frio obrigava-os a usar casacos e calças. Isso porém não os inibia de ficar ali, admirando a paisagem verde. Luísa estava deitada na rede, os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo. Lúcia brincava no chão com os filhotes de pastor alemão. Roberto e Pedro sentaram-se no cerco de proteção da sacada, mas enquanto o primeiro ouvia músicas no último volume em seu iphone, o segundo olhava o céu alaranjado.

- E aí, galera? Já decidiram que curso vão fazer na faculdade? - perguntou Pedro.

Roberto, que havia abaixado o volume do aparelho, respondeu:

- Para que pensar nisso, meu caro Pedro Cavalcanti? Somos herdeiros de algumas das maiores fortunas de Salvador!

Pedro, Lúcia e Luísa suspenderam os olhos. Lúcia resolveu dar uma resposta melhor a pergunta do amigo:

- Eu quero atuar na área de direito penal, assim como toda a minha família. - disse, orgulhosa.

- E isto lá é novidade para alguém? - retrucou Pedro, em tom de brincadeira, provocando o riso de todos, exceto o de Lúcia.

- Ah, é, seus bobos? Pelo menos eu já me decidi! E vocês, que vivem mudando de carreira, o que me dizem?

Pedro passou os dedos nos cabelos castanho-claros.

- Eu já escolhi o que quero, sim. Vou fazer medicina.

Luísa deu de ombros.

- Eu já sei mais ou menos o que quero: Biologia ou medicina veterinária.

Roberto franziu o cenho:

- Espera aí. Não é o seu pai que vive dizendo que você vai assumir os negócios na empresa dele?

Luísa soltou um muchocho.

- Isto é o que o senhor Rogério Prado quer. O que eu vou fazer é bem diferente.

- Pedro, como é o nome deste interior, mesmo? - perguntou Lúcia.

- Santa Terezinha. - respondeu o rapaz.

- Ah...

Após este breve diálogo, o silêncio tomou conta do lugar. O olhar de Luísa começou a vaguear no espaço, distante, observando o céu, os campos e as serras que se erguiam ao longe. De repente, uma pergunta bastante simplória apareceu na mente dela, e por mais que ela tentasse não fazê-la, acabou dizendo aquela que poderia ser considerada a "pérola" da viagem:

- O que há por trás daquelas serras?

- Mais serras, oras! - respondeu Roberto e seu tom de voz denunciava que a jovem havia feito a pergunta mais boba do mundo. De início, todos ficaram calados, mas depois, Pedro, Lúcia e ele próprio começaram a rir do que a amiga questionara.

- Não tem graça! - berrou Luísa, visivelmente envergonhada pelo que dissera.

- Calma aí, pessoal. - pediu Pedro, tentando abafar a risada - A pergunta de Luí não é tão boba quanto parece, e nem sua resposta está errada, Rober. Atrás daquelas serras há sim outras serras, outros campos... Inclusive, meu avô me contou que subindo em alguma serra dá para ver outras cidades em volta. Ele disse que é uma vista legal, bonita, o vento é frio lá em cima, mas agradável. Uma das serras se chama Pioneira, mas é mais conhecida como Serra da Jiboia. Eu gostaria muito de ir lá um dia, mas meu avô me disse que está fora de cogitação.

- Por quê? - quis saber Lúcia.

- Porque os moradores daqui contam que um grupo de jovens foi lá uma certa vez e desapareceu sem deixar rastros.

- Que estranho. - disse Roberto.

- Será que eles não caíram de lá de cima? - perguntou Lúcia novamente.

- Se isso tivesse acontecido, achariam os corpos deles. - disse Pedro, fazendo uma pequena pausa antes de começar novamente: - E ninguém achou nada.

- Nossa! Parece até filme de suspense! - admirou-se Luísa.

- Não sei, não - falou Pedro, fazendo um sorriso maroto aparecer em seus lábios - Será que eles foram levados por alguma assombração?

Luísa e Lúcia trocaram olhares cansados.

- Assombração, Peu? - quis saber uma das meninas. - Você não está meio velho para acreditar nessas coisas não?

Roberto porém pareceu interessar-se na história do amigo:

- Que tipo de assombração, Peu?

Pedro sorriu novamente:

- Sei lá. Lobisomem, quem sabe?

Luísa soltou um muxoxo. Lúcia entrou no casarão sob o pretexto de passar um hidratante na pele negra que, por conta do frio estava ficando ressecada. Roberto e Pedro conversavam sobre o caso não resolvido da Serra da Jiboia.

A noite avançava.


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Notas finais do capítulo

Deixem rewiews! Abraços e até o próximo capítulo!