Capitulo 44

Traição

             Tudo á minha volta era apenas escuridão. E, no meio dela, vinham alguns flashes brilhantes de memórias, mas eram tão rápidos que não pude identificar nenhum. Corria de um lado para o outro mesmo sem saber onde estava ou para onde estava indo.

             No meio de todo o meu desespero, braços me seguraram e senti um corpo contra o meu num abraço apertado, o perfume almiscarado tão conhecido por mim preenchendo minhas narinas.

             - Noah? – perguntei incrédula.

             - Hey, se acalme! Temos que sair daqui agora. – em soltou e me puxou pelo braço, como se não tivesse me escutado – O lugar está tomado, precisamos sair daqui.

             Abri a boca para perguntar do que ele estava falando, mas o que saiu foi bem diferente.

             - Mas e a mamãe?

             Ele parou de andar e me olhou penalizado, e de repente eu sabia exatamente onde estava. Voltara para aquele dia em que Noah me encontrou presa dentro de um quarto no convento. Sentia meus olhos arderem mesmo sabendo tudo o que aconteceria dali para frente.

             - Sinto muito. – passou a mão por meu rosto, tentando me consolar.

             Ele voltou a me puxar e logo estávamos saindo do convento. Mas aquela não era a rua que esperava ver, com várias árvores, lojas e casas. E não era dia, como devia ser. Estava escuro e enfumaçado, o ar espesso e as mãos em meu pulso se tornaram mais firmes e longas. Olhei para a frente e os cabelos castanhos e espetados de Noah agora eram loiros, enormes e com cachos.

             Em um segundo estava dentro de uma casa e reconheci o cenário. Woodburry. E Melissa.

             - Você nunca vai me vencer. Faça o que quiser, mas sempre estarei um passo á frente para ver você pisar em falso. – a loira falou, acariciando meu rosto de maneira rude.

             Por instinto, me virei para correr, mas dei de cara com Ethan. Ele parecia hipnotizado, olhando para o nada com os olhos cinza moles e sem graça. Senti uma dor horrível no estômago e abri a boca numa tentativa de gritar, mas não saiu nada. Olhei para baixo e sua mão segurava o cabo de um punhal, a lâmina enterrada em minha barriga. Caí de joelhos sentindo aquela dor e vozes começaram a ecoar em minha mente, no início baixas, e foram aumentando até ficarem ensurdecedoras.

             Abri os olhos abruptamente, assustada e o falatório diminuiu, me fazendo perceber que não era apenas no sonho. O sonho não fugia tanto da realidade. Melissa controlando Ethan, tendo-o na palma da mão, ele fazendo coisas por ela...

             Me sentei sentindo minha respiração acelerada e percebendo que minha pele estava pegajosa, suada. Fiz uma careta com um desejo enorme de tomar banho.  Mas, na atual situação, sabia que não seria possível tão cedo.

             Me levantei indo até onde a maioria estava reunida; nos dois sofás e pelo chão próximo a ele. Pareciam discutir alguma coisa, e estavam estressados. A voz mais sobressaliente ali era a de Ethan, que tentava responder a todos ao mesmo tempo. Suspirei e fui até lá, escorando no braço do sofá.

             - Caramba, você ainda não entendeu? – Ethan falou, o rosto vermelho de raiva – Eu não abro mão de tentar achar minha mãe.

             -Essa praga está te usando, seu imbecil desmiolado! Você quer acabar morto?  - Taty falou, seu sotaque ficando mais pronunciado por falar rápido.

             - Vamos com calma, pessoal. – Herschel tentou tomar as rédeas da situação.

             - Não acredito que pode trazer ela para cá depois de tudo o que ela fez! O que você estava pensando? – Maggie parecia nervosa, com Glenn a abraçando de lado tentando acalmá-la.

             - Vocês não entendem. É minha chance de achar minha família. Eu já perdi mais da metade dela, e quero encontra-los.

             - Você é um cretino! – Lia tentou se levantar, mas sentou novamente com uma expressão dolorida – É minha família também, mais minha que sua. Eram meus irmãos aqueles que morreram, meu pai, e você está colocando todos em risco por causa da minha mãe, meu irmão e tia Connie. Você ta precisando é tomar vergonha na cara, e eu estou com muita vontade de fazer você tomar nem que seja no tapa.

             - Hey! – Ethan reclamou enquanto eu tentava segurar o riso.

             - Cara, não tente argumentar. Você trouxe uma garota que te enganou e quase nos matou, que sequestrou quatro pessoas do nosso grupo e ia matá-los, ainda quer falar por ela? – Reed falou calmamente.

             Olhando para os dois, Reed e Ethan, parados lado á lado, senti meu rosto esquentar. Um era eu quase namorado e o outro o cara que eu havia beijado na noite anterior, e ambos causavam uma confusão de borboletas no meu estômago.

             - Se controle antes que alguém perceba. – uma voz risonha falou perto do meu ouvido.

             Assustada, olhei para o lado encontrando Beth tentando segurar o riso. A encarei sem acreditar.

             - Está tão óbvio assim?

             - Não é como se vocês tivessem sido discretos ontem á noite.

             Eu passei de assustada para espantada e então para estática. Então ela tinha visto. Será que mais alguém? Cruzei os dedos torcendo para que ninguém mais tivesse presenciado aquela cena, mas provavelmente, pelo fato da maioria estar lá naquele momento, outros tinham visto.

             Para tentar diminuir meu constrangimento, voltei minha atenção para a conversa.

             - Mas que palhaçada! – Lola bufou e cruzou os braços.

             - Você não devia estar olhando a Melissa? – Rick perguntou sem humor nenhum.

             - Eu vou. Vocês já sabem o que penso sobre isso. – Falei desencostando do sofá e indo em direção á cozinha.

             - Qual a sua opinião? – Ethan perguntou parecendo angustiado.

             Sem nem ao menos parar de andar, ou me virar, falei alto o suficiente para todos ouvirem.

             - Headshot.

             Entrei na cozinha e praticamente me joguei sobre a bancada. Balancei os pés como uma criança – do que não tenho nada com meus 1,70 de altura – e inclinei a cabeça observando a loira dormir espalhada na cadeira. Devia ser desconfortável. Bem feito.

             Fiquei alguma tempo olhando para o teto com o meu pensamento longe – mais especificamente em tudo o que vivi no ultimo ano – até que senti uma mão em minha perna. Assim que senti quase pulei e, antes que pudesse registrar qualquer coisa lábios prensaram rudemente os meus, e sem saber mais o que fazer retribui o beijo. Ao nos separarmos em busca de ar, pude ver Reed com um sorriso zombeteiro e apreensivo no rosto, como se esperasse que eu o rejeitasse.

             Ao invés disso, apenas desci do balcão e voltei para a sala tentando entender o que acabara de acontecer.

             - Sav? SAVANNAH? – Rick me chamou pelo que percebi ser a milésima vez - Não devia estar vigiando Melissa?

             - Ah... É, o Reed está lá. – expliquei – Eu acabei resolvendo participar do “debate” aqui.

             Ele me olhou por mais alguns segundos e então retornou á conversa.

             - Então vamos decidir de uma vez... – falou autoritário, mais uma vez assumindo sua posição de líder – Quem quer a execução da Melissa levante a mão.

             Todos levantaram a mão. Menos Ethan e Delilah. Rick suspirou.

             - Quem quer que ela viva? – perguntou mesmo já sabendo a resposta, mas apenas Ethan ergueu sua mão – Delilah?

             Olhei para ela, que parecia nervosa.

             - Tenho uma proposta a fazer. – ela falou respirando fundo, e Rick fez sinal para que ela continuasse – Mas queria falar só com você antes, Rick.

             Assim, os dois se afastaram para um canto da sala e tiveram uma breve conversa enquanto ele assentia pensativo para o que ela falava. E então voltaram.

             - Me diga que a faremos de escrava com trabalhos forçados e castigos. – Lola falou com os olhos brilhantes – sinistramente brilhantes.

             - Ethan, você tem 24 horas para fazer Melissa falar onde está sua família, e então a executamos.

             A maioria discordou, mas pareciam já ter tido a discussão sobre de quem era a decisão pois com uma palavra as reclamações pararam. E eu não estava satisfeita. E nem os outros. Bufei e segui para o meu colchão, onde também estava minha mochila, afim de trocar de roupa. Não era legal ficar quatro dias sem tomar banho e nem trocar a roupa.

             Adentrei mais a casa procurando por um cômodo vazio e privado onde pudesse me trocar, e quando encontrei um e ia entrar, um braço impediu minha passagem, tapando a porta.

             - Porque saiu daquele jeito? – perguntou Reed, parecendo incomodado.

             - Eu...Eu...- me engasguei entre as palavras.

             Sem esperar por uma resposta concreta, ele colou nossos lábios num rápido selinho e se afastou vendo minha reação.

             Certo, eu gostei. E muito.

             - Foi ruim? – perguntou risonho.

             - Hum... Não. – me envergonhei, olhando para o chão, o que só durou até ele puxar meu queixo dando um beijo de verdade.

             Senti meu corpo inteiro se arrepiar com aquele beijo lendo e afogado em luxúria, que fez com que o puxasse para mais perto, desejando a maior proximidade possível entre nossos corpos. Delicadamente Reed me empurrou pela porta do quarto, me prensando na parede ao lado, sua mão na base das minhas costas queimando minha pele mesmo sobre todas as roupas.

             Num instante estávamos nos agarrando ali e, no outro, estávamos assustados olhando para a porta, separados por um pigarro.

             Ethan.

             - Bem que ela avisou. – falou, o rosto inexpressivo e pálido– Tem certeza que a Melissa é a vadia aqui?

             E saiu, deixando um Reed confuso e eu paralisada e com os olhos cheios de lágrimas.