Flores do Mal escrita por Morgana Black


Capítulo 3
Beijos que matam




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Capítulo 3 – Beijos que matam

-Regulus, estou falando com você! – Riddle repreendeu-o com rispidez, ao notar o ar distraído do outro rapaz.

Regulus arregalou os olhos levemente e a taça de vinho que estava em sua mão escorregou, deixando na toalha branca da mesa de jantar grandes manchas púrpuras e estilhaços da taça de cristal.

-Oh, perdoe-me, Tom! – Regulus parecia anormalmente atrapalhado e desatento, e quando esticou a mão para recolher os fragmentos da taça quebrada, Riddle o deterá com um gesto. – Do que você estava falando mesmo?

-Da garota que foi encontrada afogada. – Tom apanhou, ele próprio, um guardanapo com o intuito de recolher os pedaços da taça. – Disseram que foi uma tentativa de suicídio.

-Ginevra Weasley... – Regulus leu o nome no jornal que repousava sobre a mesa. - Não é aquela garota que vendia flores na porta do Teatro?

Tom ficou calado, uma máscara de gélida indiferença escondendo suas emoções, enquanto permanecia recolhendo cuidadosamente o que sobrara da taça de vinho.

-Eu li essa notícia do jornal e achei a garota estranhamente familiar. – Regulus franziu levemente o cenho. – Eu acho completamente anormal uma garota de doze anos tentar acabar com a própria vida. Que tipo de coisas teria acontecido a ela para agir dessa forma?

-Eu penso o mesmo... – Tom olhou vagamente para o outro rapaz, como se estivesse divagando. – Que tipo de criança pensaria em acabar com a própria vida, não é mesmo? A vida é tão rara e preciosa... Entregá-la assim, nas mãos gélidas da morte parece-me algo absurdo.

-Eu me lembro do quanto ela pareceu-lhe encantadora e interessante, a sua pequena Eva, não é? – O jovem Black comentou com leve sarcasmo, ao que Riddle ergueu os olhos e sorriu cinicamente.

Mas esse leve momento de distração – o que era completamente inusitado, em se tratando de Tom Riddle – levou-o a macular um de seus dedos com um corte superficial. Instantaneamente Regulus entregara um guardanapo para o outro rapaz cobrir o ferimento, mas Riddle, com a sua tão natural elegância, levara o dedo ao lábio, estancando o sangramento.

-Sangue não pode ser desperdiçado dessa forma, meu pequeno rei! – O outro disse baixinho, os lábios finos exibindo uma coloração ainda mais avermelhada, como se fosse uma fruta que amadurecera demais.

-Ainda mais quando se trata do seu sangue, não é?

-Uma vez, ouvi dizer que quando se bebe o sangue do outro, recebemos parte de sua energia. – Riddle olhara para seu dedo recém ferido, parecendo pensativo. – Não quero correr esse risco.

Regulus olhou ansiosamente para os lados, mas os dois rapazes estavam sozinhos na sala de jantar de Grimmauld Place. Por mais que Walburga Black prezasse a companhia do Sr. Riddle e fosse de seu interesse saber o que acontecia com o seu filho, a mulher achava que era certo que deixasse os rapazes mais à vontade para conversarem sobre o que lhes fosse pertinente.

-Nem mesmo quando o beijasse você correria esse risco, Tom! – Regulus aproximou-se com certa ousadia, carregando no rosto um sorriso muito semelhante ao de Bellatrix Lestrange.

Tom riu baixinho do pretensioso ar sedutor do adolescente, deixando que o outro o beijasse. Havia ainda nos lábios de Riddle o gosto metálico do sangue e Regulus começou a pensar que nunca encontraria ali a doçura de um amor, mas sempre um gosto amargo e forte e, também, completamente inesquecível.

XxX

Uma das coisas que Regulus aprendera com Tom Riddle era que sempre existira o equilíbrio, e que as coisas eram sempre proporcionais: para o bem, sempre existia o seu equivalente na maldade, a alegria era um estado que precedia a tristeza, o certo só existia através do errado. Contudo, uma coisa Regulus aprendeu com suas próprias experiências: o prazer sempre vinha acompanhado da dor.

Mas não se tratava das agonias do corpo. Se este sofria, era apenas por um breve momento de consternação e arrependimento, era apenas pelo breve momento em que ele pensava o quanto era errado o que sentia por Tom. Deliciosamente errado e proibido e pecaminoso. O que os outros diriam se soubessem? Às vezes esse pensamento se materializava frente aos olhos do rapaz, ao imaginar uma situação mais do que constrangedora com sua zelosa mãe, a Sra. Walburga Black, surpreendendo seu amado filho em uma condição ainda mais vergonhosa que aquela que banira Sirius do seio familiar.

Certo e errado não existem”, aquela voz macia sussurrava, como se lhe adivinhasse os pensamentos, fazendo com que as apreensões de Regulus evaporassem. E o rapaz se entregava total e completamente. Mas não se tratava apenas do corpo, mas também os seus pensamentos, os seus desejos, a sua vida.

Mas o mesmo não acontecia a Riddle, e Regulus não sabia definir a dimensão daquele “relacionamento”. Regulus tinha a ilusão que sentia amor por Tom, mas no fundo sabia que era apenas o desejo do corpo, luxúria, paixão; embora o controle que o outro exercesse sobre si fosse mais amplo do que o rapaz supunha.

Assim que abriu a pesada porta de entrada da mansão onde morava, uma rajada de ar frio bailou ao redor do rapaz, dando-lhe a estranha sensação de que vozes agoniadas sussurravam as suas mágoas. Era princípio de Primavera, mas o tempo estava ameno como uma tarde de outono. Regulus não gostava do outono e nem de suas folhas de tons castanhos. Aquilo lembrava-lhe viver no limbo, no meio termo das coisas. Folhas secas davam-lhe a estranha sensação de que tudo estava a declinar e morrer e perder o seu viço, perder o encanto das cores e da maciez da sua tão adorada primavera.

Outono, para Regulus Black, carregava em sua tepidez um ar lúgubre e tristonho. E algo de melancólico instalou-se em seu peito, enquanto descia os poucos degraus que davam para a rua.

Faltava pouco tempo para que acabasse o período que ele iria passar em casa, antes de ingressar em Oxford e quase ninguém, exceto Bellatrix que vez ou outra olhava-o com indisfarçável cinismo, parecia estranhar a amizade que nascera entre o herdeiro dos Black e o sempre tão gentil Tom Riddle.

-Sabe, fiquei quase depois anos sem aparecer por aqui e eu nunca havia reparado no quanto essa casa é exagerada.

Uma voz grave soou às costas de Regulus, sobressaltando-o.

-Sirius?! – O adolescente arregalou levemente os olhos, sem saber como agir. – O que você está fazendo aqui?

-Oh, apenas espairecendo! – O outro respondeu com ironia.

Poder-se-ia dizer que os dois eram idênticos tais como gêmeos, não fosse a diferença de um ano e meio que havia entre ambos e o fato de Sirius ser um pouco mais alto. Mas os dois possuíam os mesmos traços atraentes no rosto, os mesmos cabelos negros e brilhantes, os mesmos olhos cinzentos, profundos e sombrios. E, no entanto, as semelhanças terminavam aí, porque a maneira de pensar e agir dos dois rapazes era completamente oposta.

-Soube que você voltou de Paris no começo deste ano e que depois entrará em Oxford. – Sirius aproximou-se mais, trazendo o casaco roto para perto do corpo, para se proteger do vento frio. – Suponho que mamãe esteja muito orgulhosa de você.

-Eu apenas faço o que é certo, Sirius! – Regulus retrucou, seu rosto sendo tomado por manchas avermelhadas de nervosismo. – Você não consegue compreender o tamanho do desgosto que trouxe à nossa mãe quando veio com aquela idéia absurda de que seria músico. Eu sei que foi aquele tal de James que enfiou aquelas idéias na sua cabeça!

-Não há nenhum absurdo em ser músico e você sabe que não, Regulus. O que aborreceu a velha Walburga foi o fato de que eu tivesse ido contra as regras impostas por ela. É só nisso que aquela bruxa velha pensa: no nome da tradicional e nobre família Black. Se fosse para viver mais tempo seguindo as ordens dela, certamente eu iria enlouquecer. – E vendo o ar indignado do irmão, Sirius acrescentou: - Eu não sou sonso como você, que age na surdina, com medo de ser repreendido pela “mamãe”.

-Do que diabos você está falando? – Regulus exasperou-se.

-Estou falando de Riddle.

-Continuo sem entender, Sirius!

Com duas passadas largas, Sirius parou em frente do irmão, apoiando suas mãos nos ombros do caçula.

-Que eu sei o que acontece entre você e Riddle.

-Como você sabe? – Regulus murmurou.

Sirius abriu um meio sorriso, com um quê de sagacidade e petulância.

-As pessoas reparam nas coisas, Regulus, e elas gostam de comentar tudo o que vêem. Você não pensou que as pessoas iriam estranhar que nos últimos meses você só foi visto na companhia de Riddle? Oh, claro que não pensou. O inocente Regulus Black não pensou que as pessoas fossem ser tão maliciosas para pensarem isso dele, mas é claro!

Regulus passou a mãos pelos cabelos cuidadosamente penteados, sentindo suas pernas fraquejarem. Então as pessoas comentavam sobre ele e Riddle?

-Regulus, eu não vou julgar você por gostar de outros rapazes, mas Riddle não é uma pessoa boa. – Sirius assumiu uma expressão mais séria, procurando vencer as defesas do irmão. – Ele é perigoso e perverso. Afaste-se dele enquanto há tempo.

-Você está louco, Sirius! – Regulus sibilou, tentando se afastar, mas o toque de Sirius tornou-se mais intenso, impedindo o adolescente de sair. – O que você sabe sobre Tom para dizer essas coisas?

-O que você sabe sobre ele para ter tanta certeza de seu caráter? Há quanto tempo você o conhece?

-Isso não é da sua conta!

-Moleque idiota, você acha mesmo que eu me daria ao trabalho de vir até aqui, correndo o risco de levar uma sova dos empregados da sua mãe, só para inventar mentiras? E eu lá tenho vocação para velha mexeriqueira? – enquanto falava, Sirius sacudia o irmão, que ria um riso baixo e debochado, como se o que ouvisse fosse o maior absurdo.

-Pois eu acho que você está com inveja! – Regulus sussurrou, os olhos cinzentos faiscando de malícia. – Você queria estar no meu lugar, não queria? Você não sabe o quão agradável tem sido a companhia de Tom.

Mas a resposta que Regulus recebera do irmão fora um tapa desferido em sua face. Atordoado, a única reação do adolescente foi colocar a mão no próprio rosto, sentindo ainda a bofetada queimar o seu rosto.

-Idiota! – Sirius repetia baixinho, transtornado, olhando com indignação para o outro. – Eu tentei te avisar, eu tentei!

-Vá para o inferno, Sirius! – Regulus disse calmamente e virou as costas, deixando aquele que um dia chamara de irmão para trás. – Vá e não volte mais!

XxX

-Monsieur Black! – O homem de olhar lacrimoso exclamou com certa surpresa, ao abrir a porta de entrada.

-Boa tarde, Pettigrew! – Regulus respondeu cordialmente, mas mantendo uma postura arrogante.

Só agora se dava conta de que nunca havia estado na casa de Riddle antes. Costumavam encontrar-se em finos restaurantes ou em quartos elegantes de hotel, mas nunca estivera na casa de Tom. O motivo nem ele sabia e só agora isso o deixou levemente curioso.

-O seu patrão está em casa?

-Monsieur Riddle?! – Pettigrew gaguejou levemente, o olhar ansioso percorrendo o rosto do rapaz.

Aquela falsa impressão de refinamento que o servo de Riddle tentava passar toda vez que dizia “Monsieur” estava começando a deixar Regulus impaciente.

-Sim, o Sr. Riddle! – Regulus repetiu. – Ele está em casa?

-Não no momento! – Finalmente o homem respondeu, tencionando fechar a porta.

-Pois vou esperar por ele aqui até que chegue! – Black disse, erguendo o queixo de maneira insolente.

O ar do sobrado onde Riddle morava parecia estranhamente sufocante. Apesar do sol fraco que brilhava nos céus, as janelas permaneciam fechadas e as cortinas cerradas. Os móveis de madeira escura pareciam ser muito antigos, mas ainda assim imponentes, resplandecendo sob a luz tremeluzente dos lampiões. O único quadro que havia na sala estava pendurado acima da lareira. Era a pintura de um homem jovem, o rosto muito parecido com o de Riddle, exceto por alguns poucos detalhes. Pelas roupas do homem, poder-se-ia dizer que o quadro era muito antigo, pois trazia um ar medieval. Mas o que havia de mais interessante eram as jóias que o homem da pintura carregava: um colar de ouro com um pingente na forma de um “S” trabalhado em forma de serpente e um anel de pedra negra – anel que ele vira certa vez no dedo de Riddle.

Regulus sorriu com muda e fascinada admiração. Aquilo parecia ser tão valioso e carregado de significado... Por que Tom nunca dividira aquilo com ele? Decerto, ele deveria orgulhar-se daquilo, parecia ser algo tão nobre.

-Monsieur Black, eu penso que seria melhor esperar pelo meu mestre no escritório dele.

Regulus desviou os olhos da pintura e notou que Pettigrew indicava uma porta aberta e que levava a outro aposento. No escritório, havia o mesmo ar de lugar antigo e sóbrio que havia na sala de estar. Algumas prateleiras com volumes de aspecto envelhecido preenchiam as paredes e como mobília, apenas uma imponente mesa de mogno, além de duas cadeiras de estofado de couro.

E era fácil sentir a presença de Riddle naquele lugar, pois tudo parecia carregado de mistério e sedução. Como se cada objeto carregasse um segredo, e Regulus viria a descobrir que, de fato, carregavam.

Os minutos arrastaram-se e formaram horas. Longas horas de espera nas quais as palavras ditas por Sirius, naquele mesmo dia, ainda ecoavam em sua mente. O que Sirius dizia saber de tão grave a respeito de Riddle? Obviamente, Regulus não acreditava naquelas tolices, mas ele poderia pelo menos ter tido a curiosidade de perguntar. Sirius poderia ter todos os defeitos do mundo (e Regulus realmente pensava que ele os possuía), mas ele nunca fora dado a mentiras.

Regulus já havia decorado todos os detalhes do escritório, sabia dizer de cor a localização de cada objeto. Mas não havia nenhum sinal de Riddle até o momento.

Com o único intuito de se entreter enquanto aguardava o retorno de seu amante - e pensar em Riddle dessa forma, sempre fazia com que calafrios incômodos e prazerosos percorressem o seu corpo como carícias lânguidas – Regulus pensou que não haveria problema algum se lesse o jornal que jazia esquecido encima da mesa.

Quando puxou o jornal para junto de si, o movimento derrubou um pequeno volume de capa preta que caiu com um baque seco no chão. Algumas páginas viraram sozinhas, como se bailassem ao sabor de uma brisa inexistente.

Com cuidado, o rapaz apanhou o livro com a intenção de devolvê-lo ao seu lugar de origem, mas uma estranha curiosidade fez com que ele desse uma rápida espiada no volume. Na primeira página, escrita numa caligrafia inclinada, estava a seguinte inscrição: “T.M. Riddle”.

Um diário”

Os sentidos de Regulus aguçaram-se. O diário de Riddle.

Seria realmente isso?

Como se a capa negra de couro tivesse queimado seus dedos, Regulus pôs instantaneamente o volume no seu lugar de origem. Mas a curiosidade, esta companheira tão cheia de inquietação, inflamava o rapaz lentamente, como se estivesse cozinhando sua racionalidade.

Que segredos aquelas páginas guardariam? Quais as doces revelações que estariam impressas pelas letras desenhadas por Tom?

Por fim, a curiosidade venceu aquela acirrada disputa e com o coração aos pulos e as mãos trêmulas, o rapaz pôs-se a ler:

Finalmente consegui me libertar daquele inferno. Odiava a todos naquele lugar amaldiç os olhares de pena por causa da minha condição de órfão; odiava ter de viver com essas pessoas imundas; odiava viver nesta miséria.
Mas agora tudo vai ser diferente. Consegui descobrir pistas da cidade onde aquele maldito que eu deveria chamar de pai mora. Dizem que ele é rico e importante, mas pro inferno isso tudo, se eu não posso gozar dos mesmos privilégios.
A primeira coisa que farei quando encontrá-lo é esmagá-lo de tal forma, que ele irá se arrepender do dia em que me deixou nesta condição. A morte é pouco para ele. Ele merece sofrer e eu mesmo irei garantir sua partida para o inferno.”

Regulus arregalou os olhos levemente. O que o havia espantado verdadeiramente não fora o fato de Riddle ter sido órfão, mas o ódio mortal que pontuava aquelas palavras. Pelo pouco que conhecia de Riddle – e nesse momento a voz zombeteira de Sirius surgiu em sua memória, como se o envenenasse – sabia que ele não era dado a brincadeiras, mas daí a ameaçar a vida do próprio pai, parecia ser algo muito mais preocupante.

Não, não era nada daquilo. Tratava-se apenas de um desabafo. Apenas isso.

Com a intenção de certificar-se de que era realmente aquilo, Regulus folheou algumas páginas e continuou a ler:

Eu me apaixonara pela sua pureza. Nela eu via apenas a luz que um dia sucumbe à escuridão.
Amor? Claro que eu não a amava, nem nunca amaria. Eu não amo ninguém, nunca irei sofrer o desespero dessa dor. Amor enfraquece e isso eu aprendi com a tola da minha mãe, que se deixara seduzir por um rosto bonito e uma voz de veludo.
Mas a minha ‘Eva’, como meu pequeno Rei a nomeara certa vez, era diferente. Odiava as suas palavras tolas e infantis. Contudo, eu queria banhar-me na sua ingenuidade e sugar tudo isso dela, até que restasse apenas sombras. Ela era pura e eu tinha vontade de corrompê-la a ponto de torná-la irreconhecível; usá-la e deixar apenas a sordidez de sua condição para trás. Seu encanto por mim enojava-me.
Com Regulus pensei que fosse ser da mesma forma, mas o garoto não é tão inocente quanto pensei. Apenas o seu romantismo excessivo torna-se cansativo, mas ele carrega tanta luxúria em si, que se torna divertido vê-lo tentar controlar o seu desejo. E, por enquanto, ele tem sido-me muito útil."

O coração de Regulus estava aos pulos, suas mãos suavam, mas ele se recusava a acreditar naquelas palavras. De onde surgira toda aquela perversão? Ele não compreendia, não compreendia...

-Regulus, sua mãe não lhe ensinou que é muito feio mexer no que é dos outros?

Regulus virou o pescoço tão rápido, que fora capaz de ouvir suas articulações estalarem sinistramente. Engoliu em seco, sem saber o que dizer, e se um dia ele teve a capacidade de elaborar uma frase coerente, isto se perdera em meio a sua confusão.

-Tom! – murmurou, erguendo-se de chofre, o diário ainda preso entre seus dedos. – Eu... eu não tive a intenção... eu apenas...

Mas, a princípio, a única atitude de Tom fora fechar a porta às suas costas e trancá-la à chave.

-Tom... mas o que...?

-Ora, Regulus, você costumava se deliciar com a idéia de ficar trancado comigo. Qual o problema agora?

Apesar do tom de voz baixo e controlado, Regulus era capaz de notar uma fúria gelada brilhando nos olhos escuros de Riddle. Talvez fosse o seu estado de surpresa e confusão, mas ele teve a ligeira impressão de que os olhos de Tom irradiavam um brilho avermelhado, mais assustador ainda do que o fogo do inferno.

-Tom – Regulus engoliu em seco, os olhos cravados no seu interlocutor. – Tudo o que está escrito aqui... sobre o seu pai e sobre a garota que vendia rosas... você realmente fez estas coisas...?

-E isso importa para você? – Riddle riu baixinho e acomodou-se na sua cadeira atrás da escrivaninha. – Você não tem o direito de me julgar a respeito de meu “pai”, porque você nunca precisou passar pelo o que eu passei. Você nunca iria entender o ódio que eu sentia por ele, nunca iria entender o prazer que senti ao tirar a vida dele com as minhas próprias mãos... Oh sim, eu realmente fiz isso, não foi apenas uma ameaça. – Riddle inclinou-se sobre a mesa, como se fosse contar um segredo a Regulus. – Eu costumo cumprir as minhas promessas.

Regulus não soube encontrar a palavra certa para definir Riddle. Além de frio e calculista, ele ainda debochava e fazia pouco caso das coisas que cometera. Santo Deus, o homem matara o próprio pai e falava disso como se fosse a coisa mais banal do mundo.

-Sobre Ginny, só posso dizer que foi uma surpresa quando abri o jornal e li a notícia de seu afogamento. Nunca pensei que uma garota tão insignificante fosse ganhar tanto destaque.

-Você realmente violou a garota, Tom?

-Eu não fiz nada demais com Ginny, Regulus! – Tom abriu uma das gavetas da escrivaninha e tirou uma carteira de cigarros de lá. Logo a fumaça azulada espiralava no ar, deixando apenas um rastro sufocante. – A garota encantara-se demais comigo, mas percebeu que eu não era o príncipe encantado que pareci aos seus olhos. Apenas isso.

Mas para Regulus pouco importava quais haviam sido as impressões de Ginny ou o que quer que Riddle tenha feito em seu passado. Toda aquela aura de poder, mistério e atração que pairava em torno da presença de Riddle transformara-se apenas em perversão e maldade. Na verdade, nada mudara em Tom, mas o jovem Black começava a ver as suas atraentes feições sendo distorcidas pela sua devassidão.

-Riddle, abra a porta! – Regulus ordenou, com toda a arrogância e imperiosidade que possuía, mas a sua atitude apenas provocara risos em Riddle.

-Você está com medo de mim, pequeno rei? – Tom levantou-se de sua cadeira e aproximou-se de Regulus, que tentava abrir a porta. – Eu era o seu anjo, lembra-se?

-Você está doente, Riddle! Abra a porta, eu já disse!

-E se eu não quiser? Ninguém virá até aqui acudi-lo e Pettigrew é totalmente obediente a mim, ele nada fará para ajudá-lo.

Com um movimento brusco, Tom segurara o rosto de Regulus com uma das mãos, enquanto a outra tentava imobilizar o rapaz. Se antes o toque de Riddle provocava arrepios de prazer e entrega, tudo o que restava agora era algo totalmente longe do êxtase. E se antes o beijo era arrebatador e envolvente, agora, tudo o que Regulus sentia, quando teve sua boca tomada pelo outro, era apenas o gosto amargo do veneno que havia naqueles lábios.

Mas, como sempre acontecia, Regulus não tinha forças para resistir.

-Você me pertence, Regulus! – Riddle sussurrou, o rosto muito próximo do de Regulus. – Você me pertence.

E antes que o jovem Black reunisse forças para negar ou protestar, uma dor aguda atingiu seu peito. Ele tinha a impressão de que estava sendo rasgado em vários pedaços e a dor era tamanha, que a sua vista começou a escurecer. Cerrou levemente os olhos e sentiu os braços de Riddle libertarem-no de sua prisão. O corpo tombou pesadamente no assoalho escuro e sentiu algo quente escorrendo de seu peito.

“Sangue”

-Regulus, qual é a sensação de estar morrendo? – Tom ajoelhou-se ao lado do rapaz, tocando o seu rosto com uma estranha gentileza. – Não vai ser tão ruim assim para você, não vai sofrer os infortúnios da velhice. Já pensou nisso?

-Tom... – Regulus tossiu e sentiu gosto de sangue em sua boca. – Por favor...

-Dizem que é melhor abandonar uma festa quando ela está no seu auge. – Riddle inclinou-se levemente e depositou um último beijo nos lábios de Regulus Black. – Sua festa termina aqui, pequeno Rei.

XxX

Foi um verdadeiro choque quando a notícia do assassinato de Regulus Black chegou aos jornais. Riddle estivera presente nas cerimônias fúnebres, como o bom amigo da família Black que era. Conforme seu depoimento ao chefe de investigações, que estava tomando conta do caso, Regulus tivera o infeliz azar de estar na casa de Tom Riddle no momento em que esta fora assaltada.

Uma infeliz obra do destino,concordara Narcisa Malfoy, que chorou copiosamente a morte do primo. Uma estranha coincidência, concluíra Bellatrix Lestrange.

A verdade por detrás da morte de Regulus, nunca viera à tona. Que estranho poder rondava a figura de Tom Marvolo Riddle, ninguém soube dizer. Mas de alguma forma, seus pecados permaneceriam sempre obscurecidos por sua sagacidade e por sua capacidade de ludibriar os corações.

Porque aqueles poucos que conseguiram vislumbrar a sua verdadeira face por breves momentos, hoje jaziam no abraço frio do senhor do Hades.

Perdido dentro da minha mente doente
Eu vivo por você, mas eu não estou vivo
Pegue minhas mãos antes que eu mate
Eu ainda te amo, mas eu ainda queimo”
(Love, hate, love – Alice in Chains)


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