Flores do Mal escrita por Morgana Black


Capítulo 1
Espelho, espelho meu




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Capítulo 1 – Espelho, espelho meu


Londres, 1892.


“A beleza sempre aparece em pensamentos obscuros”


Muito pouco se sabia a respeito de Tom Riddle.

Com sua voz afável e seu olhar misterioso, o jovem conseguira, em pouco tempo, arrebatar o coração das distintas damas e conquistar o respeito dos dignos cavalheiros da sociedade londrina. Poderia passar por um nobre sem dificuldade alguma. Um verdadeiro Lorde, como Narcisa Malfoy costumava afirmar. Mas não era só isso o que o tornava tão atraente aos olhos de todos, mas, principalmente, sua inteligência aguçada e seu humor refinado.

De onde saíra criatura tão singular era o grande enigma, mas entre suspiros apaixonados e risadinhas contidas, as donzelas diziam que fora do gênesis, onde Deus concebera as mais perfeitas criaturas.

Anjo ou não, o jovem Riddle parecia ser amado por todos e era difícil atribuir-lhe um único defeito que fosse. Perfeito por natureza. E, talvez por isso, espantosamente tentador.

-Madame Lestrange! – A voz soou suave e baixa, enquanto uma mão de dedos longos e delicados lhe era oferecida, e ele depositava um beijo respeitoso ali. Lentamente, ele ergueu os olhos para encarar a mulher que lhe oferecera a mão. Os cabelos negros como ébano estavam presos em um coque elegante, enquanto os olhos de uma tonalidade peculiar de azul - como se fossem gelo - o encaravam de volta com uma certa ousadia, os lábios finos crispados numa expressão de desagrado.

Mas ao notar o modo aborrecido como a mulher reagira, ele abriu um pequeno e preguiçoso sorriso, sussurrando de modo que só ela pudesse ouvir:

-Bela Bellatrix!

Um suspiro de puro deleite escapou dos lábios de Bellatrix Lestrange, enquanto estes se curvavam num sorriso de feroz prazer.

-Assim é bem melhor, Tom! – A mulher replicou, aceitando o braço que lhe era oferecido, enquanto se encaminhavam para a rua. – Ninguém me chama de Madame Lestrange desde que saí de Paris e você faz isso somente para me provocar.

-Eu apenas acho que chamá-la dessa forma aumenta a aura de poder do seu nome! – o rapaz arqueou levemente as sobrancelhas, como se não compreendesse o aborrecimento da mulher. – Isso lhe irrita tanto assim?

-Não. – Bellatrix respondeu e perguntou em seguida: - É isso o que você sente quando eu lhe chamo de “Milorde”? Poder? Você se sente poderoso?

O rapaz apenas abriu um sorrisinho malicioso, deixando a resposta subentendida. Talvez fosse por um misto de cinismo e admiração, mas Bellatrix adquirira o estranho hábito de chamá-lo assim quando estavam a sós. No começo, aquilo surpreendeu o rapaz, mas ele não protestou. Era muito mais interessante que ouvir aquele nome que era tão vazio e pobre de significado. E o modo como Bellatrix o chamava parecia exprimir todo o fascínio e uma quase entrega por parte dela.

Milorde.

Ele sorria languidamente quando aquela palavra chegava-lhe aos ouvidos, como se fosse uma carícia. Sentia-se poderoso, único. E ele era assim, não era? Tom Riddle era especial.

-Rodolphus não se importa que eu a acompanhe ao baile?

-Não! E mesmo que se importasse, eu não daria a mínima. Rodolphus é meu marido, mas não é meu dono; e o dia em que ele tiver algum poder sobre mim, a rainha irá sapatear nua em frente ao palácio real.

-Espero que Rodolphus saiba o que está perdendo sem a companhia de sua esposa! – Tom disse maliciosamente, embora sua voz soasse indiferente.

-E eu espero que Rodolphus não resolva agora grudar na barra de minhas saias!

O modo debochado como a mulher replicara, só fizera Riddle sorrir de maneira divertida. Como o seu nome, Bellatrix era bonita e igualmente feroz. Como as antigas amazonas. E o que o fazia apreciar mais ainda a sua companhia era o fato de que ela era inteligente e sagaz como poucas mulheres eram. Sem contar o estranho poder que ele era capaz de exercer sobre ela, sabendo que a teria em sua cama no momento em que bem quisesse.

-Boa noite, Senhora! – Um homem baixo e gorducho de olhar lacrimoso cumprimentou com uma exagerada reverência, sendo ignorado solenemente por Bellatrix, quando ela e Tom chegaram ao carro que os aguardava em frente à Mansão dos Lestrange.

-Nós vamos para Grimmauld Place, Pettigrew – Riddle ordenou com sua voz firme, acomodando-se dentro do confortável coche, enquanto seu servo conduzia o carro pela rua estreita em direção ao bairro afastado de Londres.



****

“Eu gostaria de ter um anjo
Para um momento de amor
Eu gostaria de ter o seu anjo essa noite”



O reflexo do espelho mostrava que a beleza era real e palpável. Traços firmes e harmoniosos, esculpidos cuidadosamente pelo tempo e que estariam eternamente gravados nos retratos espalhados pela casa. Diziam que era algo que estava no sangue, que aqueles que carregavam o antigo sangue dos Black traziam mais que o sobrenome de influência, mas também a beleza perturbadora daqueles que nasceram para serem mais que perfeitos.

Regulus Black sempre vivera aquilo, sempre respirara daquele ar tipicamente burguês e refinado. Do mundo, só conhecera o luxo e o poder. Nada do que estava além do seu círculo de perfeição maculara a sua visão de mundo. E ninguém fora capaz de lhe mostrar o quão sórdida a vida poderia ser ou o quanto o amor poderia ser um sentimento deveras poderoso. E igualmente perigoso.

Ah, tão jovem e tão cético quanto aos perigos da vida adulta!

Os olhos atentos a qualquer detalhe que pudesse estar em desarmonia com o seu gosto, lhe disseram que não havia nada de errado: trajava suas melhores roupas, os cabelos negros e sedosos estavam cuidadosamente penteados para trás – conferindo- lhe um ar nobre e adulto -, os olhos cinzentos faiscando como lamparinas brilhantes na escuridão.

Ele era capaz de ouvir facilmente as notas melodiosas do violino insinuarem-se languidamente pela fresta da porta e chegarem aos seus ouvidos. A música tão melodiosa e suave, como se um coro de querubins lhe sussurrasse as maravilhas do paraíso.

Um tolo romântico, apaixonado pela arte! Regulus riu-se de si mesmo. Aquele tempo todo que passara em Paris e que sua zelosa mãe supôs que ele estivesse a salvo das influências do mundo, mostrou-lhe o quanto a vida, em meio à arte, poderia ser tentadora. Como não se apaixonar pelo belo, por aquele ar tão impregnado de magia e encanto?

Ah, Paris...

Tantas coisas conhecera e aprendera na cidade mais encantadora da Europa. “Mas você ainda não sabe o que é o amor” - uma vozinha irritante o alertou, bem lá no fundo de sua mente. Ter uma bela jovem em sua cama por uma noite e algumas moedas não era amor. E ele, Regulus? Gostaria de conhecer o amor verdadeiro, aquele sentimento de entrega e doação? Aquele sentimento que fizera sua prima Andrômeda fugir de casa com um ator de teatro? Aquele sentimento doentio que sua mãe sente por ele, seu único e amado filho?

A verdade é que o herdeiro da família Black ainda não sabia o que queria, o que sentia. Regulus nunca amara ninguém verdadeiramente.

Batidas grotescas quebraram o ritmo envolvente da melodia que vinha do salão da mansão onde morava. Uma expressão de desgosto passeou pelo rosto do rapaz, antes que ele avisasse que já estava pronto e que desceria para o baile.

O baile em sua homenagem, para que todos vissem o quanto ele era único e especial, para que todos vissem que ainda havia alguém que tinha honra o suficiente para levar adiante o bom nome da família Black.


****

“Afundado dentro de um dia morto
Eu dei um passo para fora de um inocente coração”



-Você não faz idéia de como acho esses bailes tediosos, Tom! – A mulher disse com desdém, a mão deslizando inescrupulosamente pela perna do rapaz, que parecia indiferente àquela carícia. Os dois estavam sentados lado a lado frente a uma das várias mesinhas dispostas no salão de festa da mansão de número doze de Grimmauld Place.

Bellatrix tinha motivos para achar o baile em Grimmauld Place altamente tedioso, e Riddle acabara de contestar que a observação dela estava cheia de razão. Os mesmos rostos com seus sorrisos vazios e falsos, a mesma valsa sem ritmo, o mesmo assunto nas rodinhas de conversa. Mas ele sabia se portar como devia. Sorrir quando lhe sorriam, mostrar real interesse nas conversas fúteis das damas de meia idade, mostrar uma opinião crítica quando os cavalheiros lhe indagavam sobre o seu lado político...

-Ah, minha cara Bella, mas eles têm a sua utilidade! – O rapaz assumiu um falso tom didático e professoral. – É bom para manter as nossas relações pessoais. E uma pessoa bem relacionada é capaz de alcançar tudo.

-E o que você deseja, Tom? – Bellatrix perguntou, cravando os seus olhos cor de gelo no rapaz ao seu lado, admirando o belo rosto dele e sentindo-se mergulhar no negror de seus olhos escuros.

-Eu desejo tudo, Bellatrix! – Ele sorriu enviesado e talvez tenha sido apenas uma impressão, um jogo de luz que tenha refletido no rosto do rapaz, mas Bellatrix pensou que, por um momento, os olhos dele haviam emitido um singular brilho escarlate. – Tudo!

Contudo, seus olhos estavam ficando cansados daquele mesmo cenário, como se ele fosse o espectador de uma peça de teatro na qual se encena o mesmo ato interminavelmente. Tédio - era o que o dominava. A taça de licor estava segura em sua mão esguia há vários minutos, enquanto observava alguns casais bailarem ao som da valsa vienense.

A ocasião especial era o retorno do jovem Regulus Black - primo de Bellatrix e herdeiro de uma das maiores fortunas da cidade - de Paris, onde fora passar alguns anos estudando antes que ingressasse na Universidade de Oxford no próximo semestre.

O orgulho da família, era o que se ouvia dizer nas conversas cochichadas. Um rapaz notável, diziam outros.

Walburga Black - mãe do rapaz e dona de uma reputação de mulher séria e rígida - queria ter o filho perto de seu olhar atento antes que ele fosse para Oxford e assim pudesse ter um certo controle sobre seu caçula. Deixá-lo tempo demais fora poderia ocasionar o mesmo problema que tivera com seu primogênito, Sirius Black, que havia sido deserdado pelo pai após se envolver com pessoas que não eram do mesmo nível da tradicional família. Um absurdo na opinião deles. E desde então, Regulus é o filho perfeito, amado e venerado por sua mãe, simplesmente por ser a única esperança de lhe trazer orgulho.

Mas até o presente momento, Tom não conseguira encontrar o anfitrião da festa, que era solicitado por todos os convidados. Fato que, naquele tempo, poderia ser considerado uma extrema falta de delicadeza e que não condizia com o comportamento polido do rapaz.

-Eu lhe disse o quanto isso era aborrecido, não é Tom? – Bellatrix dissera com azedume, levando uma taça de vinho aos lábios.

-Depende do que você considera aborrecido, Bella! – Tom levantou-se e seus olhos sempre atentos captaram uma mudança sutil no ar, quando viu um vulto deslizar para a sacada da mansão.

-Depende? – Bellatrix arqueou as sobrancelhas, um sorriso debochado no rosto. – A mim você acha que engana, mon cher, mas eu sei que você detesta isso tanto quanto eu. Nós somos iguais, precisamos de uma motivação.

E antes de deixar a mulher para trás, seguindo o curioso vulto para fora do salão, Riddle murmurara com um sorriso quase predador bailando em seu rosto bonito:

-Pois eu acho, minha cara dama, que já encontrei a minha motivação.


****

“Se prepare para me odiar, caia se eu o fizer
Essa noite vai te machucar como nunca antes”



-O que faz o anfitrião da festa se refugiar na sacada, podendo pegar um resfriado por causa do frio?

A voz disse de maneira suave e quase persuasiva. Regulus se sobressaltou, pois julgava estar sozinho. Não ouvira passos se aproximando dele e podia jurar que ninguém o vira saindo da festa. Olhou ao redor, para saber de quem era a voz que saíra das sombras e se deparara com um jovem que aparentava ser poucos anos mais velho que ele, encostado no umbral da porta que levava ao salão principal da mansão.

Estando fora de sua cidade natal por tanto tempo, Regulus nunca se encontrara com Riddle antes, não sabia quem era o estranho. Não quis admitir a si mesmo, mas o outro jovem lhe parecera estranhamente fascinante e atraente. Trajava-se de maneira elegante e pelo seu porte podia-se dizer o mesmo de sua pessoa, mas não era isso o que chamara a sua atenção. Talvez fosse o modo como o rosto muito pálido dele parecia brilhar de maneira peculiar sob a luz dos lampiões, como se fosse a imagem de um anjo esculpida em mármore.

Quase surreal e terrivelmente arrebatadora.

-Tom Riddle! – Apresentou-se e estendeu a mão ao jovem Black, que permanecera calado todo o tempo.

-Então finalmente tenho o prazer de conhecer o famoso e fascinante Riddle! – Regulus respondeu com certo deboche, aceitando a mão que lhe era oferecida.

Tom fez um gesto indiferente com os ombros, como se quisesse dizer que aquilo não era grande coisa e postou-se ao lado de Regulus, que voltara a observar o jardim que ficava em frente à mansão e que jazia inóspito por causa do frio de janeiro.

-Você não respondeu a minha pergunta!

-Porque eu estou aqui? – Regulus arqueou as sobrancelhas, um sorriso quase ferino no rosto. – Pelo mesmo motivo que o trouxe até aqui, Sr. Riddle!

O modo como Regulus pronunciara aquele nome, mostrou que havia um quê de ousadia nele, como se não aceitasse ser enfeitiçado como todos os outros. E isso chamou a atenção de Tom.

Um desafio, por que não?

O jovem Regulus parecia tão inocente quanto uma criança birrenta e tudo o que lhe faltava era um amigo que o influenciasse. Mas não era só isso. Tom era capaz de reconhecer a mesma beleza selvagem que havia na venenosa Bellatrix, brilhando nos olhos cinzentos do adolescente.

Igualmente atraentes e igualmente indomáveis.

Que família notável!

-Então se temos pontos em comum, somos parecidos não é Regulus? – Riddle aproximou-se, mas sem invadir o espaço pessoal de Regulus. – Como um espelho.

-Um espelho? – Regulus quase riu, pensando no que havia de tão fascinante naquele rapaz de rosto bonito e assuntos tão fora de propósito.

-Sim, um espelho por meio do qual somos capazes de ver as nossas maiores virtudes e também os nossos maiores pecados. – e Regulus só se deu conta do quanto o outro estava perigosamente perto, quando vira o seu reflexo invertido nas íris escuras de Tom. – Você consegue enxergar isso, Regulus?

Os olhos negros de Tom fixaram-se nos olhos cinzentos de Regulus, e o jovem Black tinha a impressão de que algo estava sendo sugado de dentro dele, como se estivesse perdendo a si mesmo dentro daquele olhar.

Regulus pareceu agitado, com gestos nervosos, tomando uma boa distância do outro rapaz. Era melhor ele sair dali. Seu corpo começava a se agitar em estranhos calafrios e de modo algum provinham do tempo gélido de inverno.

-Eu acho que você bebeu demais nesta noite!

Tom riu baixinho, um riso quase inaudível, quando Regulus balbuciara uma desculpa qualquer e voltara ao salão.


“Amores antigos, eles morrem dificilmente
Mentiras antigas, elas morrem mais dificilmente
Eu estou apaixonado pela minha luxúria
Asas de anjos queimam até o pó
Eu gostaria de ter o seu anjo essa noite”


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Notas finais do capítulo

**Os trechos em itálico são da música “Wish I had an Angel” – Nightwish



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