A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 17
Cidade Vazia - Parte VIII


Notas iniciais do capítulo

De vez em quando é legal fechar os olhos, se concentrar no silêncio e simplesmente imaginar a cena que se quer fazer. O problema é quando se acaba dormindo e acordando no chão.
Oh, bem...



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A armadura completamente negra lhe cobria todo o corpo. Não era alguém, mas uma entidade, uma figura sem face, uma voz sobrenatural, uma presença sufocante e assassina — O Cavaleiro Negro.

— Pegue a espada — ele falou.

Hart correu até a arma jogada no chão, pegou-a e ergueu a guarda. Num movimento instintivo, moveu a espada para o lado, a tempo de aparar um golpe do Cavaleiro Negro.

— Corre, Ellie! — ele gritou.

Ellienne obedeceu sem um minuto de indecisão. Enquanto a via se afastar, Hart sentiu uma dor lacerante passar de seus pulsos até os ombros. Suas mãos fraquejaram por um momento, uma abertura que não foi perdoada. O Cavaleiro Negro fez um arco descendente com a espada, por pouco errando a cabeça do soldado. Sem dar tempo para recuperação, o terrível guerreiro negro balançou sua arma duas, três vezes, em golpes rápidos e fortes. As três vezes, Hart defendeu-se por pouco, sentindo cada vez mais o cansaço e a dor da ação contínua. Aguentaria mais quantos ataques como aquele? Suas mãos tremiam e seus olhos mal enxergavam a figura do inimigo. Já não sentia os pés e as pernas começavam a também ficarem dormentes. Tudo que seu corpo queria era se jogar no chão e, por um instante que fosse, relaxar.

Mas não podia. Com muito esforço, ajeitou os dedos ao redor do cabo da espada, arrumou a postura e encarou o Cavaleiro Negro no rosto. Para surpresa de Hart, o inimigo baixou sua arma.

— Você acha que pode me vencer? — o Cavaleiro Negro perguntou.

Hart sorriu.

— De jeito nenhum.

— Você acha então que pode ganhar tempo para ela fugir?

— É o que estou fazendo, não é? Por que as perguntas? E por que você está brincando comigo? Que merda está acontecendo nesse lugar?

Com ambas as mãos, o Cavaleiro Negro ergueu sua espada. Na lâmina negra iluminaram-se estranhos caracteres azuis. Sem saber o que esperar, Hart assumiu postura defensiva. Seu inimigo também mudou de posição e então, num movimento que sequer se pôde ver, projetou um brutal golpe.

O tempo parou.

Congelada nos olhos de Hart, a aterradora imagem da espada a brilhar em ardente rubro, dividindo a escuridão qual ela fosse um mar, refletindo na ponta da lâmina um caleidoscópio de vermelhos, lampejos de guerras e corpos, mortes, dor e desespero, cristalizados na forma de uma arma, projetando-se à frente qual um grito agonizante.

Quando sua consciência voltou ao normal, Hart viu o mundo cortado ao meio. Rasgada no chão ao seu lado, uma profunda vala se estendia do arco feito pela espada. Pedra e aço haviam cedido, uma parede partida ao meio despencara. Tivesse o golpe lhe acertado, também seu corpo não teria resistido. Mas ele estava de pé, ainda em guarda. Vivo.

— Como eu pensei. Você é igual a ele — O Cavaleiro Negro falou.

— Quem… quem é igual a mim? Quem? — Hart gritou.

Embainhando sua espada, o Cavaleiro Negro virou de costas e começou a se afastar. Hart não conseguia se mover. A imagem da espada cortando tudo em seu caminho ainda queimava em sua cabeça, todo o estresse de até ali o atingiu de uma vez, destroçando o que restava de estabilidade em seu corpo.

Um rugido então explodiu. Descendo do céu, uma gigantesca besta vermelha pairou sobre a cidade, encobrindo com sua figura colossal as estrelas e a lua, estremecendo os céus com suas quatro asas, seu reluzente coração de cristal prenunciando o desatre. Sua boca imensurável então se abriu e num terrível espetáculo de luzes e som e num instante todo o centro de Auenbach foi devorado. Labaredas lamberam as nuvens, rajaram a noite de um vermelho horrendo e prédios seculares sucumbiram em segundos.

— Então ele conseguiu matar os Gewen — o Cavaleiro Negro murmurou. — Ver essa cidade ardendo dói, mas não havia outro jeito.

— Do que você está falando? — Hart gritou.

— Ele está morto. O último herói de Auenbach morreu junto com a cidade.

Os Quatro Sinos de Auenbach gritaram a dor da cidade destruída. As chamas agora se espalhavam devorando tudo em que tocavam, tornando em cinza histórias e sonhos, clamando para o esquecimento a cidade de heróis e reis. Nada a elas resistia, nada nem ninguém. Era um fato tão dolorosamente claro. Hart enfim sucumbiu diante da imagem da cidade em chamas sobreposta pela figura do Cavaleiro Negro sob o som do lamento fúnebre dos sinos a gritar “Morto! Morto! O Herói está morto!”. Caiu de joelhos, a espada escapou de sua mão.

Outra fera, de igual corpo que a Sombra Caçadora, porém menor, pousou ao lado do Cavaleiro Negro e prostrou-se em frente a ele. Antes que o Cavaleiro a pudesse montar, Hart ergueu-se num ímpeto de ira e investiu em ataque. Sua espada, porém, foi arrancada de suas mãos com desconcertante facilidade. Sem olhar para Hart, o Cavaleiro Negro montou a fera, mas, antes de partir dirigiu-se uma vez mais ao soldado.

— Não se apresse — falou. — Seu papel ainda está longe de acabar. Tente ficar vivo até lá e cuide bem da princesa. Até breve, Jovichstein.

Erguendo poeira com o bater de suas asas, a Sombra alçou voo. Entre chamas e desespero Hart viu o Cavaleiro Negro esvanecer na escuridão da noite. Logo partiu também a grande besta, abalando os céus com suas asas poderosas, rugindo um tenebroso grito de vitória. Enfim só sobrou o badalar dos sinos e a cidade devorada pelo furioso fogo. E então mesmo os sinos se calaram.

Todo o resto foi silêncio.


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Notas finais do capítulo

E com isso concluo o arco da Cidade Vazia. Esse foi um capítulo curto, porém achei que fosse melhor não exagerar num capítulo de transição. Com tudo que aconteceu até aqui, estender muito mais seria arriscado.
E aposto que alguém deve estar se perguntando "por que ele foi embora no final?". Hmmm... spoilers. Embora eu consiga imaginar que alguns tenham uma ideia do que está acontecendo.
Daqui para frente as coisas vão ficar um pouco mais lentas. Tudo o que aconteceu em Auenbach causou um impacto grande no grupo e acho que o momento é de explorar isso.
Ou não, nunca se sabe.
haha
Até semana que vem.