A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 6
Parte 5 Estamos Sempre Sós Dentro de Nós




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/271/chapter/6

PLAF! A revista de modas aterrisou sobre suas companheiras empilhadas, desmoronando-as sobre pacotes vazios de batatas fritas, biscoitos e latinhas de refrigerante, além de um cinzeiro cheio de cigarros fumados pela metade. Mas Bulma não se importou. Seus olhos estavam fixos em algum ponto invisível, muito além da bagunça em torno de si mesma e dos limites daquelas quatro paredes.

Solidão.

Tédio.

Ela já experimentara ambas as coisas várias vezes em sua vida, mas de maneira tão intensa apenas uma: em Namek, quando seus amigos partiram para lutar deixando-a entregue à própria sorte. Aquele interminável dia em Namek ficaria para sempre num canto de sua memória como um longo pesadelo: perdera a conta das vezes em que achava que ia enlouquecer de tédio, solidão e de terror, também, pois podia ser assassinada (ou coisa pior) a qualquer instante, como quase havia acontecido. Não via muita diferença entre aquela situação e a de agora, a não ser que agora a possibilidade de morrer só viria daqui a três anos. E o pior de tudo era a humilhante sensação de impotência. A fabulosa Bulma Briefs, que sempre se orgulhara de fazer as coisas acontecerem, só podia esperar e rezar para que tudo acabasse bem.

Olhou desanimada para a miscelânea de revistas e lanchinhos com que tentava preencher seu vazio, mas que só “preenchiam” mesmo a sala. Se não fosse fim de semana, poderia ao menos se afogar no trabalho da firma, porém até isso lhe era negado. Nos últimos dois meses, sua vida se resumira ao trabalho, às picuinhas com os pais e ocasionais compras no shopping, para lembrar que ainda era gente. Na véspera fizera uma visita ao salão de beleza; seu cabelo estava comprido demais e já enjoara o estilo “afro”, mas não tinha certeza se queria voltar ao seu lisão habitual. O cabeleireiro, inspirado, decidiu aproveitar o permanente em vez de tirá-lo, e agora seus cabelos caíam até os ombros em ondas largas. Ficou maravilhoso, mas... de que adiantava, se só seus pais poderiam admirá-la? Pois, como se não bastasse todos os seus amigos estarem mais ou menos ocupados por causa daqueles malditos andróides, ainda por cima estavam de mal com ela. Embora já houvessem brigado várias vezes sempre fora fogo de palha e no minuto seguinte estavam às boas de novo. Desta vez, entretanto, havia sido sério.

Tudo começara quando recebera o convite de Chichi para uma visita. Com o marido e o filho treinando nas montanhas, a jovem dona-de-casa andava tão ávida por companhia quanto Bulma. Durante o ano da espera pelos Saiyajins, as duas mulheres tinham se tornado boas amigas, apesar terem tão pouco em comum. O início da visita fora agradável, com as duas tomando chá na cozinha e, claro, falando mal das eternas crianças egoístas que eram os homens. Bulma ainda estava ressentida com Yamcha por causa do que ele havia lhe aprontado; porém, mal começou a desabafar, Chichi cortou-lhe a fala:

—Francamente, Bulma, você também não devia fazê-lo esperar tanto tempo. Qualquer dia desses ele perde a paciência e nunca mais volta, ou então vai aparecer casado com outra, e você vai acabar ficando pra titia!

—Mas eu não quero ca...

—Oh, eu sei que o Yamcha é meio mulherengo, mas depois que estiverem casados você poderá botá-lo na linha, como eu fiz com o Goku. Logo que ele voltar não perca mais tempo, senão depois não poderá mais ter filhos!

“EU NÃO QUERO FILHOS! Eu não quero me casar com Yamcha! Meta isso na sua cabeça!” Bulma teve vontade de gritar, mas, como o resto da turma Z, temia o gênio da amiga, e também percebeu que esta jamais entenderia seu ponto de vista. Resignadamente, mudou de assunto com uma pergunta sobre os estudos de Gohan, para grande satisfação de Chichi, apesar do ar trágico que instantaneamente assumiu. A jovem mãe estava preocupadíssima de que aqueles anos de muito treino e pouco estudo prejudicassem seu garotinho de maneira irreversível. Oh, é verdade que ele ainda estudava durante as refeições, no banho e antes de dormir, mas para se tornar um cientista ele deveria estudar o dia inteiro! Ainda por cima, aqueles “invejosos” da Escola Estrela Azul haviam recusado matriculá-lo, sob pretexto de que ele ainda era muito pequeno!

—Você acredita? Papai disse a mesma coisa! Eu não concordo: quanto mais cedo se começa, melhor! Se eu tivesse estudado quando era pequena, estaríamos vivendo agora no conforto, em vez de sermos sustentados pelo dinheiro do meu pai! — olhou tristemente a cozinha humilde e deu um longo e sofrido suspiro —O que me consola é que o meu Goku lembrou que os garotos daquela escola são mais velhos e, portanto, bem maiores que Gohan. Iam ficar batendo nele o tempo inteiro, e o coitadinho não conseguiria se concentrar nas aulas! (Bulma fazia força pra segurar o riso) Oh! Ainda bem que não o coloquei no meio daqueles marginais!

Bulma não conseguiu se conter mais e explodiu numa gargalhada. Ria tanto que não conseguia falar, nem percebia a expressão chocada da amiga.

—Ora, Chichi, — conseguiu dizer entre arquejos — mas também, onde você estava com a cabeça pra meter o coitado do Gohan numa escola tão adiantada?

A morena levantou-se de um pulo e avançou sobre a visita do outro lado da mesa, derrubando as xícaras:

—O que você quer dizer com “coitado do Gohan” ? Acha que não sou boa mãe?!

—Hã... _a mulher mais velha instantaneamente parou de rir e foi se encolhendo pra trás, até quase cair da cadeira —N-N-Não Chichi, você é uma mãe maravilhosa... — deu um largo sorriso amarelo — Eu só quis dizer que você não deveria se preocupar tanto...

Chichi inclinou-se sobre ela ferozmente, até que os seus narizes se tocassem:

—O que uma solteirona como você sabe de criar uma família? Nunca vai arrumar um homem com essas roupas e esses modos de... de mulher perdida!

—Solteirona? Perdida?! — os olhos azuis viram tudo vermelho e foi a vez de Bulma de fazer Chichi recuar — Ora, vá se olhar no espelho! Eu tenho um fantástico gosto pra roupas, o que ninguém pode dizer de você! E se não me casei ainda é porque não quero! Posso arrumar o homem que eu quiser a qualquer hora e sem enganá-lo como você fez com o Goku, obrigando-o a cumprir um compromisso que ele nem sabia o que significava!

Quando Goku e Gohan chegaram para o jantar, encontraram Bulma correndo em volta da mesa da cozinha, com Chichi atrás dela brandindo uma imensa panela de pressão. Quando Goku tentou apartá-las, recebeu uma panelada no tórax que o derrubou no chão, sem ar. Com muito custo, os dois Saiyajins contiveram sua enfurecida matriarca, mas não conseguiram acalmá-la.

—Bulma, por que você não pede desculpas à Chichi? — Goku indagou desajeitadamente. Claro, agora revendo os acontecimentos de cabeça fria, era óbvio que ele estava só tentando acalmar as coisas. Na hora, porém, se sentira traída. Por que ele não dissera pra CHICHI lhe pedir desculpas? A essa sugestão, a morena tentara investir contra ela de novo, mas Goku se interpusera rapidamente entre as duas:

—É melhor você ir agora, Bulma. Não discuta.

Bulma não tivera outro jeito senão se retirar depressa dali, e só Kami sabia quando poderia voltar à casa dos Sons sem risco de vida. Talvez nunca mais. Mas o que mais doía era a injustiça, mesmo sabendo que Goku estava apenas tentando protegê-la.

Pra ficar ainda melhor, algumas semanas depois tivera outra briga, com Kuririn, Oolong e Mestre Kame. Os três mulherengos estavam visitando a Cidade D’Oeste por causa de um concurso de beleza e aproveitaram para lhe fazer uma visita. Estavam todos alegremente reunidos no pátio da casa, esperando a Sra. Briefs trazer alguns refrescos, quando por azar o assunto Yamcha entrou na conversa. Talvez o erro tivesse sido seu em aproveitar justo aquele momento para censurar Kuririn por ter falado de Zarbon para seu ex-namorado. Muito sem-graça, o pequeno monge explicou que mencionara aquilo sem pensar, e que Yamcha o obrigara a contar tudo. Seu constrangimento era tão evidente que Bulma sorriu e já ia dizer que não tinha importância... isso é, se Oolong não metesse a bendita colher:

—É bem típico da Bulma. Eu me lembro que nos Torneios, antes de torcer pelo Yamcha, ela sempre queria saber primeiro se apareceriam lutadores mais bonitos que ele — disse isso e já foi se encolhendo, por motivos óbvios. Mas o punho que vinha na sua direção foi detido no meio do caminho, por uma sonora risada do Mestre Kame:

—Por que está tão corada, Bulma? Uma moça como você não deveria sentir vergonha de nada.

—O que está insinuando?_ a jovem virou-se na direção dele.

—Por favor, mestre... — Kuririn implorou, mas o velho abriu um sorriso desdentado:

—Você sabe do que eu estou falando. Uma moça decente como você sempre alegou ser não mostra a calcinha para desconhecidos. E não brinca de paf-paf — só de lembrar encheu a boca d’água.

Kuririn quis saber de que estavam falando; Oolong ficou pálido e se escondeu embaixo da mesa. Quanto a Bulma, ao ver a sua moral tão injustamente questionada, perdeu a cabeça de vez:

—EU SOU uma moça decente!! Foi o senhor que me chantageou porque sabia que eu precisava daquela esfera que estava na montanha de fogo! Por isso obriguei o Oolong a ficar no meu lugar, mas ele tinha que inventar aquele maldito paf-paf!

Nenhum dos três jamais havia visto o velho Kameroshi tão furioso. Chegou a soltar fumaça pelo nariz. Deu uma paulada em Oolong com a bengala e depois avançou para Bulma insistindo para ela pagar o que lhe devia, isto é, que o deixasse tocar nos seios dela. Bulma deu-lhe com a cadeira na cabeça. Oolong começou a rir e levou uma pancada de cada um. Só pararam a briga quando viram Kuririn se afastando tristemente:

—Pra mim chega. Vocês são todos uns nojentos. Não sei qual dos três é pior.

Baixou um silêncio pesado. Então, muito devagar, o velho e o porco começaram a se retirar também, justo quando a sra. Briefs chegava com a bandeja:
—Aqui estão os refrescos... ué, aonde vocês estão indo?

—Não vamos tomar nada — disse o velho, em tom seco — Já estamos indo embora.

Bulma se lembrava perfeitamente do que acontecera depois: a mãe ficara estática segurando a bandeja até que os três sumiram, depois se voltara para ela:
—Bulma, o que é que você fez agora?

O que é que ELA havia feito?! Por que tudo era sempre culpa sua? Por que não perguntava o que OS OUTROS haviam feito? Ninguém jamais ficava do seu lado, Bulma explodira, antes de correr para o quarto e bater a porta, deixando a mãe lavada em lágrimas. Mais tarde, é claro, pedira desculpas, mas também, que coisa! Todo mundo parecia achar que ela é que dava motivos pra ser insultada. Era incrível, mas as pessoas ainda tinham a mentalidade atrasada sobre o que uma mulher deveria ou não fazer. Talvez ela tivesse recebido uma educação liberal demais, okay; talvez tivesse até sido um pouco influenciada pelas... hum, atitudes dos pais, por mais que as reprovasse; talvez. Sempre se orgulhara de ser uma jovem moderna e ousada, e agir sempre de acordo com seus próprios impulsos. Porém, agora, percebia que todos a viam como uma moça vulgar e mal-educada, pra não dizer irritante.

“Nunca vai arrumar um homem com essas roupas e esses modos de mulher vulgar!”

“Uma moça como você não deveria sentir vergonha de nada.”

“Não sei o que é porco-espinho; mas pela descrição, você é que se parece com um.”

Seria mesmo? Estaria afastando as pessoas com seu temperamento? Bulma nunca se sentira tão insegura. Verdade que não levaria tão a sério se Yamcha já não tivesse dito coisas semelhantes.

“Gastei os melhores anos da minha vida esperando por uma garota mimada, egoísta e mal-educada!”

Yamcha nunca teria ousado dizer-lhe aquilo se não estivesse revoltado de verdade; aquele grito fora tirado do fundo da alma. Talvez ela tivesse mesmo um pouquinho de culpa por não ter dado certo entre eles: nunca levara o compromisso a sério, a não ser quando pegava Yamcha olhando para outra garota. A simples ideia lhe parecia um insulto, como se fosse possível outras mulheres terem algo que ela não tinha. Mas não via sobre o mesmo prisma olhar para outros homens.

“Antes de torcer pelo Yamcha, ela sempre queria saber primeiro se apareceriam lutadores mais bonitos que ele.”

Nunca vira nada de mal em sua atitude, aquilo não diminuía seus sentimentos por Yamcha. Por que uma mulher não podia paquerar à vontade, se os homens -solteiros ou não - viviam fazendo isso? Era machismo. Por outro lado, se ela e Yamcha se amassem de verdade, um deveria ter bastado ao outro, em vez de ficarem procurando outras pessoas.

Sabia que há muito tempo não amava mais o ex-ladrão, pra ser exata desde que ele fora ressuscitado e aparecera todo encharcado na sua frente, com o sapo Ginyu na cabeça. Parecia tão feliz por estar de volta e tão patético (droga, estava pegando o vocabulário do Vegeta) que ela não tivera coragem de desenganá-lo, e preferira deixar rolar. Mas enquanto o tempo passava, continuara não tendo coragem, pois apesar de tudo ainda gostava da companhia dele, enquanto seus outros amigos desapareciam para se ocupar de suas próprias vidas e se esqueciam dela. Somente quando vira Yamcha com aquela garota é que se dera conta do quanto aquela relação havia se tornado um peso para ela. Para Yamcha também, que cegamente achara que ainda podia salvar alguma coisa, embora isso não o impedisse de deixá-la sozinha com seu suposto rival.

Até então Bulma havia procurado não pensar em Vegeta, pois era como cutucar uma ferida mal cicatrizada. Desde aquela noite dos salgadinhos ele a vinha evitando ostensivamente, chegando ao ponto de comer separado da família. Talvez para que ela não usasse o pi-pi de novo, já que não tinha como saber que o efeito do docinho só durava um mês. Ha. Podia ficar tranqüilo: não ia mais gastar sua preocupação com ele. Sabia que por mais duas vezes Vegeta se acidentara de novo, mas procurara não se envolver mais, ou pelo menos não que ele percebesse. Não conseguira deixar de passar na enfermaria para vê-lo, mas não ficara muito tempo e havia se retirado antes que ele pudesse acordar. Não ia ficar rastejando. Se ele queria ser morto pelos “bonecos de lata”, muito bem, que se explodisse!

Era típico de homens! Poderiam muito bem resolver tudo de uma vez, se encontrassem o tal do Gero e dessem um jeito nele antes que o miserável construísse os tais andróides. Mas não: os machões tinham sempre que resolver tudo no braço. Bulma começava a se perguntar se aquilo não seria um grande trote e no final dos três anos não apareceriam androides coisa nenhuma. Seria muito engraçado! Bom, até lá o pessoal já estaria de bem com ela de novo. Poderia até fazer uma festa pra reunir todo mundo, se tudo corresse bem. Afinal, as coisas aqui seriam muito diferentes do que na linha de tempo do rapaz misterioso. Goku estava vivo, era Super Saiyajin, e com certeza Gohan e Vegeta se tornariam Super Saiyajins também. Aqueles baldes de circuitos do Gero nunca saberiam o que os atingira. Mas até lá... só podia esperar.

—Gostaria que esses malditos andróides chegassem hoje mesmo! —disse em voz alta.

—Por quê? Está assim tão ansiosa para morrer? — indagou uma voz à suas costas. Bulma deu um pulo e se virou. Vegeta vinha entrando, o costumeiro sorriso malvado no canto da boca:

—Posso acabar com seu sofrimento, se quiser.

Normalmente, teria gritado com ele por assustá-la entrando daquele jeito. Mas, na carência em que estava, daria uma perna por conversar com alguém que não fosse seus alienados pais, mesmo que fosse apenas para trocar desaforos. Claro que preferiria morrer torrada a deixar que aquele arrogante percebesse.

—Não, obrigada. Quer alguma coisa? — seu tom de voz foi quase gentil, o que deixou Vegeta surpreso e um tanto decepcionado. Normalmente, a mulher costumava gritar e pular sempre que alguém se aproximava em silêncio, talvez um trauma adquirido durante suas aventuras com Kakaroto. Ele sempre se divertia com os gritos de raiva dela. Humpf.

—Sim. Quero me faça duas coisas. Primeiro, venha consertar a máquina de gravidade.

—E a segunda?

—Eu lhe direi depois. Deixe de enrolar e venha — fez menção de segurar seu ombro, mas quando a tocou tirou a mão e recuou. Bulma sentiu como se tivesse alguma doença contagiosa.

—Por que não pede pro meu pai? Eu estou muito ocupada.

Vegeta só olhou a bagunça em torno, dando a Bulma uma louca vontade de sumir no sofá.

—Ele não está disponível. Presumo que, do jeito que alardeia seu conhecimento sobre mecânica, você também sirva, a menos que tudo o que diz seja conversa fiada.

—Eu não alardeio nada! Eu SOU a melhor mecânica do mundo e vou lhe mostrar agora mesmo! — ela ergueu-se de um pulo e marchou em direção ao laboratório, sem saber que Vegeta sorria de leve, às suas costas. Só quando chegou perto do armário aonde guardava sua caixa de ferramentas é que Bulma se deu conta que estava fazendo exatamente o que ele queria. Ah, era assim? De propósito, levou um tempão procurando as ferramentas, depois ainda deu uma longa olhada para dentro, como querendo se certificar de que havia tudo o que precisava, até que ele finalmente a arrastou para fora e empurrou-a resmungando em direção à nave. Seria cômico se ela não estivesse tão irritada com aquela grosseria.

Examinou a máquina. Havia um defeito, sim, mas era uma coisa tão estupidamente simples que até uma criança poderia consertar.

Vegeta observou-a curvar-se, e soltou um grunhido amuado. Já começava a esfriar, e ela estava de camiseta e com uma calça folgada que a faziam parecer um garoto de cabelos compridos, na opinião do Saiyajin.

—Não está usando aquelas saias minúsculas hoje — resmungou.

Bulma instantaneamente virou-se na direção dele:

—Qual é o problema? Acha que uma “mulher vulgar” não é capaz de se vestir com decência?

Ótimo, Bulma. O que há com você? Agora ele vai sorrir e dizer alguma coisa do tipo “então você admite que é vulgar.” Porém o Saiyajin apenas deu a costumeira erguida de sobrancelha.

—Você é mesmo muito mal-educada.

Surpresa. Bom, antes ser chamada de mal-educada do que de vulgar.


—Você não é ninguém pra falar da educação dos outros — disse, ajoelhando-se para examinar melhor o problema — Esse defeito é muito esquisito — comentou em voz alta. Se não fosse absurdo, diria que havia sido feito deliberadamente.

Como estava de costas, não pôde ver o jeito como Vegeta se retesou.

—Está dizendo que não pode consertá-lo? — escarneceu, pra disfarçar — Já sabia.

Os olhos de Bulma soltaram chispas por cima do ombro.

—Estou dizendo que é esquisito que tenha me chamado aqui por causa de um defeitozinho tão mixuruca! Se minha competência não é suficiente pra você, pode vir aqui consertar sozinho! Afinal, sendo um piloto experimentado, você também deve saber alguma coisa de mecânica.

—Por que presume que eu saiba?

—Por causa das naves de vocês: são tão pequenas que só cabe uma pessoa, portanto não tem como trazer uma equipe de mecânicos. Se a sua nave quebrasse num planeta desconhecido, o que faria? Iria escrever um SOS no chão e esperar de braços cruzados, como está fazendo agora? Pelo que vi daquela gente com quem você “trabalhava”, duvido que se dessem ao trabalho de procurá-lo - no mínimo dariam graças a Kami de ficarem livres de um chato! — terminou o conserto, largou as ferramentas na caixa com estrondo e se levantou, espanando as calças. A câmara precisava de uma varrida.

Vegeta reprimiu um sorriso. Até que ela não era tão idiota assim.

—Cada soldado de Freeza tem conhecimentos básicos de mecânica: faz parte do seu aprendizado. Sendo um guerreiro de elite, não tenho necessidade de saber mais.

Bulma inclinou-se para pegar a caixa, mas parou e olhou para ele, hesitando. Deveria estar aliviada por sair dali, mas a verdade é que tinha pena de ir embora. Era engraçado, mas, agora, percebia que sentira muita falta daqueles duelos verbais que tanto a irritavam. Era como um jogo, achar a resposta certa e letal e ver pelas reações do oponente o quanto ele fora atingido: a excitação fazia o sangue correr mais rápido em suas veias, eliminando a apatia anterior. Talvez fosse por isso que Vegeta a tivesse chamado também, não seria? Absurdo. Vegeta, querendo companhia? Vá sonhando, Bulma. Mas provocou:

—Para um guerreiro da elite, você se vestia como um soldado raso

Como esperava, recebeu um olhar feio.

—Não era o traje que distinguia a elite da ralé. Até Freeza usava aquele tipo de armadura — Vegeta franziu a testa — Por que essa cara de espanto?

—É que... bem... você vai ficar zangado porque detesta que eu tenha pena de você, e...

—Vou ficar mais zangado se não falar logo!

—Está bem, está bem! Naquele dia que você ficou de cama, eu fiquei pensando no que você falou, sobre não ter nada além do seu orgulho e... sei que não tem nada a ver, mas achei que deveria ser meio chato um príncipe como você ter sido obrigado a usar um uniforme sem graça, em vez de se vestir de acordo com a sua posição.

—Você não sabe nada a meu respeito e fica fazendo conjeturas! Eu nunca usei outro tipo de roupa desde que saí do berçário. Aquilo que você chama de “uniforme sem graça” é o traje padrão de todo Saiyajin. Fomos nós que o criamos, junto com o scouter. Costumávamos exportá-lo para os Icejins, até que o maldito Freeza os copiou. (na verdade, quem inventara os dois foram os Tsurujins, mas quem ia saber?)

Bulma balançou a cabeça, ao mesmo tempo satisfeita por conhecer um pouco mais da história de Vegeta e um tanto decepcionada por mais uma de suas visões românticas da infância se desvanecer na realidade.

—Pensei que todos os príncipes só se vestissem de brocados e arminhos.

Vegeta não sabia o que era arminho, mas entendeu que ela se referia a roupas luxuosas.

—Os príncipes das raças fracas, talvez. É claro que os membros da nobreza Saiyajin têm trajes de gala para cerimônias, mas somos um povo guerreiro e precisamos ser práticos — terminou a última frase mecanicamente, o pensamento já em outra coisa.

Aquela conversa sobre os trajes de gala Saiyajins o lembrara de um colar que seu pai sempre usava, o símbolo da Casa Real. Quando criança, ele sonhara usar um dia aquele colar. Mas havia virado pó, junto com todo o seu planeta como símbolo da perda de sua herança...

Bulma percebeu o mesmo olhar distante e triste daquele dia em que ele a expulsara do quarto, mas deduziu que fosse por outras razões. Não admirava que ele preferisse aquela roupa feia às coloridas roupas terrestres. Era mesmo a única coisa que lhe restara de sua herança. Juntou rapidamente as ferramentas e dirigiu-se à saída, seu cérebro já fervilhando com uma ideia nova. Já estava alcançando a porta quando uma figura surgiu do nada entre as duas. Bulma quase esbarrou nele, e deu um pulo pra trás, com o susto.

—Onde pensa que vai? — a pergunta, praticamente uma ordem, soou como uma chibatada.

—E- eu... já terminei.

—Esqueceu que eu queria mais uma coisa?

Bulma suspirou.

—Acho que já sei o que é.

—E o que é?

—Me deixar maluca. Você já terminou seu treinamento por hoje, está entediado e não tem nada pra fazer. Então, por que não fazer a “mulher malcriada” gritar um pouquinho?

Ele se empertigou inconscientemente:

—Como sabe que eu parei de treinar por hoje?

Bulma quase lhe disse que achava que ele havia sabotado a máquina de propósito. Olhou-o de cima a baixo:

—Você tomou banho e mudou de roupa. Está cheirando ao sabonete da mamãe. Se estivesse no meio de um treino, estaria suado e fedendo como um cavalo.

A menção ao suor lembrou-a daquele dia quase fatal na câmara, quando Vegeta caíra por cima dela. Subitamente, teve vontade de encostar as mão no peito dele e inclinar-se para sentir o cheiro do sabonete mais de perto. Não fez nenhum movimento, mas Vegeta pareceu ler suas intenções, porque corou levemente e recuou um pouco. Ela sorriu.

—Além do mais, camisa com botões, sapatos de couro e calça de brim não são as roupas mais apropriadas para exercícios violentos — terminou, com uma piscada.

Vegeta cerrou os dentes e avançou com as mãos estendidas, encostando nos ombros dela.

—Você gosta de brincar de detetive, não é? — empurrou-a até o centro do aposento — Vamos fazer algumas perguntas. Sente-se!

—Aonde? Não tem nada aqui pra eu sentar.

—Está bem, sente no chão, ou fique de pé, se quiser. Não interessa.

Com cuidado para não apertar nenhum dos controles Bulma sentou-se sobre a máquina de gravidade, e ficou balançando as pernas, indecisa. Quais eram as intenções dele, afinal?

Vegeta ficou de costas para ela, os braços aparentemente cruzados e os ombros tensos, como se estivesse a ponto de explodir a qualquer momento. Como nada acontecia, ela cansou de fitar-lhe as costas e desviou o olhar para o chão. Quanto tempo ele pretendia mantê-la ali dentro, quando poderia estar fazendo... ué? O que era aquilo?

Cuidadosamente, desceu da máquina e abaixou-se, torcendo para que ele não percebesse.. Seus olhos brilharam ao reconhecer o pequenino objeto, admirada de não tê-lo visto antes. Ah, então estava certa! Quem diria, hein, senhor Vegeta? Disfarçadamente, pôs a coisinha no bolso,

Vegeta, é claro, ouviu-a descer do seu poleiro, mas achou que ela estivesse impaciente para ir embora. Aqueles terrestres indisciplinados não tinham a mínima noção de autocontrole.

—Por que mentiu para seus pais a respeito do seu braço? — perguntou de repente.

—Hã? — Bulma ainda estava com a mão no bolso e se assustou (pra variar): —O quê? Que braço?

Custou pra entender do que ele estava falando. Olhou para o próprio braço, que não apresentava mais nem mesmo um leve sinal amarelado. Já tinha até esquecido aquilo. Um grunhido de impaciência voltou sua atenção para Vegeta. Ele estava esperando.

—Você... quer saber por que eu não contei a ninguém que você quase quebrou meu braço, é isso?

—Hrn — na língua dele aquilo queria dizer sim.

—Por que eu sei que você não fez de propósito, é claro! Sei que, se você quisesse me machucar de verdade, teria feito muito pior. Mas, com a sua fama, ninguém iria acreditar, acho que nem mesmo os meus pais. E... — parou ao ver o olhar de Vegeta. Ué. Se não fosse impossível, diria que ele ficara mais tenso ainda, até um pouco irritado. Era evidente que não gostava do que estava ouvindo. Então Bulma se lembrou da sua reação quando ela dissera que se importava com ele porque ninguém mais o fazia.

“Piedade. Não preciso disso.”

Maldito orgulho Saiyajin, que não lhe permitia aceitar um pouquinho de bondade! Porém não queria magoá-lo de novo.

—...e se botassem você pra fora, eu perderia o prazer de ver mamãe deixando você maluco. _ terminou com um sorrisinho.

A expressão dele mudou. Isso é, continuou perturbado, mas de algum modo diferente. Não dava para saber se ele havia acreditado ou fazia que acreditava, porém seus músculos relaxaram e o canto de sua boca se ergueu.

—Então, admite que gosta de me atormentar — parecia quase agradecido com aquilo.

—Apenas retribuo o que recebo.

Vegeta alargou um pouco o sorriso:

—Afinal, eu não havia me enganado. Você realmente não é como os outros amigos de Kakaroto. Há em você uma dose razoável de sadismo e impiedade, e também algum desrespeito pelas regras de moral. (Bulma não gostou nada disso. Será que agora todo mundo ia chamá-la de “imoral”?!) Contraditoriamente, no entanto, você é a única que não se importa com o fato de eu ser um assassino e ter exterminado milhões de raças. Por quê? Só porque eu não tenho outro lugar pra ficar?


Ele havia mesmo ficado magoado, aquele dia. Hum. Vegeta, Vegeta, você não é tão invulnerável quanto quer parecer. Bulma hesitou, pois era difícil botar em palavras o que sentia, e não podia dizer toda a verdade.

—Eu... não sei — olhou-o bem nos olhos — Realmente não sei, Vegeta. Já me fiz a mesma pergunta várias vezes. Eu... antes tinha muito medo de você, e agora não tenho mais, é engraçado. Talvez porque depois de tudo o que passamos em Namek não tenha mais importância. Ou talvez porque quase todos os meus amigos sejam assassinos, também, embora eles tenham matado porque não tinham outro jeito, e você matou por prazer, ainda que às vezes também tenha sido obrigado. Mas se fosse julgar apenas você pelas mortes que causou, e não julgasse os outros, não seria justo.

Os olhos dela... parecia que o azul deles ia se intensificando, à medida que falava. A expressão de Vegeta perdeu a impassibilidade, e ele chegou a recuar um passo.

—O que você quer dizer é que não sou muito diferente daqueles insetos!

—Talvez. De qualquer jeito, você não seria o primeiro vilão que se junta ao nosso grupo.

—Como assim?!

Ela sorriu, maliciosa:

—Você despreza os rapazes porque acha que eles são todos bonzinhos, não é? E se eu lhe dissesse que o Yamcha tentou assaltar a gente quando nos conhecemos? Ou que Tenshinhan quebrou a perna dele na primeira vez que se viram, ou...

Vegeta ouvia de início com pasmo, depois divertido. Então os valorosos defensores da Terra, tão cheios de moral, também tinham os seus podres! O Cicatriz fora um ladrãozinho de quinta categoria; o Três Olhos e o Boneco de Louça, aprendizes de assassinos, e o Nameko, um pretenso demônio que queria governar o mundo. Era quase cômico. E o carequinha? Bom, deste ela não sabia grande coisa, a não ser que era namorador e que se aproveitara da ingenuidade de Goku várias vezes, quando eram crianças. Mas também, Kuririn fora um monge, não iria descer muito baixo.

—Então os únicos realmente puros de coração são Kakaroto e o filho dele — zombou o Saiyajin.

Bulma ignorou a insinuação.

—O problema é que vocês enxergam tudo em preto e branco: acham que alguém tem que ser sempre ou só bom ou só mau. Mas ninguém é inteiramente de um jeito, acontece apenas que um dos dois lados predomina. Acho que é por isso que Goku prefere poupar seus inimigos: ele sabe que ninguém deveria atirar a primeira pedra — disse, com uma amargura que não passou despercebida a ele.

—E atiraram pedras em você. _ Vegeta observou.

—Está me achando com cara de passarinho?

Ele segurou a vontade de rir. Fora apenas um chute, e ela caíra direitinho; era engraçada a modo como aquela criatura se recusava a dar o braço a torcer, pensou, esquecendo que ele fazia a mesma coisa.

—É evidente que aquelas pessoas que você chama de amigos não a levam assim em tão alta conta.

—Como se atreve? Meus amigos me adoram!

—É mesmo? — antes que Bulma se desse conta, ele estava bem na sua frente. Puxou-a até que seus rostos se encostassem, fez uma careta e empurrou-a, de volta, com ar enojado:

—Uma das coisas que aprendi sobre a sua espécie é que vocês são incapazes de lidar com seus próprios patéticos problemas sem se apoiar em algum tipo de “muleta”, tais como comida, bebidas ou cigarros. A sua boca está cheirando a cigarro, e há círculos embaixo dos seus olhos! Quer me fazer acreditar que seja apenas preocupação por causa da vinda dos Androides? Ou por que seu namoradinho não aparece mais?

Bulma estava catatônica.

—Eu... eu...

Ela queria explodir, dizer muitas coisas, que não tinha problema nenhum, que ele não tinha nada a ver com sua vida, que... mas não conseguiu. Suas pernas tremiam, juntou nervosamente as mãos, como uma criança obrigada a confessar uma travessura. Teve vontade de chorar, mas felizmente, seus olhos se mantiveram secos.

Quem diria que, de todo mundo, logo o insensível Vegeta fosse reparar. E que, de todo mundo, só ele se interessasse em saber!

—Eu só queria saber por que ninguém me aceita como sou! Sempre que precisam de um aparelho ou um lugar pra ficar, é só Bulma, você precisa nos ajudar; mas, quando sou eu que preciso de alguém pra conversar, todos somem ou então me criticam. Estou descobrindo que no fundo todo mundo preferia que eu fosse diferente. Que eu fosse, sei lá, mais discreta e que me casasse com Yamcha.

Os olhos do príncipe se arregalaram:

—Está dizendo que casaria com aquele fracote apenas para agradar aos seus amigos imprestáveis?

Por que ele parecia tão chocado?

—Não! É claro que não! — Bulma protestou com veemência — Isso não faria feliz nem a mim nem a ninguém. É que... sei lá, eu sempre fiz o que queria sem me importar com o que os outros pudessem dizer. Mas quando todo mundo pensa a mesma coisa a seu respeito, você começa a pensar se não está realmente fazendo algo errado. Por outro lado, ninguém que eu conheço é perfeito; todo mundo tem algumas falhas. Se eu aceito os outros como eles são, por que não podem me aceitar também?

Vegeta soltou um grunhido de desdém antes de falar. Estava de novo com os braços cruzados, olhando para o outro lado:

—A verdadeira pergunta é: por que vocês terráqueos precisam tanto que alguém os aceite? Vocês se preocupam demais se o que fazem vai ou não ser aprovado pelos outros; isso é patético.

—E você faz exatamente o oposto — Bulma observou, venenosa — Se quer ser impopular, está fazendo um ótimo trabalho.

Por que havia esperado que ele a compreendesse? Idiota, idiota, sempre tentando ver alguma coisa nele que não havia.

Vegeta pareceu receber aquilo como um elogio.

—Um guerreiro de verdade conta apenas consigo mesmo. Só os fracos precisam se juntar com outras pessoas.

—Foi por isso que se aliou a Goku e aos outros em Namek?

Finalmente ele a olhou. Pelo brilho de ódio em seus olhos, Bulma viu que havia acertado no alvo, e acrescentou triunfante:

—Ou por isso que andava com o irmão do Goku e com aquele careca bigodudo que apareceu na tevê? Ah, esqueci, ele não significava nada pra você, tanto que você o matou.

Ele rilhou os dentes.

—Sua estúpida insolente, não ouviu nenhuma palavra do que eu disse? Nappa e Radditz eram meus servos. Um par de incompetentes, e teriam alegremente me eliminado se pudessem. Vocês terráqueos são fracos: cercam-se de outras pessoas achando que assim estão protegidos, quando deveriam fortalecer seus corpos e suas mentes para precisarem apenas de si mesmos! Isso que vocês tanto pregam de “amizade”... — quase cuspiu a palavra _ é apenas uma mentira que usam para iludir o vácuo que há em cada um, e não vêem que assim apenas se enfraquecem mais. Tanto faz estar no meio de uma multidão ou de um deserto: não importa. Dentro de você estará sempre só! E, na morte, estará ainda mais só!

Bulma teve uma sensação estranha, como se uma aura de escuridão tivesse baixado sobre ela. Fazia sentido. Tantas vezes não se sentia só, mesmo cercada dos amigos? Eles a haviam deixado sozinha, correndo perigo. Okay, haviam salvo sua vida, mas faziam isso com todo mundo. E quantas vezes fora ignorada ou tratada como uma criança? No fundo, ninguém podia ser inteiramente compreendido, sempre haveria diferenças mínimas, que juntas acabavam por formar uma parede, isolando-a dos outros. Nunca admitira - publicamente, ao menos - o quanto se sentia solitária, sempre proclamara aos quatro ventos que era forte e independente e, no entanto...

Sua mão roçou o bolso da calça, de leve, mas foi suficiente para lembrá-la do que havia dentro dele. Enfiou a mão no bolso, sentindo a superfície dura e fria do metal, suas curvas delicadas.

Não. Embora houvesse um pouco de verdade nas palavras de Vegeta, ele estava errado. Ninguém podia bastar por si só o tempo todo. Nem mesmo ele.

—Você realmente acredita nisso, Vegeta? Ou está tentando convencer a si mesmo, com essa ladainha que devem ter enfiado na sua cabeça, junto com o resto da lavagem cerebral que vocês recebem quando nascem? Nunca lhe ocorreu questionar se tudo o que aprendeu estava certo?

Questionar?

“Meu filho, você é o mais poderoso de todos os Saiyajins.”

Se questionasse isso, seria o mesmo que admitir que ele... que ele não era, jamais seria... Não! Nunca!

—Por que não admite, Vegeta, que você também precisa de companhia? Foi por isso que me trouxe aqui, não foi? Você está tão sozinho quanto eu.

—Não seja idiota. Eu não sou fraco como você — ele forçou um sorriso, mas uma gota de suor apareceu na testa larga.

—Por que não admite que sente falta das nossas discussões? É por isso você não quer me deixar sair, não é?

Os olhos de Vegeta se estreitaram, enquanto corria mais suor.

—Além de todos os defeitos, é presunçosa. Eu não estou prendendo você aqui; poderia ter saído quando quisesse. Só queria comprovar o que já suspeitava: que você não consegue ficar muito tempo longe de mim — Avançou até a porta e abriu-a num gesto brusco — Agora, saia! Estou perdendo tempo precioso do meu treinamento com as suas tolices!

—Nem um obrigado pelo conserto? — Bulma indagou, sarcástica. Lentamente, foi andando na direção do Saiyajin, até ficar na frente dele — Só uma coisinha — tirou do bolso o pequeno objeto metálico que havia achado junto da máquina e ergueu-o até a altura dos olhos de Vegeta — Da próxima vez não deixe indícios do seu “trabalho” onde eu possa ver. É um lugar estranho pra mamãe perder os grampos dela, você não acha?

Vegeta não corou, como ela esperava: empalideceu e arregalou os olhos, as pupilas encolhendo até quase sumirem. Uma veia inchou em sua testa.

—FOOOOORAAAAA!!!! — berrou com toda a força guardada nos pulmões, literalmente soprando a moça pela entrada afora. Bulma nem havia caído sentada no gramado lá fora e a porta já batia.

—Ei! Minhas ferramentas ficaram aí dentro! — levantou-se de um pulo e começou a socar a porta. Não houve resposta, mas ela achou ter ouvido sons de alguma coisa se quebrando.

Pesando os prós e os contras, decidiu não abusar da sorte.

—Tudo bem. Posso pegá-las depois — afastou-se, sorrindo.

Provavelmente nunca mais veria aquelas ferramentas de novo, o que era uma pena, pois tinha algumas desde criança. Mas não conseguia ficar triste. A reação de Vegeta ao botá-la pra fora equivalia a uma confissão. Deveria estar morto de vergonha agora, por descobrir que era tão transparente. “Patético”.

“Acho que vou ao cinema.” Pensou ”Sozinha, mas e daí? Eu sou uma garota bonita e independente. Não estou tão desesperada por companhia para estragar máquinas com grampos.”.

—Oh, Bulma, aí está você! — disse o pai ao vê-la entrando. O velho notou, satisfeito, que ela parecia diferente do estado apático que andava mostrando nos últimos tempos — Aconteceu alguma coisa? Você está muito bonita hoje!

—Eu estou sempre bonita, papai. E o que poderia acontecer? Vegeta, é claro. Ele estava me enchendo pra consertar a máquina porque o senhor não podia ajudá-lo.

Os olhos do velho se arregalaram por trás dos óculos:

—Vegeta disse isso? Mas eu tentei falar com ele há pouco!

—O senhor queria falar com ele? — Bulma lembrou que o príncipe enfatizara sobre seu pai não estar disponível.

—É. Faz tempo que quero lhe mostrar um novo modelo de robô, mas ele está sempre confinado naquela nave e quase não entra mais em casa. Hoje, quando finalmente apareceu, tentei lhe falar, mas ele passou apressado por mim e nem sequer me olhou! — coçou o bigode, confuso — Esse seu amigo é mesmo maluco.

—É um mentiroso, isso sim.

—Por que diz isso?

—Ele estragou de propósito a máquina de gravidade para que eu consertasse, só pra ter um pouco de companhia. Já viu coisa igual?

O Dr. Briefs ajeitou os óculos.

—Oh. Ele deve ser muito solitário.

—Se é tão solitário, por que ele não pode deixar seu orgulho de lado e admitir que precisa conversar de vez em quando, como qualquer pessoa? Essa atitude dele é ridícula!

O velho afagou seu gato em cima do ombro.

—Querida, você se lembra do velho Fluffy?

—De quem?

—Foi um dos primeiros gatos que eu tive, quando você ainda era pequena.

—Como quer que eu lembre todos os bichos que você adota, pai? — ela bufou com impaciência, já se virando pra sair da sala, mas o velho ainda não havia terminado:

—Ah, bem. Eu recolhi ele depois que a sua mãe o pegou roubando comida. Estava todo machucado e cheio de sarna, o coitado. O veterinário até se ofereceu para sacrificá-lo, mas nós não deixamos. Mesmo doente, era uma fera e não deixava ninguém chegar perto. Até você tinha medo dele.

—E o senhor ficou com um gato desses? — a filha suspirou, torcendo para que aquelas reminiscências não demorassem muito.

—Não era culpa do Fluffy ser daquele jeito. Quando era um gato de rua, as pessoas o maltratavam, e ele nunca soube o que era carinho até conhecer a gente. Um bicho traumatizado leva meses, às vezes anos para superar o que fizeram com ele. Fluffy comia como um rei e tinha uma cama quentinha aqui, mas não confiava na gente. Mas eu percebia que, apesar de tudo isso, ele gostava de morar conosco.

Bulma revirou os olhos.

—Claro, ele tinha casa e comida de graça!

—Não era só por isso. Às vezes, quando eu estava trabalhando no laboratório, ele entrava e ficava horas me olhando, até dormir num canto. Acabei levando a cama dele pro laboratório, e o Fluffy passava lá a maior parte do tempo, mas ainda levou meses pra deixar que eu lhe fizesse carinhos e nunca me deixou pegá-lo no colo. Assim mesmo, eu sabia que ele gostava de mim, porque nunca confiou em mais ninguém, nem mesmo a sua mãe. E sempre que me via acarinhando outro bicho, ele ficava furioso. Não era o Scratch, é claro — fez um carinho no gato empoleirado em seu ombro — mas senti muito quando ele morreu.

—Sabe— prosseguiu —, os gatos são animais orgulhosos e independentes, e não são tão afetuosos como os cachorros. Por isso muitas pessoas acham que eles só ficam conosco por interesse, mas casa e comida um gato pode conseguir em qualquer lugar. Se ele fica com a gente podendo ficar em qualquer outro lugar, não pode ser só por interesse, não é mesmo?

—Mas o que isso tem a ver com Vegeta?

O velho piscou com ar confuso, como quem acorda de repente:

—Com Vegeta? Nada. Eu estava só lembrando dos meus primeiros bichinhos... — e saiu da sala, com o gato sempre pendurado nele.

Bulma ficou olhando, pensativa. Sentia que o pai quisera lhe dizer alguma coisa sobre Vegeta: apesar de distraído, o querido velhinho era bom observador. Ah, bobagem. Vegeta, gatos, orgulho... Gatos pelo menos ronronavam quando alguém os tratava bem; aquele Saiyajin ingrato só sabia retribuir o bem que lhe faziam com patadas. Abanou a cabeça ferozmente e foi se arrumar.

No dia seguinte, encontrou a caixa de ferramentas no balcão do laboratório.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pequenas Explicações:

 

Não sei se a história do “paf-paf” chegou a ser mostrada no episódio (imagino que, se foi, tenha sido cortada aqui), mas aparece no mangá, quando o velho chantageou Bulma para apagar o fogo na montanha do Rei Cutelo, e ela obrigou o Oolong a se passar por ela com a ameaça do pi-pi. Sobre o que é paf-paf... bom, Oolong sugeriu ao velho colocar a cabeça no meio dos seios dele e, o resto cada um imagine o que quiser.

 

Segundo a Enciclopédia Dragonball, os Tsufuljins inventaram o scouter e os Saiyajins roubaram a idéia, por isso presumo que tenham feito a mesma coisa com os uniformes.

 Sobre a “lavagem cerebral”: Bulma se refere à programação que todos os bebês Saiyajins recebiam para se tornarem cruéis e agressivos, e que foi apagada no Goku porque ele bateu a cabeça. Embora Vegeta não tivesse sido mandado para outro planeta, obviamente também recebeu a sua quota de doutrinação, talvez mais do que os outros.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Ovelha e o Porco-espinho" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.