Cartas de Fogo e Água escrita por José Vinícius


Capítulo 19
Carta 14 - Fogo




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Katara,

Acho que você me conhece muito. Bastante. Mas não o suficiente.

Minha vida tem sido pouco movimentada, desde a última reunião com os líderes das nações e o Avatar. Decidimos algumas coisas, criamos pequenas parceiras de longa data, e Aang mostrou um lado dele que eu não conhecia – um lado bem político, na minha opinião.

Afinal, eu gostei do nosso passeio pelos jardins do Rei da Terra. Acho que o cheiro daquelas flores, ou a umidade do ar, ou as trilhas de pedra por entre os arvoredos, ou isso tudo, tornou aquele lugar e aqueles momentos inesquecíveis.

Eu me senti tão... Tímido do seu lado!

Não sei por quê. Eu queria ser mais espontâneo, só isso. Queria ser mais aberto. Mas eu estava do seu lado, e, por mais estranho que aquilo me pareceu – você também classificou aquilo como estranho – eu não sabia o que dizer – acho que você também não – e nós ficamos assim, estáticos por um bom tempo.

Acho que outra parte de nós estava conversando.

Eu concordo com você quando você diz que a distância é necessária para mantermos isso de pé. Mas sei que, num dado momento, se ambos desejarmos e sentirmos que é a hora, este pilar vai cair, mas a construção vai estar de pé, porque nós a solidificaremos sob outros pilares mais fortes e mais perenes que este. Agora ainda é cedo, e ambos estamos caminhando devagar, embora juntos.

Vou esperar você, nem que leve toda a eternidade.

Lógico que temos visões diferentes das coisas. Mas eu quero ser o mais claro e compreensível possível, Katara. Não quero apressar nada, nem quero que tudo simplesmente se estagne: quero que as coisas andem no ritmo delas. Sei que nós somos como as ondas, indo e vindo na beira da praia, quando querem e como querem. Não podemos apressá-las, nem retardá-las, ou então, perderiam a sua beleza, que é a liberdade.

Eu me sinto bem também. As pessoas notam isso. Elas dizem: “como o senhor está mais corado!” “Como o senhor está mais gentil!” “Como o senhor parece mais atencioso!”. E eu apenas digo: “não é nada, é que estou feliz”. Você se enraizou em mim de um jeito tão incrível que até mesmo um sorriso meu tem uma parte de você.

Eu penso que, fazendo os outros felizes, eu sou capaz de fazê-la feliz. É o que mais quero, fazer você feliz. Estou esperando, e aprendendo também, o momento mais adequado para que ambos possamos tornar nossos desejos realidade.

Sobre a Mai... Eu confesso que não tenho pensado muito nela, mas no fundo, sempre me preocupei com ela. A verdade é que eu ainda me acho incapaz de sequer falar com ela. Não sei por que, nem entendo porque, mas eu sei que, se eu falar com ela, eu serei capaz de esclarecer tudo, mesmo que isto me custe muito. É o mesmo que acontece dentro de você com relação ao Aang. Acho que este é o maior peso que ambos carregamos juntos. Um espinho que teimamos furar o dedo. Mas porque furar o dedo? Por que não usar luvas para retirar a rosa do canteiro? Certamente, é uma belíssima rosa, mas cheia de espinhos venenosos. Usaremos luvas, e então, nós a tiraremos de lá.

Nossas luvas não são somente o tempo. É a compreensão, aliada a ele.

Pedi que um dos meus assistentes buscasse informações sobre ela. Ele me trouxe pouca coisa, mas logo ela saberá que quero procurá-la, e então, ela poderá ou não se preparar para uma conversa. Pretendo ouvi-la direito, e muito – de preferência, só ouvi-la. Não tenho o que colocar, a culpa é toda minha.

Nossos sentimentos não mudaram, Katara. O que mudou foi a nossa forma de vê-los. Eles são os mesmos, mas nós estamos observando eles com outros olhos. Aos poucos, a verdade vai clareando-nos, curando a nossa cegueira, e quando enfim, notamos, observamos estes sentimentos do jeito que eles realmente são.

Não fique aflita, Katara. Eu estou aqui.

Quando estávamos em Ba-Sing-Sê, Aang me procurou. Conversamos bastante, e ele disse que realmente sabia que você gostava de mim, mas não imaginava que fosse assim... Ainda me lembro da conversa. Vou transcevê-la, e você poderá ter uma idéia do que ele quis dizer. Acho que você pode até criar coragem para falar com ele. Não foi exatamente assim que ele disse, mas, eu espero ter captado a essência da coisa:

“Então, você queria falar comigo?”

“Queria, sim. Acho que temos que conversar sobre a Katara.”

“Eu também acho. Aang, eu não quero perder a nossa amizade, nem quero criar algum tipo de rivalidade. Eu sei que você está tão aflito com ela, que...”

“Não, não, tudo bem. Na verdade, as coisas estão se clareando para mim.”

“Estão?”

“Sim. No fundo, eu já sabia que seria efêmero. Eu já sabia que a Katara olhava para você de um jeito diferente. Eu que fui incapaz de admitir a verdade antes de levantar argumentos fracos contra ela. Se eu tivesse admitido antes, aceitado, ao invés de ignorar e seguir em frente... Eu não teria machucado ela.”

“...”

“Sei também que ela gosta muito de você. Eu apressei muito as coisas. Mas ela é como o mar: não pode ser apressada nem domada. Os sentimentos dela são muito confusos, mas ela é capaz de aceitar a verdade e seguir em frente.”

“O que ambos queremos é que ela não fique ferida, não é?”

“É sim. Mas acho que ela ainda não está pronta para falar comigo, e eu também sinto que não estou pronto para falar com ela. O mesmo acontece entre você e a Mai, não é?”

Então eu fiquei em silêncio.

“Sim... Você tem notícias dela?”

“Por acaso, acabei encontrando-a numa viagem. Ela disse que estava vivendo bem, e só. Não me disse mais nada, mas quando eu toquei no seu nome, eu li no rosto dela, Zuko. Ela ainda está magoada.”

Fiquei com isso por muito tempo na cabeça, Katara. Eu devo ir atrás dela? E se eu for, o que eu direi?

Não podemos mais continuar mantendo estes fantasmas ao nosso redor, Katara. Nós temos que limpar nossos erros, mesmo que não tenhamos feito nada. Tanto a Mai quanto o Aang tinham sentimentos por cada um de nós, e nós nem nos importamos com eles. Temíamos mais admitir um ao outro o que ambos sentimos, por acharmos pavoroso demais.

Mas não era. Nunca foi.

E agora, eu, pelo menos, vou enfrentar a realidade. Já pedi que procurassem a Mai, e lhe entregassem uma carta pedindo uma ‘audiência’ (normalmente, sem querer me gabar, seria o contrário... Mas neste caso, é necessário que seja assim, não é?).

Katara, eu vou te pedir uma coisa.

Peço que responda esta carta se, e somente se, você tiver se acertado com o Aang. Ele é meu amigo, e eu sinto muita dor por ele. Ele pode não demonstrar, mas ainda está triste. Clareie as coisas para ele, Katara. Você é a Minha Lua e Minhas Estrelas, mas também pode iluminar outros caminhos escuros, quando eles estão fadados à...

Sem mais, um abraço, e muito, mas muito apertado.

Do teu, sempre seu e somente teu, nada mais que teu,

Zuko.


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Notas finais do capítulo

Estava planejado que eu terminasse esta fic exatamente neste capítulo.
Mas, a vida é imprevisível. E nem sempre temos controle dos fatos.
Motivei-me: hei de continuá-la.