Autumn Lies escrita por Dama do Crime


Capítulo 1
Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Bem... Talvez se analisar com muuuito cuidado e uma boa dose de sadismo você consiga ver um pouquinho de shounen ai. Nem perto de ser tão óbvio como o Sebastian jogando o Ciel contra as prateleiras da escola no Capítulo 73, mas acho que pra os padrões deles essa fic poderia até ser considerada fluffy (!), mas essa nunca foi minha intenção.
Pra mim essa história é simplesmente Bocchan e Shitsuji. Nada além disso.



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O mordomo não gosta de mentir. Não há implicações morais nisso - é apenas uma preferência pessoal, como alguns humanos gostam de azul e outros gostam de vermelho. Qual é a estética de usar artifícios tão óbvios quanto criar informações com o objetivo de enganar? Claro, é divertido dar a entender certas coisas e aguardar que a presa faça uma armadilha para si mesma, mas mentir? Um pouco fácil demais para alguém com tantas habilidades de ilusão.

No entanto, quando ele mente poucas pessoas, se é que elas existem de fato, conseguem ver a verdade. Seu rosto é uma máscara perfeita, e eles percebem o que ele deseja: a voz sincera e confiável, as palavras educadas vindas de lábios que frequentemente exibem um sorriso suave, a expressão corporal compreensiva. Mas se alguém for capaz de sustentar seu olhar, se alguém observar atentamente a forma como seus olhos brilham, talvez seja possível ver uma sombra de diversão que o trai. É claro que ele é habilidoso o suficiente para evitar isso tão facilmente quanto um gato é capaz de evitar uma queda.

Mesmo assim, é por isso que ele deve admitir que seu jovem mestre o superou nessa arte. Ele não é maduro o suficiente para manipular a verdade a seu favor, tampouco é habilidoso o suficiente para redirecionar a atenção. Mentiras puras são tudo o que resta a ele - e é isso que o fez capaz de mentir usando os olhos, um truque que invariavelmente faz com que o mordomo sorria.

Ele sabe que verá isso hoje, porque eles estão no outono - um belo outono, com brisa fresca e folhas douradas - e o garoto odeia cada uma delas. Sim, ele odeia o outono porque ele odeia 14 de dezembro - hoje.

Seu aniversário está chegando, você deve estar tão feliz!, dizem tão logo quanto as folhas mudam de cor, e mesmo o mordomo se pergunta se essas pessoas teriam a coragem de repetir isso todo ano se soubessem tudo o que aconteceu há três anos, em seu décimo aniversário.

O garoto odeia o outono porque até o fim dele, ele perdeu tudo o que considerava importante, porque ele conheceu um pouco do inferno. Da mesma forma, ele ama o inverno porque a estação o deu uma nova vida - e o mordomo tenta não rir ao pensamento de que de fato suas últimas lágrimas vieram no inverno. Primavera e verão não lhe interessam, porque elas não tem nada a ver com seu objetivo.

"Feliz 13º aniversário, Ciel!", a tia dele diz.

Ele a agradece, parecendo genuinamente supreso e feliz.

A primeira mentira de muitas no dia.

O mordomo esconde um sorriso.

***

Ele deveria ter dormido há três horas, e apenas agora está na banheira. A água está fria, e o banho já terminou há algumas badaladas do relógio. Seria cruel negar ao garoto alguns poucos momentos de solidão depois da pequena festa de aniversário, mas mais do que isso, impedi-lo de se torturar por horas a fio até reafirmar seu desejo por vingança seria desnecessário, perigoso e entediante.

"Bocchan?", o mordomo chama, a preocupação fingida sendo um claro lembrete de sua existência: você não vai desistir agora, vai?, sua voz inexpressiva diz silenciosamente, Não depois de tudo que passou. Não agora que você tem uma peça tão poderosa no tabuleiro.

A resposta que ele recebe é clara: o garoto se deixa afundar na banheira, a água cobrindo sua cabeça. Eu sei. Me deixe em paz.

Vários segundos se passam antes que o garoto ressurja tossindo, a mão inconscientemente buscando o olho direito. Eu vou cumprir meu juramento, sua respiração acelerada parece dizer, Mesmo se não me restar mais nada, esse contrato não irá desaparecer.

"Sebastian.", ele diz pura e simplesmente. Não é um nome, é uma ordem, um desafio: me dê o que eu quero antes que eu peça. Você sabe o que eu quero?

O garoto é envolvido por uma enorme toalha e fecha os olhos por um segundo antes de rir ironicamente.

"Você parece um cachorrinho numa coleira.", ele diz, seus olhos ameaçadores (Oh, então você sabe? Saiba disso também: me traia e você irá se arrepender disso), "Não é nenhuma surpresa que Lizzie te adore."

"Devo estar à altura do Cão de Guarda da Rainha.", é a resposta. Não tenha medo: você vai ser o primeiro a querer desistir.

"Você deve estar à altura de Ciel Phantomhive.", ele repete, tão fascinado com as palavras quanto aos dez anos.

Uma criança jogando, o mordomo pensa, não com pena, mas com interesse.

"Qual é o chá de hoje?", o garoto provoca.

"Jasmim.", o mordomo responde, sem aceitar a brincadeira infantil.

"Espera que eu tome um chá tão simples?", o garoto pergunta, desviando os olhos, "Posset."

"Desculpe?"

"Posset. É muito difícil para você?"

Posset, o mordomo sabe, é apenas uma maneira adulta de referir-se a leite e mel. A bebida é algo que o garoto apenas aceita à noite, distante dos olhares de pena que invariavelmente o atingiriam. Havia sido um de seus primeiros pedidos e definitivamente o primeiro elogio. A bebida da morte. Aceita por um garoto traumatizado e aceita por um conde depois da morte de Madame Red. O mordomo se pergunta se o líquido doce tem gosto de lar ou de sangue.

"Nem um pouco, Bocchan.", ele diz ao invés, escondendo a sombra de um sorriso, "Sentindo-se nostálgico?"

"Claro que não. Não tenho motivos para estar."

O garoto o olha nos olhos, sinceridade transbordando neles pela primeira vez na noite.

E o mordomo acha mais difícil não rir.

***

Se o garoto não estivesse prestes a desmaiar, ele teria percebido. Sim, seria impossível não notar que seu cabelo estava sendo penteado pela oitava vez. Mas o dia foi terrivelmente ocupado e aparentemente o leite quente não havia perdido sua incrível propriedade de faze-lo dormir. Sentado em uma elegante cadeira, ele tenta pensar em alguma coisa, qualquer coisa que o faça permanecer alerta.

"Quando irá me acordar amanhã?", pergunta, a voz entediada e ligeiramente irritada. Por que ele está demorando tanto?!

"Às oito.", é a resposta desinteressada e aparentemente polida. Suas mãos seguram uma porção do cabelo escuro, desembaraçando os fios perfeitamente sem nós.

"Lizzie irá passar a noite aqui. Devo estar acordado antes dela. Sete e meia."

"Devo lembrá-lo que Senhorita Elizabeth deitou-se há quatro horas.", ele responde, casualmente escolhendo outra mecha.

"Acha que não consigo passar uma noite sem dormir? Sete e meia e isso é uma ordem."

"Como quiser."

O garoto pensa em algumas frases para continuar a conversa: O que está fazendo você demorar tanto? ou Estou com sono pareciam infantis e tolas.

"Sebastian. O que está fazendo?"

"Cumprindo minhas obrigações."

"Está agindo como Lizzie, eternamente penteando a mesma boneca."

"Oh...", o mordomo insinua. O garoto vira-se imediatamente, os olhos como lâminas.

"Não sou um brinquedo, Sebastian. Não se esqueça disso."

"De forma alguma me esquecerei de seus esforços.", o mordomo faz uma reverência.

"Cale-se!", o garoto diz, a voz alta e os punhos fechados. "Calado ou eu mato você!"

O mordomo sorri. Sempre a mesma ameaça infantil e inútil.

"Gostaria de mais uma xícara de leite?"

O garoto acena com a cabeça, esfregando os olhos relutantemente. Ele segura a xícara e o pires que lhes são estendidos com habilidade natural.

"De qualquer forma", ele começa, os olhos fixos no líquido, "Você parece ter adquirido um gosto pelo perfeccionismo."

"Perdoe-me, a que está se referindo?"

"Os chás são cada vez mais raros, as sobremesas cada vez mais decoradas, os jantares cada vez mais complexos. Pretende tratar meu objetivo assim?"

"Tudo deve ser perfeito para o cheque-mate."

"Sim, mas espero não criar teias de aranha nas peças até que isso aconteça."

"Isso não acontecerá."

O garoto concorda vagamente. Seus olhos se fecham com teimosa lentidão e sua cabeça pende vagarosamente, a xícara cheia abandonada sobre os joelhos.

"Bocchan?", ele chama, delicadamente retirando a porcelana cara das mãos quietas. "Por favor durma corretamente em sua cama."

O garoto não se move. Cuidadosamente ele passa um dos braços inertes pelo seu ombro, seu próprio braço sendo usado para erguer suavemente o garoto da ornamentada cadeira e carrega-lo até a cama.

"Sebastian.", ele murmura, adormecido, "Você não passa de mais uma das peças desse jogo."

Sabendo estar prestes a cometer um erro inadmissível, o mordomo ri. Apenas por um momento, tão baixo que poucos seriam capazes de ouvir, mas ele ri.

Você precisa de mim, não é?, ele diria se pudesse, Porque o rei é sempre a peça mais fraca do jogo.

As palavras são desnecessárias, ele sabe. O garoto está perfeitamente consciente desse fato, hoje mais do que qualquer outro dia.

***

O mordomo não se importa com o clima. Não, nenhum pouco.

Mas todos os anos o outono é a sua estação favorita.


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Notas finais do capítulo

Como sempre: amo reviews e amo críticas construtivas.
Posset é bem melhor que leite com mel, mas aparentemente o Ciel não acha isso.
Ahn... Uma pequena nota para os leitores do mangá. Eu tinha escrito essa fanfic antes, mas depois de ler o capítulo desse mês eu percebi como o Sebastian parece estar uma mistura de orgulhoso e decepcionado com como o Ciel está se tornando independente (se é que colocar fogo em um prédio cheio de crianças é um sinal de maturidade...), então acrescentei uma frase ou outra.
Acho que nunca tinha percebido como o Sebastian estranhamente gosta de ser útil. Acho que de todos os inúmeros mordomos que já apareceram até agora (anime, mangá, OVA, musicais, etc), o que se parece mais com o Sebastian é, surpreendentemente, o Agni. Cada dia que passa o Sebastian age mais como um humano e o Ciel age mais como um demônio (já viram a forma como esse garoto está sorrindo ultimamente? Parece uma versão miniatura do Sebastian!).
Espero que vocês tenham percebido alguns elementos dessas semelhanças entre eles nessa fic.



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