Shamandice escrita por Prana Zala


Capítulo 9
Nada precisa ser eterno




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"Para que um sentimento seja eterno ele não precisa durar mil anos, basta que sobreviva até a morte de quem sente"

Dos seus 23 anos, 15 deles passara próximo a Milo; apesar de três desses anos terem sido na Groelândia, nunca perdera contato com o amigo de infância – em linguagem coloquial, sempre dera "nó em pingo d'água" para conversar com o grego o máximo possível. Desses 15 anos de convivência, nos últimos 7 anos havia odiado o escorpiano e mais a si mesmo por não conseguir se livrar dos fantasmas do passado que tanto o assolavam.

Quando chegou ao Santuário, sentiu que voltara para sua amada casa, não porque já tivesse estado ali antes ou porque o lugar era tão aconchegante quanto sua casa na Suécia, mas sim porque, após três anos, pudera adormecer enquanto conversava com Milo, assim como faziam quando moravam juntos, antes de partirem para o treinamento. Sentia falta de seus pais, mas acreditava que, desde que estivesse com o amigo, tudo seria suportável.

Não era ciumento, ficou realmente feliz quando conheceu Shaka, aquele que se tornara tão querido para Milo nos anos em que o sueco estivera longe. Era grato ao indiano por ter tomado conta do pequeno encrenqueiro durante sua ausência e por ter trazido um pouco de juízo para aquela cabecinha oca. Por terem um amigo em comum, não demorou para que o pisciniano e o virginiano fizessem amizade, formando um inseparável trio, ajudando-se durante os treinamentos e divertindo-se nas horas vagas. Foi a época mais feliz para Peixes desde que saíra de casa, o único período em que morou no Santuário e considerou-o seu lar.

Por um ano, foram um trio inseparável: onde quer que um estivesse, estariam os outros dois. Apesar de não serem mais exatamente crianças, tinham tido a infância interrompida e, portanto, quando estavam os três juntos, conversavam e brincavam. Sim, brincavam como três crianças inocentes, apesar de não serem as mesmas brincadeiras de crianças. Na ruína escondida perto da praia Sudoeste do Santuário, fizeram dali seu lugar de aconchego. Ah, quantas vezes tinha dormido no colo de Milo enquanto Shaka lia um livro! Quantas vezes fizera coroa de flores para passar o tempo enquanto Milo contava de suas brigas e Shaka balançava a cabeça repreensivo! Quantas vezes observara o céu estrelado com seus queridos amigos!

As lembranças daquele ano eram praticamente todas de seus bons momentos com o grego e o indiano. Treinara feito condenado, machucara-se a ponto de mal conseguir se levantar, sentira o peito sufocar a ponto de quase não conseguir respirar em dias em que quis morrer mais do que tudo, mas não se lembrava disso. Lembrava-se, claro, de Milo sentado no chão ao seu pé, tentando curar seus ferimentos, totalmente atrapalhado; o pobre cavaleiro fazia uma lambança danada, quase acabava machucando mais do que curando, mas fazia com toda a dedicação do mundo, até Shaka tomar seu lugar e fazer um trabalho impecável. Lembrava-se, também, das vezes em que Milo deitava-se com ele e acariciava seus cabelos até que o sueco adormecesse, quando a dor do passado tentava afogá-lo, enquanto sussurrava as músicas de infância que Afrodite gostava. Ou também das vezes em que decidia treinar a noite inteira com Shaka e os dois acabavam numa guerra dentro do mar, tentando ver quem molhava mais o outro, e adormeciam lado a lado na areia da praia. Naquela época, acreditou que poderia ser feliz naquele lugar.

Naquela época, também acreditou que nada poderia afastá-lo de seus amigos. Acreditou que, apesar de nada durar para sempre, aquela amizade poderia durar até que morresse.

Quem dissera isso fora Milo, quando estavam esperando para embarcar para seus lugares de treinamento. Tinha 10 anos na época e esperava com o amigo e mais quatro crianças os barcos que os levariam a seus respectivos destinos. Na ocasião, um dos jovens cavaleiros que fora acompanhar o embarque das crianças, diante da união dos dois amigos de infância, num misto de pena e irritação, exclamou que eles precisavam entender que a vida não era do jeito que eles imaginavam. Afrodite não ia levar a conversa adiante, mas Milo, que desde aquela época não perdia a chance de comprar briga, quis imediatamente saber o porquê de tal afirmativa.

– Vocês dois ainda não entenderam o que está acontecendo aqui: vocês estão esperando para embarcarem para a provação mais difícil de suas vidas e que vai causar sua maior mudança e parece que ainda não perceberam que vão ter que passar por isso sozinhos!

– E? – questionou o escorpiano – Não é porque estaremos longe que não poderemos nos apoiar um no outro.

– Acredite, criança, se você lembrar do seu amigo daqui a um mês já ficarei surpreso.

– Então ficará estarrecido, porque estarei pensando nele daqui a um mês, daqui a um ano, daqui a dez anos, porque nós somos amigos. Não é assim que funciona, principalmente em momentos de dificuldade?

– Garoto, nada disso sobrevive no inferno para o qual vocês vão. Nada é para sempre, sabia?

– Eu sei que nada é eterno, mas isso não significa que não durará enquanto eu viver, afinal, eu não vou viver para sempre, né?

O cavaleiro deu de ombros e não falou mais com os dois. Os dois tinham prometido que nada, nem ninguém, iria separá-los. Sabiam que não seria fácil, tinham sido avisados disso assim que decidiram começar o treinamento para se tornarem cavaleiros, mas tinham certeza que ambos conseguiriam e que voltariam a se encontrar na Grécia, gloriosos.

– Quando estiver difícil para você, eu vou enxugar as lágrimas do seu coração através desse pingente – dissera Afrodite, apontando para o pingente com a letra "A" esculpida em relevo numa pedra azul, com o formato de uma gota, que dera para o amigo – Como eu tenho um igual, isso vai nos manter conectados – contou o sueco, mostrando o seu com a letra "M".

– Quer dizer que se um de nós acabar perdendo esse pingente durante o treinamento vamos acabar separados? – indagou o escorpiano.

– Claro que não, ele só facilita a nossa conexão, mas não é tudo. Sabe, como um atalho? O que nos conecta mesmo são os nossos corações, e o meu sempre vai saber quando o seu estiver triste.

Durante os anos em que estiveram em treinamento, todos os dias, Milo conversava com Afrodite através dos pingentes. Não que um realmente ouvisse o outro daquela forma, mas, de algum jeito, eles sabiam que estavam unidos. No começo, esconderam as pulseiras para que os mestres não as quebrassem de propósito, mas quando ficaram fortes passaram a levar o pingente sempre consigo. Shaka já vira o de Escorpião algumas vezes, mas nunca chegara a ver o de Peixes, então nem sabia que havia um outro parecido com o do melhor amigo.

Porém, por ser mais velho que os dois, Afrodite já conhecia muito bem sua sexualidade quando Milo começou a ficar curioso e a arrastar Shaka para espiar as amazonas, e por isso parou de acompanhá-los a todos os lugares. Somado a isso, foi uma época em que tinha muito trabalho, pois foi quando começara a receber pequenas tarefas como espião do Santuário.

Quando Camus apareceu na vida dos três jovens, nenhum deles pode imaginar que trazia consigo a quebra daquele tripé. Milo e Afrodite se encantaram imediatamente pelo ruivo, mas o grego conhecera primeiro o francês e conseguira se aproximar dele com facilidade; o sueco, desde o momento em que colocara os olhos no aquariano, soubera que se apaixonara pelo mesmo homem que o amigo de infância, apesar deste não ter se dado conta ainda. Até Milo admitir para si e para o pisciniano que amava o cavaleiro de gelo, o trio mantivera-se unido, como se nada tivesse mudado entre eles. Entretanto, tão logo Escorpião notara a concorrência, passara a fazer de tudo para ganhar o coração de Camus primeiro.

Afrodite soubera desde o início que o escorpiano estava lutando desesperadamente para ser a pessoa mais especial para o francês, mas em nenhum momento imaginou que o amigo se utilizasse de métodos sujos para atingir seu objetivo. Milo era a pessoa em que mais confiava e a única por quem ele seria capaz até de desistir daquele que amava. Não contara ao amigo, mas, pouco antes de ter notado a traição, ele já tinha meio que se conformado com a ideia de que Camus seria de Milo e não seu. Não sabia que o aquariano o evitava porque o grego aumentara e realçara algumas características do sueco a fim de manchar a reputação do pisciniano perante o ruivo, achava que Camus, simplesmente e por livre-arbítrio, de maneira natural, não tinha se interessado pelo cavaleiro de Peixes. Se não tivesse descoberto a estratégia de Milo, muito em breve teria formalmente desistido e torcido pela conquista do amigo. E teria, sem dúvida, ficado feliz com a sua felicidade.

Mas quando soube do que Milo viera fazendo, sentira-se tão traído, tão magoado, tão revoltado que decidira jamais desistir de Camus. Ah, se Milo dissera que ele era como a cortesã de luxo do Santuário e que não tinha escrúpulos, se já tinha sua reputação manchada perante aquele que amava, agiria de acordo com sua vontade sem se preocupar se alguém ficaria enojado, machucado ou revoltado! Ainda que Aquário acabasse aceitando o amor do grego, Afrodite jamais deixaria que o escorpiano ficasse sossegado: faria de tudo para conquistar o francês, iria seduzi-lo um dia, e deixaria Milo saber quando isso acontecesse: faria questão de ser ele mesmo a contar.

Após o fim da amizade dos dois, Peixes conseguira reunir um pouco mais de duas dúzias de momentos regozijantes em meio a todo aquele ódio. A primeira "revanche" veio quando percebeu que Milo, assim como praticamente todos, não conseguia resistir aos encantos do recente inimigo. Admitia que tentar seduzi-lo tinha sido uma estratégia arriscada, mas fora a que mais lhe recompensara. De fato, embora não fosse ruim transar com o Escorpião, e dependendo do humor e do grau de abstinência deste até pudesse ser bom, o melhor era a impagável cara de ódio e frustração que se seguia ao sexo. O grego jamais, por conta própria, iria se deitar com o sueco.

Quando entrou naquele mundo de sexo não imaginara que um dia faria uso pessoal daquela habilidade. Em verdade, fora seu mestre quem primeiro tentara fazer uso de sua beleza e charme natural para, teoricamente, trazer vantagens para o Santuário e para Athena. A primeira vez do cavaleiro de Peixes fora também a última de seu mestre. Afrodite, ao ser forçado a transar com seu mestre, acabou matando-o e, com isso, fora convocado ao Santuário. Deveria ter sido punido, mas Saga, que na época era o Grande Mestre, reconhecera a força do aprendiz e o direito do rapaz à sua armadura, uma vez que matara um cavaleiro de prata de alto nível.

Mas o Grande Mestre também vira potencial na beleza do novo cavaleiro e decidiu que ela deveria ser usada pelo bem de Athena. No começo, Milo se revoltou e quis apresentar sua oposição pessoalmente ao Grande Mestre, mas Afrodite convenceu o amigo de que, pela deusa, daria seu corpo por inteiro. Que diferença fazia se entregava seu corpo aos golpes do inimigo ou à sua luxúria? O que importava, no final, era servir à deusa com tudo o que tinha. Além do mais, não era como se ele fosse se prostituir por Athena, apenas poderia vir a usar seu "talento" para proteger o Santuário.

De fato, durante todos aqueles anos, tinha se deitado com menos de uma dúzia de homens e mulheres a serviço de Athena, o restante fora por conta própria. Realmente gostava de sexo e, como não acreditava que fosse possível constituir uma família vivendo como cavaleiro, não escolhia seus parceiros de acordo com o coração, somente pela luxúria. Não iria se apaixonar, tinha decidido isso, então não esperaria por alguém "especial", pois este jamais existiria.

Quando começou a amar Camus, o sueco mudou; enquanto "jogava limpo" pelo coração do cavaleiro, não se deitara com mais ninguém; tinha encontrado a única pessoa no mundo por quem acabaria com sua incansável busca pelo prazer. Mas uma vez que Milo denegrira a imagem do pisciniano usando o fato dele ter tido muitos parceiros, usaria toda a sua experiência para cativar Aquário. Se era uma "puta", nada mais natural do que saber seduzir alguém, não? Contudo, não conseguia usar seu poder de sedução com aquele que amava; não queria somente o corpo do francês, queria sentimentos também. Se fosse apenas transar com o ruivo, Afrodite teria conseguido isso bem antes do escorpiano, com extrema facilidade. Então, já que não queria usar sua habilidade com Camus, decidira usá-la contra Milo e, assim, transara com o cavaleiro praticamente durante todos aqueles anos em que foram inimigos.

Toda vez que abria seu guarda-roupas e via a foto do Cavaleiro de Escorpião sentia como se tivesse levado um soco no estômago. Como pudera gostar tanto de alguém como ele? Como pudera fazer tanto por aquele pequeno ingrato? Como pudera ser tão leal a alguém que não pensara duas vezes antes de trai-lo? Lembrava-se de quando, aos oito anos, decidira que não deixaria nunca mais o novo amigo. Seus pais, a princípio, tentaram convencê-lo de que Milo tinha uma família e morava em outro país, prometeram que voltariam para visita-lo sempre que possível, mas que não podiam simplesmente levar o garoto para a Suécia, assim, do nada, pois não eram seus pais para decidir aquilo.

– Então ficamos aqui. Vocês são meus pais, podem decidir por mim, não? – disse o garoto, firme de que não deixaria o amigo continuar morando sozinho naquela casa em que era odiado.

Não teve palavra que fizesse o pequeno mudar de ideia e seus pais, como sempre, fizeram o possível para conciliar a situação: seu pai falou com o pai de Milo e o convenceu a deixar o garoto ir morar na Suécia com o casal, fazer um intercâmbio, a fim de que os dois amigos não se separassem. "Coisa de criança, você sabe; deixe os dois ficarem juntos, Afrodite sempre quis um irmã primeira vez que ele faz amizade. Será bom para os dois, pois a escola é excelente e ficarem juntos fará as crianças muito felizes", dissera o pai do pisciniano para o pai de Milo. O pai de Milo, naturalmente, não concordou com a ideia de cara, mas Antoi tratou de convencê-lo. Ela não via a hora de se livrar do menino e aquela era a oportunidade perfeita. E, assim, Milo e Afrodite passaram a viver juntos.

Nas horas de mais ódio, o sueco se amaldiçoava por ter provocado aquela situação. Se não tivesse levado Milo consigo, provavelmente somente ele, Afrodite, seria cavaleiro agora, não teria tido que lutar por Camus e teria evitado muita mágoa e decepção. Será que a vida teria sido mais fácil? Poderia ter sofrido menos, pelo menos.

Mas será que teria ficado tão amigo de Claire se não fosse a proximidade com Milo? Ela era uma das poucas pessoas que ele podia dizer que amava no mundo. Também não tinha certeza se teria aguentado o treinamento e a separação da família, pois se apoiara no amigo de infância por diversas vezes durante os momentos difíceis. Seria amigo de Shaka? Teria aceitado o Grande Mestre sabendo que era um impostor? Não sabia responder. Por ter passado a maior parte de sua vida junto do escorpiano, não sabia como teria sido viver sem ele por perto.

Se uma das poucas certezas que tinha na vida era de que odiava Milo, por que não o deixava morrer? Seria o jeito mais fácil de se livrar daquele que tanto odiava e, de quebra, não existiria ninguém que soubesse do passado que tanto queria esquecer. Por quê, então, sempre que sabia que o inimigo estava em dificuldades, corria para ajudá-lo? Por que sempre que sabia que algo iria machucar o grego, abandonava o que estava fazendo e impedia que atingissem o loiro? Continuava odiando-o profundamente, mas não podia deixá-lo ir.

Naquele dia que Athena mandara ninguém sair de suas casas; sentira o cosmo dos invasores ser apagado um a um durante o caminho pelas Doze Casas. Estava tranquilo, cuidando de suas rosas, esperando que algum oponente milagrosamente chegasse até ele, como sempre fazia. De repente, sentiu um cosmo que lhe era muito familiar fraquejar e, lentamente, começar a se apagar. Não demorou para reconhecer que era o cosmo de Milo se apagando, bem como o cosmo de Orestes se elevando.

Por um milésimo de segundo, hesitou; não queria desobedecer a deusa e sabia que ninguém a desobedeceria. Naquele espaço ínfimo de tempo, vários pensamentos invadiram a sua mente: odiava Milo, sua morte não deveria abalá-lo; havia pensado, naquele mesmo dia, em matar o cavaleiro, só não o fizera porque não estava disposto a encarar uma batalha de 1000 dias e, se sobrevivesse, a aceitar a punição da deusa; não tinha a vaidade de desejar ser aquele que mataria o grego, de modo que qualquer um poderia fazê-lo para satisfazer sua vontade pessoal de se livrar do inimigo; Camus nem estava com Milo, então não deveria sofrer tanto assim – e, ainda que sofresse, como cavaleiros deviam se acostumar com a morte de pessoas queridas –; o escorpiano não deveria fazer tanta falta para a proteção das Doze Casas, uma vez que havia cinco cavaleiros de bronze que sempre se intrometiam na defesa daquele lugar, mesmo que não fossem convidados; Shaka também estava acostumado a lidar com a morte e todos sabiam que qualquer um podia perder a vida a qualquer momento; se descesse, Athena podia puni-lo de maneira exemplar.

Sim, não restava dúvida de que o melhor a se fazer era ficar e esperar. Se Milo morresse, que culpa teria? Era a vida que escolheram e estavam cientes das consequências.

Sim, devia esperar pacientemente em sua Casa. Descer só traria problemas, alguns novos e a perpetuação de tantos outros, além de que poderia deixar um Santo chegar a Athena, caso um deles continuasse o caminho e acabasse passando pelos demais cavaleiros enquanto ele perdia seu precioso tempo na Oitava Casa. E, também, poderia não chegar a tempo e Milo já ter morrido – seria perda de tempo e ainda seria punido.

Sim, devia esperar pacientemente.

O escorpiano jamais agradeceria se fosse salvo. Era egoísta. Eram inimigos, por Zeus! Tudo bem que Afrodite sabia que Milo já o ajudara escondido algumas vezes também, mas nunca tiveram que ir contra uma ordem de Athena. Sabia que quando entrara em depressão e pensara seriamente em se matar, por causa de ter traído aqueles que gostavam dele, não encontrara Claire por acaso no mercado – não, ela havia sido mandada por Milo, que não podia ele próprio fazer algo, mas sabia que a moça poderia resgatar o sueco do abismo em que se encontrava. Também se lembrava que, após a luta com Andrômeda, fora Milo que o resgatara e fizera de tudo para salvar sua vida.

Sim, devia esperar.

Milo amava Camus, mas também se dividira para ir atrás do Cavaleiro de Peixes na Batalha das Doze Casas. Nunca parara para pensar naquilo. Quando acordou no hospital, com Shaka ao lado, achou que tinha sido o amigo que o tivesse carregado, mas o virginiano disse que também tinha sido resgatado após as batalhas e que não sabia quem tinha cuidado do sueco. Shaka fora cuidado por Mu e Escorpião cuidara do francês e do pisciniano.

Sim, devia.

Então, por que seu corpo não ficou onde estava?

Sua mente, até há pouco em polvorosa, agora estava vazia. Era como se não pensasse em nada, não sentisse nada, nem fosse responsável por seus movimentos. Seus pés corriam por vontade própria, com muita pressa de avançar quatro Casas.

oOo oOo oOo

O mensageiro nem precisou explicar o porquê fora na Décima Segunda Casa, pois Afrodite já sabia que estava sendo chamado para conversar com Athena e apressou-se para encontrá-la, sem deixar que sua cabeça especulasse o que lhe aconteceria. Tinha desobedecido uma ordem da deusa, tinha certeza de que seria punido. Entrando no Grande Salão encontrou, ainda no corredor, Shura, Aioria e Aldebaran, que pararam de conversar assim que avistaram o cavaleiro de Peixes. O capricorniano encarou-o friamente, enquanto Leão desviou o olhar e o brasileiro olhou-o preocupado. Apesar de passar despercebido pelos cavaleiros de ouro que protegiam as casas entre a sua e a de Milo, na luta com Orestes seu cosmo pode ser sentido em todas as Doze Casas e assim todos souberam de sua desobediência.

– Você sabe que desobedecer uma ordem é igual a trair o Santuário, não? – perguntou Shura, entrando no caminho do sueco – E a punição para ambas é a morte.

– Está no caminho – disse o pisciniano, sem deixar transparecer qualquer emoção em sua voz.

– Sabe, eu o considerava um amigo, mas não posso aceitar alguém que vá contra as ordens de Athena.

– Eu nunca precisei ser aceito por você – respondeu Peixes, desviando do moreno para prosseguir seu caminho.

– O mais interessante é você ter feito isso por alguém que você, supostamente, odeia. Será que você é leal à Athena da mesma forma que odeia Milo? Afinal, você apoiou Saga quando ele era um impostor, sabendo dos crimes dele. Se for isso e você merecer a morte, ou você se mata ou eu mesmo o executarei.

Afrodite continuou seu caminho, calado. Sabia que seria reprovado pelos companheiros, pelo menos por sua maioria. Ele próprio, em outra situação, reprovaria aquele mesmo comportamento, por isso entendia a revolta de Shura. Sabia que desobedecer a uma ordem de Athena ou do Grande Mestre era um dos maiores crimes do Santuário. Lembrava da batalha contra Poseidon, quando os cavaleiros de bronze lutavam contra os marinas e os cavaleiros de ouro receberam a ordem de esperarem no Santuário; alguns quiseram ir ajudar o quinteto, mas sabiam que se fossem seriam mortos não pelos marinas, mas por outros cavaleiros de ouro em cumprimento à pena capital. "Ordens são ordens, não sugestões", sempre dissera seu finado Mestre. Também ouvira diversas vezes durante o treinamento que, no momento em que se tornasse cavaleiro, seu livre-arbítrio estaria restringido ao que Athena considerasse melhor. Em outras palavras, poderia decidir o que fazer somente se suas ações não confrontassem ordens superiores. Sim, sabia muito bem das regras e, ainda assim, decidira ignorar uma ordem em razão de vãs emoções. Tinham todo o direito de recrimina-lo e de punirem-no. Em verdade, não se importava com o que os outros cavaleiros pensariam ou até mesmo falariam, sua única preocupação era com o que Athena estaria pensando. E se Shaka também o entendesse, melhor.

Entrou no salão de Athena encontrou a deusa pensativa enquanto admirava alguns pássaros brincando no jardim. Curvou-se em frente à deusa, de cabeça baixa, apresentando-se conforme solicitado. Aceitaria o que viesse, ainda que fosse a morte.

– Há quanto tempo, Afrodite – cumprimentou a deusa, virando-se para o cavaleiro – Como estão seus ferimentos pela última batalha?

– Já estão em estágio avançado de cicatrização, senhorita. Obrigado por perguntar. – respondeu o cavaleiro, ainda encarando o chão.

– Espero que fique bom logo, afinal, você é um dos meus preciosos cavaleiros. Venha, Afrodite, sente-se. – chamou a deusa, indicando um sofá em frente à poltrona em que estava sentada. O cavaleiro obedeceu prontamente – Creio que saiba o porquê o chamei e, por isso, vou direto ao assunto, pois imagino que deva estar preocupado: na última batalha, você desceu até a Casa de Escorpião, apesar de eu ter ordenado que nenhum cavaleiro deixasse sua casa, certo?

– Correto, senhorita.

– Por que fez isso, se sabia que era contra uma ordem minha?

– Eu não sei explicar exatamente, senhorita. Senti o cosmo de Orestes e imaginei de Milo de Escorpião não conseguiria detê-lo, mas eu sabia como derrota-lo e, num impulso, fui até a Oitava Casa. Sei que não deveria ter deixado a Casa de Peixes e estou preparado para aceitar a punição que a senhorita achar que melhor me convém.

– Todos dizem que você e Milo não se dão bem. Estão todos enganados, por acaso?

– Não, senhorita. Milo é a pessoa com quem tenho menos afinidade no Santuário.

– E, mesmo assim, desobedeceu minha ordem para salvá-lo?

– Não foi exatamente por ele, apenas achei que podia exterminar Orestes ali mesmo, antes que um cavaleiro de ouro morresse. Já estamos sem Sagitário há mais de uma década e Escorpião não tem um sucessor em potencial como Sagitário, Virgem, Libra, Leão e Aquário. Dada a tensa situação em que nos encontramos, em uma próxima batalha poderia ser muito desvantajoso para nós a falta de um cavaleiro de ouro. Além do mais, Milo é um cavaleiro extremamente forte, o que já foi provado em diversas oportunidades, inclusive em sua batalha contra Hyoga de Cisne. Se tivesse que dar uma razão para as minhas ações, não agi para salvar um amigo, mas para evitar uma perda para o Santuário.

– Entendo o seu ponto de vista e como, dessa vez, não tivemos nenhum prejuízo com a sua desobediência, pelo contrário, você não será punido. Entretanto, numa próxima vez, não posso garantir que nada lhe acontecerá. Afinal, mais de uma vez já perdoei alguns cavaleiros de bronze por desobedecerem as minhas ordens, por que faria diferente com você, não? O que importa é que Milo está bem, Orestes foi derrotado na Oitava Casa e Shura conseguiu deter o outro Santo. Obrigada pela sua dedicação, Afrodite.

– Eu é que agradeço a sua clemência, senhorita.

– Está dispensado. E não falaremos mais sobre esse assunto, ok?

– Sim, senhorita. Até a próxima oportunidade.

Afrodite saiu do salão aliviado. Conseguira disfarçar bem sua tensão, mas estava angustiado por dentro. Passou novamente pelos outros três cavaleiros de ouro e nem parou para dar o veredito de Athena, seguiu para a sua casa. Mal chegando lá encontrou Shaka esperando-o, preocupado. Forçou um sorriso; sentia-se exausto, mas ainda convidou o amigo para entrar e tomar um chá. Shaka, que percebera o cansaço do sueco, educadamente declinou do convite e explicou que estava ali apenas para saber como o amigo estava.

– Está tudo bem, não fui punido nem nada, não precisa se preocupar. – contou o pisciniano – Obrigado pela preocupação.

– Que agradecer que nada! Você é um dos meus amigos mais preciosos, sabe disso, não? Nada mais natural do que eu querer saber como você está. A propósito, deixe-me agradecê-lo em nome de Milo, porque ele é cabeça-dura demais para fazer isso por conta própria.

– Eu não quero nenhum agradecimento de Milo. Se você quiser agradecer em seu nome por eu, coincidentemente, ter salvado um amigo seu, aceito porque você é meu amigo, mas não quero nada que venha dele. Não fiz isso por ele, aliás.

– Tudo bem, então eu o agradeço em meu nome – disse Shaka, sorrindo – Apesar de achar que foi muito impulsivo da sua parte. Sabe que se algo lhe acontecesse por causa disso eu ficaria muito triste, não?

– Eu sei. Não se preocupe, não pretendo fazer isso de novo.

– Bom menino! Agora vou voltar para a minha casa. Aproveite e descanse, viu?

– Pode deixar. Até mais.

Shaka acenou e deixou a Décima Segunda Casa. Não podia negar que ficara extremamente feliz por Milo ter sido salvo, mas ficara quase igualmente preocupado com as consequências que Afrodite enfrentaria. Acreditava que Athena não o puniria severamente, principalmente porque não era a primeira vez que algum cavaleiro a desobedecia e não era executado, mas se algo acontecesse com Afrodite o indiano ficaria arrasado. Adorava verdadeiramente Peixes, sentimento esse que nunca fraquejara mesmo com a inimizade de seus dois melhores amigos. Conseguia conciliar sua amizade com ambos, mas sentia muita falta da época em que eram um trio. Sem dúvida, sua vida seria muito mais fácil se aqueles dois tivessem continuado amigos.

Passando pela Casa de Aquário, Virgem reparou em Minerva, que examinava fixamente o horizonte, como se esperasse avistar algo chegando ou um fenômeno sobrenatural. Sempre a considerara uma das servas mais estranhas, porque era de tão poucas palavras quanto Camus e quando falava, normalmente, era para dar algum conselho enigmático. Contudo, sabia que a moça via o futuro, e perguntou-se se ela estava no meio de uma visão ou se olhava para o céu à espera de algo que tinha visto vindo. Apesar da pontada de curiosidade que lhe dava vontade de ficar e observar também, à procura de algum sinal que indicasse o que a serva vira, seguiu seu caminho. Duvidara que, ainda que visse o que ela esperava, entendesse a importância futura do fato. Não devia ser um novo inimigo, porque em casos como esse ela normalmente dava alguma indireta, de qualquer jeito.

A serva olhou para o loiro descendo as escadas e não pode impedir-se de sentir um pouco de dó do cavaleiro pelo que iria acontecer em breve. Mas a pessoa com quem mais se preocupava no momento era Camus e o que ele sentiria em pouco tempo. Por mais que ela quisesse alertá-lo, não podia lhe dizer o que estava para acontecer e aquilo a deixava angustiada. No céu, bem longe, ela pode ver um pequeno avião cruzando o céu de Athenas, onde estava alguém que, do aeroporto, iria se dirigir para o Hotel Grande Bretagne. Vinte e um dias passaram mais rápido do que ela gostaria.


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Notas finais do capítulo

Bom, a partir desse capítulo eu decidi postar antes da minha irmã betar porque estava demorando demais, ahaha! Enfim, espero que gostem! Dessa vez não tenho muito a acrescentar nesses comentários porque já tinha escrito tudo no capítulo anterior... Fiquei com esse capítulo pronto durante14 meses, vê se pode! Quando fui relê-lo antes de postá-lo fiquei pensando: "OMG, mas isso já não tinha acontecido há muito tempo?". Aí eu me lembrei que era porque, pra mim, aquilo já estava realmente escrito há um bom tempo, ehehe.
E só tenho mais um comentário: estou tendo que me controlar para não mudar o final da história! Eu já tenho todos os capítulos estruturados desde o começo e estou seguindo rigorosamente o planejado, mas me deu uma súbita vontade de mudar uns detalhezinhos... "Força, força, mantenha o foco", fico repetindo para mim mesma. Talvez não no próximo, mas eu realmente me pergunto como será a reação dos leitores ao que vai acontecer... Aguardem que logo (ou não tão logo, mas, enfim...) vem mais!



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