A Forja De Hefesto escrita por andreiakennen


Capítulo 2
Capítulo 2




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A Forja de Hefesto

Revisado por Vane

Capítulo 2

A Forja de Hefesto estava localizada no subsolo de seu templo, praticamente no interior do vulcão Etna. O magma do Etna, em constante atividade, servia como combustível para alimentar as fornalhas onde os artesões laboravam.

Cada artesão trabalhava com a ajuda de suportes diretos e indiretos. Entre os mais importantes estavam os projetores, um grupo que coletava os dados necessários para que os artesãos desenvolvessem seu trabalho. Eram os projetores que recebiam os pedidos dos clientes, elaboravam os projetos com base em suas expectativas e os direcionavam aos artesãos que julgassem competentes para desenvolvê-los.

Além dos projetores existiam os fornalheiros, responsáveis pela manutenção das fornalhas e dos equipamentos de que os forjadores necessitavam em seu dia-a-dia, como a matéria-prima (ferro, prata, bronze, ouro, água, barro, óleos), martelos, bigornas, equipamento de proteção (óculos, luvas e aventais) e o carvão (para as fornalhas de pequeno porte).

Os polidores eram as pessoas que cuidavam do retoque final dos pedidos, dando às armas detalhes requintados de acordo com o gosto de cada cliente.

Contrastando muitas vezes com a temperatura do templo de Hefesto, que caía para abaixo de zero devido à altitude, a Forja, por estar dentro do Etna e ter mais de duzentas fornalhas funcionando, mantinha uma temperatura ambiente de aproximadamente quarenta e cinco graus, chegando a atingir até cinquenta e cinco.

Por isso, seria impossível manter a água para resfriamento dos metais na temperatura adequada sem a ajuda dos resfriadores, que na maioria dos casos possuíam o cosmo de gelo. Quando não o possuíam, eles empregavam outros métodos para manter a água resfriada, como o uso de gelo produzido na superfície.

Os novatos andavam em fila seguindo Homero, que por estar acostumado à alta temperatura do local, não parecia nem um pouco incomodado com o calor. Ele usava apenas um lenço com o qual secava o suor da testa vez ou outra, enquanto seguia com as explicações que iniciara no alojamento.

— Não se assustem com a temperatura; logo vocês se acostumam — ele tentou animar o grupo. — Este será o local onde passarão o dia. Todos aqui serão seus colegas de trabalho. Assim, não há necessidade de muita apresentação, pois terão um longo tempo para se conhecerem melhor.

Alguns poucos forjadores paravam momentaneamente o trabalho para observar a nova leva de escravos; outros se mantinham empenhados em suas obrigações.

Hyoga era o penúltimo da fila. Ele caminhava procurando não retribuir os olhares de curiosidade que lhe direcionavam. Deduziu que os olhares eram para ele porque era o único do grupo que ao invés de ter o símbolo de Hefesto marcado a ferro no antebraço, usava braceletes de bronze em ambos os punhos.

— Falando em “longo tempo”... — Homero disse, detendo a caminhada e se voltando para a fila que também havia parado. — O selo do nosso mestre tatuado em seus antebraços é o que dará a vocês longevidade e melhor imunidade. Quero que prestem muita atenção a essa parte. Não uso o termo “eternidade”, porque eterno na minha compreensão é somente Hefesto, o único deus aqui. Nós somos meros mortais que terão as vidas prorrogadas a serviço dele. Mas não pensem que decepar o braço com o selo e tentar suicídio será a solução. Todos que o fazem são arremessados no Fosso do Desespero, um precipício abaixo de nós, onde residem algumas centenas de corpos em decomposição. Lá o suicida agoniza em torno de vinte anos ou mais, devido ao efeito do selo — a quantidade de tempo muda de indivíduo para indivíduo —, até conseguir o que pretende. Obviamente isso também significa que ninguém aqui está imune à dor. Além disso, vocês precisam se alimentar adequadamente, beber muita água e ter uma boa noite de sono para manter seus corpos saudáveis.

“Isso é um absurdo”, Hyoga pensou, encarando o palestrante que continuava falando em um tom natural, como se eles fossem novos empregados de uma metalúrgica; como se estivessem ali por escolha própria.

Ele moveu seus olhos rapidamente e observou o lugar. Por estar debaixo da terra, o ambiente ali era bem escuro. Havia algumas luminárias na parede e uma claridade momentânea provinda das fornalhas acesas e das faíscas produzidas pelo ferro quente sendo forjado.

Ainda havia aquele calor que o fazia suar em demasia. Já sentia suas roupas ensopadas, os cabelos grudando na nuca e o rosto molhado.  Passou a mão na testa e retirou os fios da franja que estavam colados ali.

“Não consigo acreditar que Athena permitirá isso.”

— Não pensem em fugir também. — Hyoga ouviu de repente e se voltou para o homem que parecia olhá-lo diretamente. — Não há maneiras de fugir daqui. Vocês devem ter notado que passarão a noite em um alojamento e não trancafiados em jaulas. Isso não é porque confiamos que ninguém aqui pense em fugir; isso significa que vocês não podem fazê-lo. Se tentarem, quando estiverem a cerca de cem metros do templo, sentirão seus corpos sobreaquecendo, e eles continuarão aquecendo até entrarem em combustão. Isso também é um adendo dos selos em seus braços. Ainda, devido à imunidade avançada, seus corpos queimarão por alguns anos até que cheguem à morte.

Houve alguns murmúrios de espanto, mas a maioria dos presentes se resignou. Menos Hyoga, que acabou contestando:

— Eu não concordo com isso — pronunciou, chamando a atenção não só dos novatos, mas de todos os trabalhadores do local.

Homero não esboçou um sorriso, mas o fez internamente, isso por saber que aquilo ocorreria. Em todos os seus anos ali, aprendera a identificar os rebeldes somente ao olhá-los.

­— Com o que não concorda, criança?

— Em passar a eternidade sendo escravo! Trabalhando dia e noite em um lugar horrível como esse! Além do mais, eu não cometi nenhum crime para ser punido desta forma.   

— Escute, criança...

— Pare de me chamar assim! Eu não sou criança! Meu nome é Alexei Hyoga!

— Continuará sendo chamado de “criança”, enquanto tiver a atitude de uma — Homero foi direto, desfazendo o ar gentil e tornando sua postura mais rígida. — Aqui não temos nada a ver com o julgamento pelo qual passou anteriormente e também não é do nosso interesse saber. Pois pode acreditar, criança, que a maior parte dos presentes aqui se considera inocente também. Além disso, quem irá tornar essa sentença uma verdadeira punição é somente você, a partir do momento em que só enxergue os pontos negativos em ser um ferreiro a serviço de um deus. O trabalho aqui é árduo, sim. Porém, o resultado é recompensador. Não é diferente de uma atividade que você fosse exercer na sua vida como um humano normal.  Você teria que trabalhar arduamente em troca de se alimentar, beber, se vestir, ter um teto sob o qual pudesse dormir, sobreviver enfim.

— Mas eu seria remunerado, seria livre para ir e vir quando bem entendesse; teria momentos de lazer.

— Em uma penitenciária humana você teria essas regalias? Esqueceu-se de que está cumprindo pena?

Hyoga cerrou os punhos. Homero havia tocado em sua ferida novamente, pois era aquilo que não aceitava. Não discordava de que criminosos devessem pagar por seus crimes, como muitos ali deveriam. Mas o ponto era exatamente aquele: não era um criminoso. Estava sendo punido injustamente.   

— Bem, é melhor prosseguirmos...

— Eu disse que não concordo e que não vou ficar aqui! — Hyoga gritou.

Dominado pela fúria, virou a mesa de utensílios de um artesão que estava próximo a ele, fazendo com que o material que ainda estava sendo forjado caísse no chão e se estilhaçasse.

Ainda ensandecido, continuou gritando e derrubando outros objetos que encontrou pela frente, até ser detido por uma mão forte que agarrou seu punho.

— O que pensa que está fazendo com o meu trabalho, moleque?! — perguntou o deus, com o rosto franzido.

— Meu mestre...

Homero tentou intervir, mas foi interrompido por Hyoga, que cuspiu no rosto do deus.  

— Não tenho medo de você, monstro! Se eu pudesse usar o meu cosmo eu o derrotaria. Athena é a única deusa que reconheço. Mais cedo ou mais tarde ela irá interceder por mim. Nem morto serei escravo de um deus como você!  

O deus largou o punho de Hyoga, passou a mão no rosto, limpando o cuspe, e sem mudar sua expressão, virou-se e agachou-se para apanhar do chão a barra de ferro maciço entortada devido à queda. Analisou-a por um momento e com cuidado. Então repôs os óculos de proteção que havia erguido para a cabeça e colocou a barra de volta na fornalha. Segundos depois a retirou, colocou-a sobre a bigorna e apanhando o martelo, passou a golpeá-la.

Pouco a pouco, os outros trabalhadores seguiram o exemplo e retomaram suas atividades. Logo o ambiente foi preenchido novamente pelos sons das marteladas, do chiado do ferro sendo resfriado, dos movimentos de todos que trabalhavam ali.

Um dos novatos ergueu a mesa que Hyoga havia derrubado e passou a recolher os objetos espalhados pelo chão. Hyoga se lembrou dele, o garoto de aparência franzina, um dos últimos que Hefesto escolhera para o seu grupo.

Sentiu sua cabeça doer ao tentar compreender o que estava se passando e não conseguir.

Continua...


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