Transtorno De Boderline escrita por Liz03


Capítulo 17
Morte


Notas iniciais do capítulo

Minhas caras, esse capítulo é mais curto, mas espero de coração que esteja tão legal quanto deveria estar. Próxima semana minhas aulas voltam e com elas o ritmo das postagens diminui :0 . Calma, calma não criemos pânico, a fic já está engatinhando para sua fase final.

Vocês ouvem as músicas que eu sugestiono para o capítulo? Se sim, esse está para : Belissimo Così - Laura Pausini / Emergency - Paramore . :) E vamos lá:



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Do latim mors. É o cessamento permanente das atividades biológicas necessárias à manutenção da vida de um organismo, como ao estado desse mesmo após o evento. Considerado cientificamente como o fim da consciência.

Ele fez novos exames. Uma evolução do câncer. Nova internação. Liguei pessoalmente para o Doutor Oscar, que analisaria os resultados logo. É, não deveria ser nada muito grave, só...o câncer mesmo. O câncer fazendo das suas. E eu já tinha sentido muito raiva dessa doença traiçoeira, dessa vez não foi diferente. Ele estava sedado e dormindo tranquilamente. Passo os dedos pelo cabelo dele. As enfermeiras aproveitam minha presença no hospital num dia de folga e também aproveito para trabalhar e forçar qualquer pensamento assombroso a se esconder em algum lugar da minha cabeça.

Câncer não é minha especialidade, mas não precisaria ser para que eu entendesse pelos exames que ele não estava bem. Doutor Oscar e um oncologista vieram conversar comigo, sim, intensificaríamos o tratamento para ver como a doença e o organismo dele reagiriam. E caso isso não desse certo...bem,digamos que era a última carta nas mãos da medicina.

– Se ele não reagir como esperamos ao tratamento, vai ser questão de tempo – o oncologista que, obviamente, não sabia que eu era mais que a clínica geral que acompanhava o caso, disse de um modo enfático e distante. Como se falasse da previsão do clima. Mas nós, médicos, precisamos ser assim, para nos mantermos racionais e tomarmos as decisões corretas, não é mesmo?

– Então é melhor que dê certo – Dr. Oscar respondeu nitidamente tentando apaziguar o ambiente.

Repito mentalmente, é melhor que dê certo.

Entro primeiro no quarto, os outros precisavam ver alguns pacientes e logo viriam explicá-lo sua situação. Ele está acordado, procurando o que assistir na televisão. Olha para mim com um sorriso, então me esforço para responder com um sorriso também.

– Tenho absoluta certeza de que todas, eu disse todas, as pessoas que se encontram doentes neste hospital, estão nessa situação de enfermidade por conta desses canais de tv lamentáveis – ele muda mais uma vez – Olhe isso! Canal do boi! É uma ofensa a minha saúde, tenho certeza que esse é meu problema – disse antes de olhar para mim com aquele seu típico quê de poeta.

Claro que qualquer outro paciente perguntaria o que os médicos descobriram. Mas ele não. Vitor estava indignado com o canal do boi, e é claro que era apenas uma brincadeira, só que era impossível dizer o que não era para ele mais uma zombaria.

– O canal do boi é tão digno quanto qualquer outro modo de entretenimento bovino – respondo apoiando minha mão na dele sobre a cama. A coisa perde a graça por um momento – Você vai ter que ficar aqui por um tempo, vamos precisar intensificar o tratamento.

– Hum...- ele troca mais uma vez de canal, mas eu sei que na verdade ele só não quer olhar diretamente para mim – Avise que, lamentavelmente, não poderei ficar. O que é uma desfeita com nossos anfitriões, contudo, tenho compromissos inadiáveis.

– Vitor...fale sério por um segundo, está bem? Os exames mostraram que o câncer está mais agressivo.

– Que rude da parte dele – diz com um sorriso sarcástico – Mas não faça essa cara de poucos amigos, sempre soubemos que o câncer era um bundão – ele ri sozinho da própria piada.

E não me faça falar, por favor não me obrigue a dizer que o tratamento intensificado não surtiu o efeito esperado. Não quero compreender que as últimas semanas foram em vão, que o câncer bundão não cederia. E que ele seria tratado daqui por diante como um paciente terminal, internado como um ‘fim de linha’. Eu lido com pacientes assim já faz um tempo, mas é sempre difícil de digerir. Porque ninguém faz planos para a própria morte, e ainda mais planos que envolvem sentir dor constantemente, ficar preso num quarto de hospital , com aparelhos que lhe mantém vivo, que fazem seus órgãos funcionarem quando eles já estão decretando falência. Mas não existe solução por aqui, então se por um lado a medicina lhe oferece mais alguns dias de vida, ela lhe cobra com sofrimento psicológico, emocional e físico. Ninguém gostaria de passar seus últimos instantes numa cama, ligado a fios, sentindo a pena das pessoas e captando o início do fim. Dizem que apenas 10% dos pacientes terminais conformam-se com sua situação. Desses 10% sabe-se lá quantos “conformam-se” esperando por um milagre, um avanço instantâneo da medicina que salvará sua vida já findada, quer saber de uma coisa? Não é assim que as coisas funcionam. Sonhadores também morrem todos os dias. E com ele não seria diferente, e como médica eu deveria estar preparada para aceitar que pessoas se vão. Ele iria. Eu sabia disso e sabia também que ele sofreria. Mas era além da minha capacidade entender que aquele sorriso poético cessaria seus dias contorcido numa feição de dor, que aqueles olhos lunáticos e calorosos giraram sairiam de órbita, que os comentários dele seriam transformados em frases perdidas de um delírio. Talvez até fosse melhor se eu tivesse a capacidade de me iludir também como a maioria dos familiares e amigos de doentes terminais, seria utopicamente reconfortante se eu pudesse acreditar que uma salvação milagrosa surgiria a qualquer momento. Não surgiria. Porque sonhadores também morrem e Vitor também morreria.

Foi com ânsia de vômito e de choro que eu ouvi Dr. Oscar e o oncologista explicarem a ele que os recursos médicos agora seriam destinados a fazê-lo sofrer menos. Eu estava ao lado deles como clínica geral do caso, com um jaleco que ajudava na armadura, no disfarce que me impedia de chorar na frente dele. Da maneira mais covarde possível, nem olhar nos olhos dele eu consegui naquele momento, me limitei a capturar alguns momentos de seu semblante enquanto meus colegas falavam. Inabalável. Vitor conservava um semblante tão sereno que se alguém entrasse no quarto naquele instante, pensaria que se tratava de um aviso sobre a necessidade de trocar curativos. Doutor Oscar partiu e deixou dois tapinhas em meu ombro como se dissesse, tudo bem, sei que você precisava ficar aqui, boa sorte. Me demorei um pouco olhando para a porta fechada, então andei até ele olhando para minhas próprias mãos enquanto se aproximavam das dele.

– Eu...você não precisa se preocupar, eu vou ficar aqui com você, até já falei com o departamento administrativo sobre tirar minhas férias – passo a mão por seu rosto que ainda estava igualmente imparcial – Eu amo você.

Então ele sorri calmo, segura minha mão que passeava por seu pescoço e a beija carinhosamente.

– Eu amo você também, doutora – ele fica sério por um momento – E não quero que sofra assim por minha causa, eu estou ótimo. Os médicos disseram que eu tenho prazo de validade, ok, e dai? Todo mundo tem, quantas pessoas morrem inesperadamente sem ter chance de dizer o que queriam? Eu tenho a honra de ter um aviso prévio – ele ri como se achasse realmente engraçado – E quantas pessoas saudáveis podem segurar a mão da médica mais sexy – não sei o motivo, mas ele fez um sotaque mexicano para falar ‘sexy’ – de todo o universo? – cruza as pernas sobre a cama e muda de canal na tv – Só tenho que sair desse hospital o quanto antes e então tudo ficará deliciosamente bem, com cheiro de bumbum de bebê.

Talvez aquilo escorrendo dos meus olhos fossem lágrimas, então talvez eu as tenha tirado de lá. E já me preparava para argumentar dizendo que ele precisava ficar lá mais um tempo por conta de medicamentos, da monitoração de seu estado, etc etc.

– Já pensei em tudo, minha querida, posso vir aqui para fazer alguns exames e tudo o que vocês doutores adoram checar nesse corpinho lindo que é o meu – diz com uma piscadela – Mas não quero...aliás, não vou esperar meu fim por aqui. Primeiro porque detesto canal do boi, segundo porque sou uma edição limitada tenho que aproveitar, certo? – e me dá um beijo de convencimento.

Como não havia mais nada que eu pudesse fazer respondo apenas um ‘certo’, e deixo que meu corpo se aproxime para um abraço. Ele estava com cheiro de hospital, mas era só eu me concentrar um pouco e ainda estava lá, o aroma morno e viciante que só ele, só ele tinha. Os braços dele estavam firmes ao meu redor. Me senti protegida, como se fosse eu quem precisasse de proteção por aqui. Mas é que esse era Vitor, senhoras e senhores. A criatura que tornava melhor até a ideia da morte dele. O ser que literalmente ria de seus dias contados e que, com sinceridade – como tudo que vinha dele- poderia até achar um lado bom (ou menos ruim) nesse caos.

O abraço mais reconfortante, o beijo mais prazeroso, o sentimento mais intenso, o cheiro mais viciante, a palavra mais desconcertante, a criatura mais inebriante, o amor mais valioso.

Vitor.


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Notas finais do capítulo

Então o que acharam? E o que imaginam para nossa cara Pan e nosso caro Vitor daqui por diante? Bjos e queijos o/



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