As Súplicas De Um Vagabundo escrita por Maria Chinikoski


Capítulo 4
Morte...




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Já faziam duas semanas que eu não pisava naquela maldita escola.

Minha mãe trabalhava o dia todo e não tinha tempo para se preocupar comigo...

Mais uma garrafa caiu das minhas mãos...

Ainda não sabia ao certo o que tinha feito e nesses dias tentei inúmeras vezes o suicídio... O silêncio final...

Mas sonhava com Mizuki e passava as mãos nos lábios enquanto lembrava de tudo...

Não fui entrevistado pela polícia, não fui julgado...

Mas lá no fundo eu queria fechar os olhos e morrer.

Lá estava eu, com meu pijama de ursinhos, jogado na minha cama enquanto a tv permanecia desligada. Clima vago... Sujeiras pelo meu quarto e muitas roupas jogadas pelos cantos. Eu já estava fedendo quando fui tomar meu banho.

Não vira minha mãe naquele dia, então estava um lixo total.

Entrei no banho e demorei no banho quente, até embaçar os vidros e o espelho.

Saí e me olhava no espelho embaçado. Encostei meu rosto nele e deixei cair uma lágrima maldita, inútil, retardada.

Soquei o espelho com força e o quebrei. Fiquei com minha mão sangrando, ofegante, analisando meu feito, minha obra.

Depois de ver o sangue pingar na pia branca, tirei minha mão, deixando cair os cacos e, não sei se pelos meus pensamentos e culpa, imaginação, vi o sangue parado no resto do espelho tomar a forma de uma caveira.

Olhei fixamente e engoli um seco.

Não consegui me mover e minhas pernas bambearam.

Porque nós, reles seres humanos, contra morte e assassinos, em momento de raiva, surpreendemos a nós mesmos? Porque eu fiz aquilo?

Abri a portinha do espelho, onde ficavam as escovas e tals e vi, em um relance, os remédios calmantes da minha mãe.

Peguei o vidro e li com atenção a bula.

- Uma dose...

Fechei a portinha e me admirei no espelho. Sempre me achava lindo, foda, o mais sortudo da escola... E o que eu virei? Um desgraçado que se esconde nas sombras da morte de três inimigos? Para vingar alguém que se matou?

Coloquei uma dose na boca, mas não consegui engolir, então estiquei a mão para pegar o copo e toquei na minha gillete.

Pensei: Pelo menos deveria estar apresentável, não?

Fiz a barba cuidadosamente e passei um perfume importado.

Coloquei minha cueca box azul marinho e minha camiseta branca com detalhes negros de uma rosa. 

Escovei os dentes e tirei cuidadosamente a gilete do barbeador.

Mirei-a contra minha jugular e fechei os olhos, levando a mão lentamente contra mim mesmo... Contra minha alma... Contra tudo...

Encostei na minha pele aquela gilete e, ofegante, parei e abri os olhos. Minha mão tremeu e eu cambaleei para trás ao ver meu reflexo assassino despedaçado no espelho dizendo: "Mate-se, covarde! Fuja de tudo e de todos, seu inútil!"

Olhei para minha mão e levei a gilete até meu dedo e o furei de leve.

- AI!

Aquilo doía e, pensando na morte dolorosa, preferi acabar com tudo rapidamente e do modo menos dolor.

Fui até a cozinha enquanto calçava meu shorts laranjado. Coloquei a corda no cabo de aço que prendia o lustre ao teto e arrumei o nó da forca.

Desci e empurrei a mesa para o lado. Peguei um papel... Como sou covarde...

Perfumei-o e escrevi:

"Mãe... Você não esteve presente em boa parte dos momentos da minha vida desde que o papai se foi. Sei que tem que trabalhar para garantir a casa e tudo o mais, porém não tens me dado atenção e, ultimamente tenho carregado o fardo dos meus pecados. Me perdoe, mas estou apenas terminando esta vida inútil e covarde que te abandonou. Case-se novamente e, se tiver um filho, coloque o nome de Pietro, ok? Te amo..."

Com lágrimas nos olhos fechei a carta e a selei com um beijo e um abraço, colocando-a na geladeira.

Subi na pontinha da mesa, quase caindo para a frente e coloquei a corda grossa no meu pescoço.

Demorei e pensei bem no que estava fazendo...

"Termine tudo logo" dizia a voz na minha mente, rindo da minha inutilidade...

"Você o abandonou, ele te abandonou, abandone sua vida, criança!"

Criei coragem e pus um pé para fora da mesa, indo ao encontro do desconhecido, o paraíso das almas, ou o meu inferno...

Tomei os calmantes...

Será que Deus me condenaria?

Como seria viver longe dele? Do meu...

Eu estava a pique, pronto para encarar o novo, sentir parar o coração, quando um som me despertou.

A campainha...

Ding Don...

Não fui lá. Quem quer que fosse iria embora...

Mas aquilo me inquietava...

Mordi meu lábio e tentei realizar meu último feito mas a maldita voltou a soar e batiam na porta.

Ding Don, Toc Toc Toc...

Decidi ver logo quem era.

Tirei a corda do pescoço e, no momento que desci da mesa, senti-me vivo... Senti minha vida, minha alma, meu aspecto humano... Eu ainda sou Humano!

Suspirei e abri um pouco a porta.

Os olhos verdes marcantes me fitaram e um sorriso se formou lá fora.

- Oi!

- O que veio fazer aqui? - perguntei para o garoto sorridente.

- Uma visita! - ele ria mais.

Não vou com sua cara, garoto! Você me atrapalhou.

- Não temos nada a tratar - falei enquanto fechava a porta na cara do calouro que enfiou o pé na porta e não me deixou fechá-la.

- Please! Nós temos mesmo que acertar as contas, afinal, estamos encrencados...

- Eu não estaria mais... - respondi seco, mas o deixei entrar.

Ele abriu a bolsa e jogou muitos dvds de games super novos e radicais que eu sempre quis ter e muitas bobeiras comestiveis.

- Vamos fingir que somos amigos e começar uma amizade?

- Tá tentando me comprar com doces?

Ele me olhou sério e me deu um tabefe.

- Sua mãe me mandou vir aqui. Não foi só por mim... Ela trabalha com meu pai, lembra?

Não!

- Anh... Sim...

- Tem video game?

- Vou buscar - falei enquanto apontei a sala pra ele e subi buscar meu mundo lá no quarto fedorento.

Peguei e desci rápido, pensando em como era retardada a idéia de eu estar acolhendo ele aqui... Por que eu fiz isso? Devo estar doido...

Desci e não o encontrei na sala.

- Yuuri?

- Aqui... - ouvi um sussurro da cozinha.

Cheguei lá e o vi olhando a corda e segurando minha maldita carta. Que porra!

- Você ia... Se matar? - ele me perguntou com os olhos brilhantes e tristes...

Por que reparei no brilho dos olhos dele? Ok, agora sim estou pirado e muito retardado.

- Anh... Não... - sussurrei, mas de um modo que nem um papagaio se enganaria.

- Porque?

Enlouqueci e avançei contra ele.

- OLHA, EU TO PÉSSIMO, UMA VIDA INFERNAL! DEVIA TER ME MATADO ANTES, MAS VOCÊ CHEGOU!

Do nada peguei a faca na frente dele e, furioso, apontei-a contra mim mesmo, enquanto o ouvia gritar:

- NÃÃO!

Mas no momento que eu ia me atingir, uma voz recoou em minha mente, uma risada maligna. A faca caiu das minhas mãos trêmulas e eu levei as mãos à cabeça, ficando zonzo e tropeçando.

Senti ser... Abraçado por braços quentes e seguros antes de chegar ao chão...

Já não ouvia a voz... Dele... Tudo... Escurecendo...

Lembrei na hora de tudo... A caveira de sangue... Os calmantes...

Dose... Mortal...


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Notas finais do capítulo

^^
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