Bavarois escrita por Petit Ange


Capítulo 41
Capítulo XLIX


Notas iniciais do capítulo

...E esse, para desbroxar com honras. ;DD



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XLIX

 

Suspirei outra vez quando o senti beijar a curva de meu pescoço, enquanto se livrava da camisa de linho branco que mais parecia algodão (com uma certa ajuda de minhas mãos, que não sabiam ainda se o ajudavam ou se puxavam-no pelos cabelos para se aproximar mais).

Tão logo conseguiu fazê-lo, tocou sua testa na minha, naquele gesto que eu já conhecia tão bem, segurando meu rosto entre suas mãos. Eu encarei seus olhos, escurecidos de desejo, e me perguntei se estava mesmo na frente do mesmo Mitchell que, até então, conhecia.

Ao sentir seu polegar traçando o contorno de meu rosto, eu suspirei, entre extasiada e temerosa.

- ...Olhe o que está me obrigando a fazer, bonequinha. – ele sussurrou, desviando o contato de seus olhos com os meus e alojando a boca no lóbulo de minha orelha, mordendo-o.

- Não seja mentiroso, Mitchell. Está fazendo isso porque quer. – respondi, estremecendo diante da corrente elétrica que serpenteou por meu corpo tão logo ele mordeu-me de leve bem ali.

- Eu disse que ia perder o controle se continuássemos...

Sorri, enlaçando-o e trazendo-o para mais perto. – Não se preocupe, você está indo bem. – ironizei.

Surpreendi-me lembrando com uma precisão quase que cartográfica do corpo dele, quando o vi sem camisa pela primeira vez numa noite gelada e cheia de estrelas, quando ele estava cozinhando em febre e inerte em sua própria inconsciência.

Por isso mesmo, deslizei os dedos outra vez naquelas costas das quais ainda me lembrava, permitindo-me cerrar os olhos enquanto sentia seus beijos pipocarem em meu pescoço. Ao roçar no tecido de pele que recobria as cicatrizes, mais uma vez percebi os contornos irregulares e a estranha maciez ao toque. E me lembrei de quando ele disse-me que sua marca de queimadura, aquele brasão da família Shelser com letras góticas que tanto me apavorou no início, ainda formigava quando tocada.

- Desculpe... A sua marca... – sussurrei, afastando minhas mãos de imediato.

Para minha (ainda) maior surpresa, Mitchell sorriu-me calmamente, enquanto eu podia sentir as mãos em minhas costas, repentinamente, cuidando dos botões de meu vestido (que ele próprio havia fechado).

- Não. Pode continuar. Quando você me toca... É bom. – e eu engoli em seco.

Não pude mesmo fazer mais do que isso quando ele beijou-me mais uma vez, me fazendo temporariamente esquecer do mundo à minha volta. Só fui desperta daquele estado de torpor ao sentir um ar frio ricochetear meu corpo, uma brisa que antes não estava sentindo. Com olhos assustados (eu diria), percebi-o despindo-me do pompadour e de qualquer peça de roupa que eu ainda pudesse ter, tão rápido que não tive tempo de dizer nada.

- Ah... – surpresa, minha primeira reação foi cobrir minha nudez, mas antes que isso acontecesse, como se estivesse prevendo isso, Mitchell entrelaçou seus dedos aos meus numa mão e segurou o pulso de meu outro braço.

Foi como se, ao encarar seus orbes azulados, eu tivesse subitamente derretido e me tornado apenas algum projeto de humano, cheia de pensamentos e, ao mesmo tempo, sem conseguir prestar atenção em nenhum. Senti meu rosto, até as orelhas, arder terrivelmente.

- ...E pensar que até cogitei apagar as velas. – ele sussurrou, o rosto bem próximo do meu. – Eu iria perder essa visão.

Não pude deixar de sentir o rosto ruborizar.

Mitchell me olhava de uma forma... Não sabia explicar, mas era como se fosse me devorar aos poucos apenas com os olhos.

A vergonha deu lugar à surpresa e a uma deliciosa sensação de torpor quando senti sua língua desenhar o contorno de meu seio. Ele parecia não ter pressa alguma, sorvendo-o, brincando e intercalando aquelas carícias em ambos até que eu me via ofegando ainda mais pesadamente e gemendo abafadamente.

- Eu disse que não devia ter me deixado perder o controle. – ele sussurrou, de encontro à pele de minha barriga.

Mesmo?, pensava eu. Se eu soubesse disso, teria-o feito perder o controle há mais tempo, isso sim!

Acreditei que minha própria noção de tempo-espaço estava se desfazendo em espirais de fumaça azul, como uma carta a queimar na lareira, enquanto as carícias de Mitchell faziam-me quase ver estrelas. Eu não me importava com o fato de que eram cheias de cuidado e vagarosas; diferente do que eu imaginava. Um arrebatamento animal, rápido e intenso.

Meus olhos, outrora fechados, abriram-se fúlgidos num efêmero apavorar tão logo senti sua língua e seus dentes brincando em meu ventre. Quando aquela delicada mordida fez minha pele arrepiar, alguma espécie de medo profundamente enraizado e, quem sabe, até esquecido brotou como a água o faz da terra, e logo foi preenchendo tudo ao seu redor.

Eu me vi tremendo, e soube que não era de expectativa. E recriminei-me um milhão de vezes por deixar que aquele passado feito de cruzes áureas e argênteas, as noites em que teias cinzentas de aranha precipitavam-se no céu índigo e até mesmo a casa com cheiro abafado de esquecimento viessem-me à mente naquele momento, ironicamente, onde achei que essas memórias jamais pudessem me alcançar.

- Mitchell...? – chamei-o, e senti seus beijos cessarem.

Ao vê-lo erguer-me a cabeça e me encarar, soube que ele percebeu. A sobrancelha arqueou, naquela típica feição de quando algo não ia bem.

- Quero você. – atalhei. Não, eu não estava mentindo, tinha certeza; só estava apressando o passo e, mais uma vez, fugindo do fogo do Inferno e do cheiro de cinzas de algum lugar do passado. Escondendo-me pateticamente em suas carícias.

...Eu ainda era uma criança tola, como ele mesmo me dizia.

Contrariando minhas expectativas, sua ação me foi inusitada: ele não me recriminou nem falou nada. Como se ignorasse o que viu em meus olhos, talvez o medo, talvez o fato que aquela violência ainda não morrera em mim, ele simplesmente refez o caminho, marcando-o outra vez com seus beijos, até chegar em meu rosto. Eu suspirei, relaxando o corpo.

- ...Ainda podemos parar e desistir dessa loucura, se quiser, Cora. – ele sussurrou-me ao pé do ouvido, a voz rouquenha e baixa, a ponto de eu ter de prender a respiração para ouvi-lo.

Aquilo era tudo que eu não queria. Já devia saber que me faria tal proposta.

- Quero enlouquecer, se é assim... – respondi, meneando a cabeça e deixando de lado qualquer pensamento que não fosse aquela minha decisão (ou tentava fazer isso, ao menos).

- Tolinha. – Mitchell não esperava resposta diferente de mim, acredito.

Fiquei surpresa, porém, em vê-lo se contentar tão cedo com minha observação. Geralmente, ele teria resistido mais, ainda mais ao ver-me... “Fragilizada”, eu acredito, principalmente num momento como aquele.

Talvez porque eu tivesse insistido tanto; ou talvez porque sua pele estava tão quente que chegava a formigar-me, quando encostada na minha. Deslizando a mão e segurando-me pelos quadris, senti-o posicionar-se entre minhas pernas, tão logo livrou-se do resto de suas próprias roupas, beijando-me gentilmente nos lábios.

- Eu posso...?

Suspirei, um misto de deleite, ternura e apreensão.

Estava errada, afinal. Ele simplesmente estava jogando conforme minhas regras; se eu estava fugindo e apressando o processo, então, ele também o faria, talvez com o dobro de cautela, dessa vez.

- ...Não é preciso pedir licença para algo que é seu. – e enlacei-o pelo pescoço com meus braços, numa muda permissão.

Não que minha experiência fosse ampla. Tudo que eu sabia era baseado em experiências passadas, de uma infância que me desagradava muito recordar, e de poucos livros que ultrapassavam os rígidos costumes e morais e detalhavam as cenas de envolvimento íntimo entre um casal. Mas eu jamais havia sabido de alguma pessoa que beijasse outra, nesses momentos, na testa. E foi exatamente isso que aconteceu: outra vez, o déjà vu de meu primeiro beijo com Mitchell; fora também na testa, daquele mesmo jeito delicado com que estava o fazendo agora.

E, talvez, por sabê-lo tão diferente dos tipos de homens que eu conhecia pela ficção ou pela boca mal-intencionada das empregadas da cozinha, me senti feliz com aquele gesto. Tão ou mais feliz do que quando o senti em mim, mordendo meu dedo indicador para abafar um princípio de algum grito que nunca chegou a se manifestar.

Mitchell não se moveu. Ficou parado, até que deitou minha cabeça, a qual ergui involuntariamente ao sentir aquele traço inconfundível de dor que há tanto tempo não sentia, quase que uma dor virginal, outra vez no travesseiro e beijou de leve minhas faces e, em seguida, meus lábios.

- Está doendo, bonequinha? – ele me perguntou, num tom angustiado, como se a dor fosse dele. – Quer que eu pare?

Rapidamente, neguei com um veemente movimento de cabeça. Esquecendo-me até daquele fio de dor que antes senti, sorri.

- ...Eu tinha certeza de que você não ia me machucar.

Alguma pessoa realmente sábia que já trilhara seu caminho neste mundo disse certa vez, imortalizada em sua própria frase pelas bocas das serviçais mais velhas, as empregadas que eu tanto ouvia fofocarem pelos corredores, nos poucos momentos de folga, que não há experiência na vida de uma mulher que se compare à primeira vez de uma mesma.

Sim, sábia como era, aquela pessoa não mentiu. Para o bem ou para o mal, a primeira vez de uma mulher é eterna. Entretanto, para mim, era como se aquela fosse a minha primeira vez. Porém, mesmo sendo uma pessoa sábia, ela omitiu verdades. Verdades variáveis, só descobertas uma vez, numa única situação, e que depois daquilo, desapareciam para sempre como uma neblina.

Aquela frase imortalizada em nada falava do tremor que percorria o corpo e transformava cada ondulação do corpo, cada toque e cada fremir de quadris numa nova descarga elétrica, como se o próprio corpo estivesse se desintegrando, fundindo-se para misturar-se em alguma substância desconhecida e formar um novo estado de torpor mental.

Nunca falou do feitiço de pele pálida e trêmula, lentamente cobrindo-se de uma fina camada de suor, nem do prazer que ia rasgando cada célula conhecida e desconhecida, abrindo espaço de forma ignorante, preocupada apenas em fazer serpentear o corpo, até que a garganta não deixasse escapar mais do que gemidos angustiados, até que as mãos não pudessem fazer nada mais do que se agarrar aos lençóis ou à pele de um amante, até arranhá-la.

E, certamente, sem nenhuma sombra de dúvidas, não falou nada sobre aquela sensação de estar se perdendo numa torrente negra pontilhada de pequeninas luzes douradas, como se estivéssemos vendo as portas do Paraíso.

E tudo aquilo sumiu, provocando-me um sobressalto, uma passagem de volta, assustada, outra vez ao mundo carnal.

- O... O que... O que aconteceu, Mitchell...? – eu perguntei-lhe, com um arfar angustiado pausando cada palavra.

Sem nenhuma explicação, diferente do que qualquer frase ou qualquer livro indicava, até mesmo o senso comum dos instintos mais enraizados, Mitchell Sunderland parara de valsar comigo aquela dança primitiva que há tantos anos levava e trazia de volta as pessoas de algum lugar regido pelo divino, até que não restasse nelas nada mais do que um grito de alívio.

- Nada, boneca. – ele me respondeu, parecendo absurdamente calmo, ao contrário de eu própria. Mesmo quando ele desceu os lábios por meu pescoço uma vez mais, mesmo quando aquele arrepio delicioso envolveu meu corpo num aperto hercúleo, eu apertei os lábios, entre irada e descrente.

- Deus...! Por que... Por que, então, parou...?!

- Que impaciente você é, Cora. – ele sorriu-me, provocando uma onda que nada tinha a ver com prazer (apesar de que, quando me mordeu o colo, arrancou-me um incontrolável suspiro de deleite).

Era como se eu tivesse sido, subitamente, “chutada” de qualquer plano superior no qual havia sido anteriormente posta. E isso não me deixou contente.

- O que está...

Talvez, eu devesse recordar-me do fato de que eu estava lidando com ele, Mitchell Sunderland. O homem que, no início de nossa convivência, me assustava por ser totalmente excêntrico e estranho. Uma pessoa que colecionava e fazia questão de ter por perto tudo que repudiava, e preservava tudo que queria ver destruído.

Essa mesma pessoa abandonava tudo que estava fazendo anteriormente apenas para, uma vez mais, trazendo-me a mesma sorte de nostálgicas sensações no baixo ventre, distribuir aqueles beijos cinicamente delicados em meu colo, no vale entre meus seios, em minha barriga, descendo sem pedir licença, sem parar diante de nenhum obstáculo ou distração.

- Ah... O que está fazendo...?

Ali estava um lugar onde ele não havia me tocado anteriormente, como se, propositalmente, estivesse evitando-o. E, agora, eu me via mais uma vez sem reação aceitável diante de seus carinhos, sentindo apenas as leves mordidas, a língua deslizando pela parte interna de minhas coxas.

- Há algum tempo, descobri algo chamado “Tantra”. Bastante interessante, se quer saber. – e enquanto sussurrava-me isso, continuava naquelas carícias que me faziam experimentar uma vez mais aqueles estremecimentos prazerosos. – Diz ele que, se você adiar ao máximo o orgasmo, é capaz de atingir o que chamam de hiper-orgasmo. É claro que isso é só uma experimentação usando os princípios básicos, porque o Tantra de verdade diz que menos de duas horas de sexo é uma ejaculação precoce e eu, sinceramente, temo por você se eu resolver aplicar o verdadeiro sentido desses ensinamentos nesse seu corpo, bonequinha. Além disso, eu ia usá-lo e torturá-la aos poucos, mas você quis apressar as coisas... Estou desapontado.

Até ali, eu já não sabia se corava violentamente ou se ria. Definitivamente, até mesmo a excentricidade de Mitchell era explicável. E quão deliciosamente explicável...

- Por isso, o que eu quero que você faça é simples, Cora.

- E... O que é?

- Quero que você não faça mais isso que fica fazendo. – não pude evitar achar engraçado. Sua voz calma era a de alguém que podia muito bem estar sentado numa cadeira, dando ordens a qualquer um. E, entretanto, estava na última situação em que imaginaria empregando-o aquele timbre. – Quero ouvi-la. Se você se entregar a mim, farei essa promessa valer a pena.

Não soube o que respondê-lo e, provavelmente, o lord Sunderland jamais ouviria minha resposta, porque seus lábios e sua língua deixaram de brincar com a parte interna de minha coxa, como se estivessem apenas esperando aquele meu momento de descuido para pegar-me de surpresa.

Quase traindo aquelas palavras recém proferidas, minha primeira reação foi exatamente aquela, abafar o gemido surpreso que escapou de minha garganta sem reservas, então. Era como se minha consciência, antes roubada, estivesse retornando ao calor das chamas. A mesma alucinação que ardia outrora em cada poro da pele, como se o corpo meramente fosse uma extensão que levasse a consciência a qualquer lugar que não fosse ali, veio mais intensa do que nunca.

Houve um momento no qual eu já não sabia mais se estava implorando por mais ou por misericórdia. Era como se todo meu corpo tivesse se transformado em meras extensões das sensações que Mitchell provocava-me. Eu já não enxergava nada, ouvia nada e, possivelmente, sequer iria sentir o gosto de algo.

Tudo em que eu pensava era quando iria morrer, porque aquele prazer, sim, estava me matando. Não havia outra explicação senão essa para aquele gemido que mais se assemelhou a um grito rouco, quando todo meu corpo simplesmente desabou diante do que pareceu ser... Aquilo que chamavam de “orgasmo”, o todo misterioso...? Tudo que eu sabia era que até mesmo minha alma pareceu transformar-se em algo gelatinoso, e eu deixei meus braços caírem, sem forças, no lençol branco como a pele dele, sem fôlego, sem condições de me mover.

Quando achei que aquilo fosse tudo, já estava até mesmo dando-me por satisfeita, Mitchell deslizou a língua por meu ventre, subindo e traçando o contorno de um de meus seios, arrancando-me um novo gemido, mais uma série de estremecimentos que achei que fossem quebrar algum osso meu.

Quando mordiscou meu lóbulo da orelha, achei que tivesse, por um breve instante, visto Deus.

- Oh... O que... O que é isso...? – perguntei, desnorteada, coberta de suor e dúvidas, quando as mãos dele seguraram-me mais uma vez pelos quadris.

- Bonequinha... Vinte ou trinta minutos disso é até uma afronta, não concorda? – ele me segredou ao pé da orelha, num tom rouquenho e baixo. – Eu estou terminando o que começamos.

E, assim, com muito esforço, lembrei-me de minhas reclamações e frustração indizíveis quando ele parara sem nenhum aviso de mover-se dentro de mim.

- Oh... Não me diga que...

- Ainda consegue pensar. – ironizou. – Isso é ruim.

- Mitchell, por favor... – gemi, repentinamente assustada. – Por favor, chega... Se fizer isso de novo, eu vou... Eu vou morrer... Meu Deus, juro que não vou agüentar outra vez...

Ouvi-o rir, e fechei os olhos, deliciada, ao sentir-lhe mordendo meu pescoço, a curva do mesmo até o ombro. – Ora, onde está a sua ousadia de antes?

- ...Foi embora tão logo você começou essa tortura! – repliquei.

- Deixe-me torturá-la um pouquinho mais, então.

- Ah... Não...

Meus protestos foram engolfados no beijo passional que me dedicou. Tomou meus lábios com uma fome que eu jamais achei que ele possuísse, e reiniciou mais uma vez o movimento dos corpos, puxando-me cada vez mais de encontro a ele. Como uma criança desamparada, não pude fazer nada mais do que cravar minhas unhas em suas costas, arranhando sua extensão até onde meus braços alcançaram, antes de caírem, sem forças, sobre o colchão.

Eu já não sabia mais o que acontecia ao meu redor. Possivelmente, já havia até mesmo esquecido do meu próprio nome. A mesma alucinação que antes ardia, agora devorava cada célula de meu corpo, abocanhando-as naquele mesmo calor que ameaçava consumir-me até que eu reduzisse-me a nada.

A dor do prazer é tão grande que machuca, e eu tive vontade de empurrá-lo de minhas entranhas por breves segundos. Mas alguma força muito mais poderosa até do que a sanidade que eu, lentamente, ia perdendo me fez permanecer ali, obstinadamente, enquanto eu só sabia que ainda estava viva porque ouvia meus próprios gemidos roucos, porque ainda sentia o rosto de Mitchell afundar-se na curva de meu pescoço, a respiração quente dele chicoteando aquela parte sensibilizada de minha anatomia.

Uma tarefa de titãs. Não podia resumir senão naquelas quatro palavras. Achei-me cada vez mais perto da morte certa, e pensei que aquele súbito calor, aqueles pequenos estremeceres fossem o anúncio de minha condenação. Meu corpo contraiu-se involuntariamente, e eu cerrei os olhos com ainda mais força, achando até mesmo aquilo algo quase impossível.

E, então, minhas mãos receberam vida própria de alguma divindade, uma fagulha de forças, e agarraram-se aos ombros dele, como se minha vida dependesse daquilo, e quando senti meu corpo sacudir-se em espasmos ainda mais inebriantes que os da outra vez, achei que aquele fosse meu fim. Morreria pateticamente na cama de um lord, durante um dos momentos mais importantes da vida de uma mulher.

Não, acabei não morrendo. Mitchell beijou-me nos lábios mais uma vez a tempo de abafar o talvez mais profundo e satisfeito grito que eu já tenha deixado escapar. Era como se o mundo tivesse se colorido em uma tela esfumaçada em tons de dourado e pontos levemente negros. Minha cabeça enevoou, e eu não pude pensar em nada; não sabia onde eu estava, com quem estava ou mesmo quem era eu.

Quando pareci recuperar a consciência, minha cabeça estava sobre um travesseiro, e um par de olhos azuis me encaravam.

Um abismo para o qual eu tentei evitar olhar, ainda embebida em minha própria confusão prazerosa, mas que, por algum motivo, já não tendo mais controle sobre meu corpo, não consegui. Eram olhos não tão grandes nem tão pequenos e, sinceramente, nada tinham de muito diferentes dos de muitas outras pessoas. A verdadeira peculiaridade dos olhos de Mitchell Sunderland, mais do que o profundo vórtice de tristeza que eles velavam, mais do que o tom indescritível de mesclas de azul e lavanda, era aquilo. Seu poder.

Era simplesmente uma maneira totalmente peculiar de encarar, onde seus orbes adquiriam um tom vítreo e cristalino, como que envoltos num brilho difuso, como se até não existissem ali.

Como os olhos cegos das bonecas de porcelana que ele tanto detestava. Como se fosse me afogar em um maremoto de desespero puro e simples, ou ainda, como se brilhassem e, por um instante, relaxassem uma pessoa a ponto de fazê-la esquecer de como mexer os braços e as pernas, de como murmurar seu nome.

Não saberia dizer se era porque meu corpo estava totalmente dormente e, talvez, indefeso para qualquer visão fantástica ou coisas do tipo, mas eu percebi naquele ínfimo momento que todo um mundo estava morando nos olhos de Mitchell. Um mundo que me arrepiou uma vez mais.

- Por favor, por favor... – eu sussurrei, debilmente. Tão fracamente que até parecia uma enferma. – Por favor, Mitchell, chega... Não me olhe assim...

- Minha bonequinha, você é tão delicada. – ele sorriu, talvez tão exausto quanto eu, e deslizou sua língua por meu rosto. – Pronto, pronto. Agora já passou, não precisa mais chorar.

Surpresa, percebi mesmo que meu rosto estava úmido de lágrimas.

- Oh, Deus... Nunca mais faça isso comigo... – emendei.

Aparentemente alheio aos meus pedidos, ele continuou me torturando, desta vez traçando com seus dedos uma linha imaginária em minha coluna, arrepiando-me o corpo inteiro.

- Você quis tanto isso e, agora, diz que não gostou? – perguntou, parecendo divertir-se às minhas custas, mordiscando meu queixo.

- Não... Foi maravilhoso, mas... – como suspeitei, eu não conseguia mais agir normalmente. Estava acabada. – Mas... Achei que fosse morrer... É bom demais...

- Serei gentil, então, da próxima vez. Só meia hora, está bem?

- Oh, nem brinque com isso!...

- Vinte e cinco minutos? – Mitchell riu outra vez, brincando com algumas madeixas de meu cabelo espalhado pelos travesseiros, e afastando alguns fios acobreados de meu rosto. – Que tal agora mesmo, outra vez?

- Não, por Deus! Deixe-me descansar, pelo menos!... – gemi. Se ele ousasse me levar outra vez àquele mundo de prazer puro e irrestrito, eu não sabia se iria voltar viva e poder contar a história.

Beijando-me a testa, num gesto que ainda conseguia pegar-me de surpresa, Mitchell aconchegou-me em seus braços, enquanto eu sentia as cobertas precipitando-se sobre nossos corpos.

- Cora, vou acordá-la no meio da noite desse mesmo jeito, posso? – perguntou, com um tom jocoso na voz.

Respirando fundo, tentei recuperar um pouco de meu fôlego para respondê-lo sem tantas pausas sôfregas. – Só se... Quiser me matar de uma vez...

Deixei que ele me envolvesse a cintura, devolvendo o gesto ao segurar-lhe delicadamente o rosto em minhas mãos ainda trêmulas.

- Se é isso que eu preciso fazer para vê-la outra vez com aquele rosto de puro deleite, então é o que farei. Vou te matar. – respondeu-me, pondo-se sobre mim e depositando um selinho em meus lábios. – Agora durma um pouco, minha querida. E acostume-se. Tão logo nos casemos, isso será bastante comum. Você será a minha cobaia... – sussurrou-me no ouvido.

Redigi uma breve nota mental: nunca mais deixar Mitchell Sunderland chegar perto de qualquer livro de conteúdo estranho e duvidoso.

- ...Boa noite, Cora. – sussurrou outra vez apenas para mim e, continuando em cima de mim, escondeu seu rosto outra vez na curva de meu pescoço, onde depositou um suave beijo.

Apesar do arrepio momentâneo, meu corpo clamava descanso (mesmo eu sabendo que, pelo olhar faminto dele, algo me dizia que aquela noite seria longa...). Tão logo fechei os olhos, fui tragada para o mar de inconsciência, até fundir-me e ser a própria escuridão.


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