Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 7
Capítulo 07




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Capítulo 07 - Realização

  João pegou o elevador e subiu até o terceiro andar onde o Sr. José estava hospitalizado. Não sabia o motivo dele estar lá e nem teve coragem de perguntar na recepção se era algo grave ou não. Se Seu José estava bem para receber visitas, então podia falar. O que poderia ter acontecido?

- Com licença - disse João, batendo na porta. Seu José reconheceu a voz imediatamente e, com uma voz fraca, pediu que o rapaz entrasse. João entrou lentamente, com um sorriso tímido.

- Hehe. Reconheci sua voz. E aí, garoto? - disse o velhinho, deitado na cama, com alguns tubos injetados na veia.

- O...que aconteceu? - perguntou João - Disseram que o senhor passou mal?

- Minha saúde tá fraca há um bom tempo - falou seu José - Mas nos últimos dias eu acabei me forçando demais.

- Fique preocupado - disse ele - Gosto de conversar com o senhor...quando tenho um tempinho da faculdade.

- Hehe. Isso é raro. Normalmente vocês moços gostam de ficar com gente da sua idade.

- Não conheço muita gente da minha idade...na verdade, acho que não conheço quase ninguém.

- Hehe. Você parece ser do tipo quietão - continuou seu José - Ai, ai.

- Mas o que aconteceu com o senhor?

- Um pouco de tudo..coluna, problema de estômago, tosse...na minha idade, essas coisas vão aparecendo mesmo. Não tem jeito.

- Se o senhor estava mal não devia se forçar tanto assim no trabalho. Ainda mais em um serviço braça assim e...

- Mas se eu não trabalhasse iria fazer o quê? - seu José respondeu com outra pergunta, mas ainda em tom gentil - Já sou viúvo e meu filho mora um pouco longe. Ligaram pra ele assim que me trouxeram para cá...*cof*...ele está em casa agora, descansando um pouco, mas foi bem atencioso. Está bem casado e trabalhando bem *cof* acho que já posso partir sossegado.

- Não diga isso! - falou João - O senhor não vai ser derrubado por uma situação dessas, vai?

- Hehe...antigamente até eu concordaria, mas agora não posso mais me enganar.

- O senhor ainda vai viver bastante.

- Hehe. Não, não. Nós dois sabemos que não. A gente sente quando o fim está chegando.

 Aquela conversa lembrou todas as reflexões que João teve nos últimos dias. Ele via ali, na frente dele, um homem chegando ao fim de sua jornada na Terra. E um homem que sabia disso. E seu José parecia calmo e sereno. Mesmo que ele partisse naquele momento, ele parecia tranquilo. Por que será que ele se sentia assim?

- O senhor parece bem calmo - comentou João.

- Por que não estaria? Hehe. É um momento que todos nós iremos enfrentar. Não dá pra fugir dela.

- Dela...da morte?

- Sim. É engraçado, não é? É a única certeza que temos e nunca nos acostumamos...

- Acho que é porque não sabemos o que vem depois.

- Seja o que for...vamos ter que enfrentar, não é? Não tem como escapar.

- Essa semana conversei sobre isso com outra pessoa...a vida tem um fim e quase sempre nos esquecemos disso.

- É...a vida é curta. Olhando agora...passou rápido, muito rápido. E o mais engraçado é que lembro até de quando era criança, direitinho.

- Mesmo?

- Sim. Dá pra lembrar de toda a história da minha vida. Como eu cresci, trabalhei, casei, tive filhos..passei por dificuldades, mas me diverti bastante também...não tive muitas oportunidades, mas gostei da minha vida.

 João ficou em silêncio por alguns instantes.

- Mesmo se eu partir hoje, vou sem me arrepender de nada *cof* Meu filho está bem criado e...terminei meu último trabalho.

- Ah, sim, o senhor disse que aquela obra já estava terminando, não é?

- Quando eu vim pra cá, ela já tinha acabado. Só faltava dar uns retoquezinhos, mas a minha parte já está feita.

- Isso é bom.

- Sim. E eu ainda nem recebi tudo pelo serviço. Hehe.

- Nossa, que injusto! - reclamou João.

- Mas mesmo assim eu parto feliz. O dinheiro não importa nem um pouco.

- Já disse para o senhor não falar assim.

- Mas é verdade, meu filho. No que o dinheiro vai me ajudar nessa hora?

- Bom..

- Dinheiro pode comprar muitas coisas...mas não pode te comprar um único segundo de vida a mais - disse seu José, com toda a tranquilidade - Se eu ganhasse na loteria e estivesse aqui, na mesma situação, qual seria a diferença?

 João voltou a ficar em silêncio, enquanto refletia sobre aquela frase. Dinheiro...o objetivo de tantas pessoas.  Aquilo que tantas pessoas desejam, trabalhando dia e noite, ou mesmo enganando e roubando por ele. No entanto, no fim da vida, o que o dinheiro poderia fazer? É...existia coisas que o dinheiro não podia comprar.

- Agora só me resta descansar - disse João - O importante é que se eu partir, farei isso sem arrependimentos dessa vida.

 Aquela frase foi muito parecida com o que Afonso disse antes. O que levamos da vida? O que importa realmente na vida? Você pode dizer que é feliz hoje, a ponto de partir daqui sem nenhum remorso, nenhum ressentimento? João ainda não conseguia responder essa questão, na verdade, ele ainda nem sabia o seu caminho, nem sabia onde encontra a felicidade...onde estaria seu verdadeiro caminho? Sua verdadeira realização?

- Espero que eu também me sinta assim - falou João.

- Você disse que não estava gostando muito dos seus estudos, não é?

- É. Eu queria achar logo algo que eu goste...algo que me faça sentir bem.

- Só isso?

- Não sei se só isso basta...

- Eu não sei - falou seu José - O meu trabalho foi difícil e duro, mas...foi algo que sempre me fez bem.

 João voltou sua atenção para essas palavras. Seu José continuava a falar de forma fraca, mas seu discurso era bastante claro e lúcido.

- Mas não foi só isso *cof* eu ajudei a construir muitas casas e prédios. Ajudei a fazer a cidade crescer, a dar moradia para muitas pessoas...o meu trabalho foi útil. Não apenas me fez bem, mas fez o bem para outras pessoas.

- É..é verdade. O seu trabalho foi muito importante.

- É isso. Junte as duas coisas para o seu futuro: um trabalho que você goste e...*cof*...algo que seja útil para os outros.

- Útil...para os outros...

- Sim *cof, cof*...o que você faz por você mesmo, morre com você. Mas..*cof*, o que você faz pelo próximo, continua mesmo depois da sua morte

 João sentiu profundamente essa última frase. Até agora ele só tinha pensado em si mesmo, mas será que o seu trabalho não tinha uma importância maior? Havia algo mais do que si mesmo, não havia? A realização estaria além de si mesmo.

- É verdade - concordou João, balançando levemente a cabeça em afirmação.

 Após mais alguns minutos, João se levantou e preparou-se para sair. Seu José sorriu.

- Obrigado pela visita. Espero que você descubra logo o que quer - disse seu José.

- Ainda vamos nos ver de novo, não vamos? - disse João, não conseguindo segurar uma lágrima.

- Talvez sim, mas pode ser que não..*cof*...nós...sentimos essas coisas *cof* - disse seu José - Se isso acontecer *cof*...fico feliz de tê-lo conhecido. Você é uma boa pessoa...merece a felicidade.

- Obrigado por tudo..mesmo que tenha sido por pouco tempo - balbuciou João, agora não conseguindo segurar mais nada em seus próprios olhos. Seu José continuou a sorrir.

   Assim que saiu do prédio, João colocou as mãos nos bolsos e voltou a repensar sua vida. O que ele gostava? E, além disso, o que ele poderia fazer para melhorar o mundo? Esse mundo é tão grande, com tantas pessoas, tantas delas sempre precisando de alguma coisa. A frase de seu José era uma grande verdade: o que você faz por si mesmo, morre com você mesmo. O que fica é o que você deixa para o mundo. O que João poderia deixar para o mundo?

...

    O sinal tocou. As crianças corriam pelos corredores da escola, ansiosas para o recreio. Era o fim da aula de artes e o professor havia acabado de liberar a turma. Um dos alunos, veio ansioso até o professor, mostrar seu novo desenho.

- Ficou bom, professor? - perguntou ele.

- Hmmm...muito bom. Só precisa pintar mais aqui no canto - disse o professor.

- Ah, pode deixar. Nem tinha percebido. Obrigado, professor - disse o garoto, sendo logo após chamado por um dos coleguinhas. João viu a cena com um sorriso. Apesar das dificuldades de sua profissão, aqueles momentos eram ótimos. Aquele momento em que se vê a expressão de aprendizado em um aluno. Era a realização de um professor.

 Sim. Foi isso mesmo. João percebeu seu caminho. Seu sonho era ser um desenhista, mas ele achou que não dava para isso. Mas após aquelas conversas com seu José, com Afonso e mesmo com seu antigo colega Renan, descobriu algumas verdades. Verdades não apenas sobre escolher um trabalho, eram verdades sobre a própria vida. Renan buscava o sonho de ser cantor, Afonso lamentava por sua vida e seu José, seu José realmente partiu desse mundo sem arrependimentos. Após aquelas últimas semanas naquela cidade, João decidiu que ainda podia investir no que gostava. Decidiu iniciar um curso de desenho na capital, mesmo tendo que enfrentar a opinião de seus pais quanto a isso. Não almejava tornar-se um desenhista profissional, mas acabou indo para o ramo de ensino. Tornou-se um professor de artes em uma escola simples. Seu salário era modesto, mas não se imaginava fazendo outra coisa. Descobriu o fascínio pelo ensino com sua paixão, o desenho, cujo traço ele melhorou muito com o tempo. Finalmente, havia descoberto seu caminho. 

  Não foi uma epifania, não foi algo que surgiu de repente em João. Após a morte de seu José, na qual ele esteve presente no enterro, João ainda pensou muito, refletiu muito. Até, finalmente, decidir transformar aquilo que gostava, mas não era bom, no que realmente queria fazer. Ele ainda não se considerava um bom desenhista, mas dedicou-se de corpo e alma ao seu novo empreendimento e descobriu uma paixão que nem se comparava a seu antigo curso de engenharia. Teve que se arriscar nessa nova área, mesmo achando que poderia ter escolhido um caminho errado no começo, mas foi até o fim. Finalmente, havia encontrado o seu caminho.

  Talvez a história de João não seja algo tão diferente da vida de muitos jovens. O que fazer da vida? O que escolher entre tantas opções? O que eu gosto? O que eu não gosto? O que vai me fazer feliz? O que vai me dar dinheiro? João percebeu, em sua última conversa com seu José, que o dinheiro era a última motivação. As duas primeiras motivações deveriam ser: a felicidade do próximo e a sua felicidade.

  O que é a felicidade? Ou o que é a vida? O que estou fazendo nessa vida tão curta? João não sabia, mas as respostas acabaram chegando. Após muitas conversas, ele finalmente encontrou o que poderia realizá-lo. Percebeu que deveria não apenas ser feliz, mas tentar ajudar na construção da felicidade do próximo. Qual a importância do seu trabalho? Você trabalha apenas pelo dinheiro ou por que sabe que sua função é importante? Afinal, ser humano é isso. Ser humano é estender a mão para quem está caído. Ser humano é ajudar a carregar uma caixa pesada. Ser humano é dividir seu único pedaço de pão com quem tem fome. Ser humano é conseguir consolar aquele que chora. Ser humano é ensinar algo mínimo, mas capaz de fazer a diferença na vida de uma pessoa. Ou, pelo menos, tudo isso é o que um ser humano deveria ser. Não importa se você é um professor que ensine, um médico que cure, uma enfermeira que cuide, um motorista que transporte, um policial que proteja, um professor que ensine, um faxineiro que limpe. Todo trabalho é importante, todo trabalho é necessário. Você pode não ter encontrado ainda o seu trabalho, mas leve isso em conta: o bem.  O bem tanto para você, quanto para o seu próximo.

  Essa foi a história de João. Mas João é apenas um entre muitos. Ele teve um final feliz, mas talvez muitos outros Joões ainda não tenham encontrado seu caminho. Esperamos que um dia eles também encontrem sua verdadeira vocação e consigam encontrar e, mais do que isso, se realizar.

FIM


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Notas finais do capítulo

Acabou!
Eu falei que seria curta, não falei?
Acho que não foi minha melhor história. Não teve nenhuma reviravolta ou muito suspense. Foi apenas uma história sobre a vida. A mesma vida que, no corre-corre do dia-a-dia, raramente temos a oportunidade de parar e pensar sobre ela.
Agradeço a todos que leram Procurando até aqui. Espero que tenham gostado da história e, se de alguma forma, a trajetória de João te tocou, diga nos reviews ou deixe uma recomendação, para que outras pessoas também possam refletir.
Espero vê-lo em alguma outra história minha. Caso queira ler outra narrativa filosófica, recomendo ler "Pesadelo do Real". Tem uma roupagem diferente de Procurando, mas certamente fará você pensar bastante.
Mais uma vez obrigado e até a próxima!



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