Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 6
Capítulo 06




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Capítulo 06 - Surpresas


Após enrolar mais um pouco na lanchonete, João finalmente levantou-se e foi para casa. Ainda estava com toda a conversa que teve com Afonso. Vida. Não tinha parado para refletir o quanto ela pode ser curta. E o que ele poderia fazer com ela? Como poderia encontrar um significado para sua existência, se não tinha a menor ideia sobre o que fazer? No ponto de ônibus, continuou pensando sobre isso. Enquanto aguardava a chegada do transporte, reparou na conversa de duas senhoras que estavam ali.


– Oi, Sônia - disse uma delas - Há quanto tempo.


– Verdade. Como vai, Amélia? - respondeu a outra.


– Bem, bem. Só com uns problemas nas costas, mas nessa idade, né? Sessenta e seis anos não é fácil, não é verdade?


– Eu que o diga..eu o que o diga..hhehehe.


João pensou sobre a vida humana mais uma vez. Se não morrermos cedo, iremos chegar a uma idade avançada. Não teremos mais o mesmo vigor de antes e ficará cada vez mais difícil lutar pelo que queremos. Por isso era importante aproveitar cada momento da juventude. A vida passa mais rápido do que pensamos e João estava vendo isso com cada vez mais clareza. Mas o que significa aproveitar a juventude? Seria curtir todas as festas, como os jovens daquele sábado barulhento? Ou seria encontrar o caminho para o seu sonho, o caminho que permitiria alcançar sua realização. Quando somos crianças queremos nos divertir e é a fase que podemos fazer isso. Não temos preocupações, não precisamos conhecer a maldade do mundo, nossos problemas, na grande maioria das vezes, são preocupações de nossos pais. Quando crescemos mais um pouco, passamos a conhecer como as coisas são de verdade e, de uma hora para outra, somos forçados a decidir o que seremos. O rapaz se lembrava do dia da prova do seu vestibular. Uma prova, um único e imbecil teste que decidiria o primeiro passo da sua vida. E sempre há inúmeras cobranças para todos que prestam esse tipo de exame, mesmo sendo apenas pessoas que mal deixaram a infância. Dezessete anos seria a melhor idade para decidir seu futuro? Não deveria haver mais orientação nas escolas sobre isso? Não deveria haver uma melhor educação, na verdade?


De qualquer forma, João já havia passado por aquilo e agora estava na fase de querer voltar atrás. O que fazer quando não se gosta do que está fazendo? Mesmo que isso dê um bom retorno financeiro, seria bom continuar ali? Ele poderia ser feliz daquele jeito? E, nisso, ele acabou refletindo sobre a palavra feliz. Felicidade. O que é felicidade?


Quando seu ônibus chegou e ele subiu, sentou-se na janela e observou a paisagem. Aquela cidade ainda estava se desenvolvendo. Certamente, ela iria se tornar cada vez maior. O progresso tende a melhorar a qualidade de vida e quanto mais qualidade de vida, talvez mais felizes as pessoas sejam. Mas João insistia em encontrar uma resposta para o conceito de felicidade. O que é ser feliz? É ter muito dinheiro e poder fazer o que quiser? Ou haveria algo mais, ou talvez até mais simples? Aquele homem, Afonso, certamente ganhava bem, mas não podia dizer que era feliz. Queria ter feito uma coisa, mas a vida acabou levando-o para um caminho totalmente diferente. Sentia-se preso a seu trabalho, sem poder voltar atrás por já ter mais responsabilidades. Dizem que sempre podemos correr atrás dos nossos sonhos, mas talvez não seja tão simples assim. Talvez novas circunstâncias ou mesmo a velhice nos impeça de correr atrás deles. Um dia será tarde demais para voltarmos atrás. Se a vida exige que tomemos uma decisão sobre nosso caminho cedo demais (como acontece com os jovens vestibulandos), também é verdade que não podemos tomar essa decisão muito tarde. E se amanhã já não der mais? E se aquela oportunidade única passou sem chances de voltar?


João encostou no banco do ônibus e agora olhou para dentro do veículo. Estava relativamente vazio (como é de se esperar em uma cidade pequena), mas havia algumas pessoas ali. Na frente, uma mãe segurando um bebê no colo. Ela sorria para ele e parecia muito feliz com seu filho. Próximo a ela, havia os bancos ocupados pelas duas senhoras que estavam conversando no ponto (pegaram o mesmo ônibus que João). Mais para o meio, havia outra mãe com duas crianças um pouco mais velhas, que olhavam curiosas pela janela perguntando tudo que podiam. E, no fundo, estava ele mesmo, João. Ele reparou que havia pessoas de diferentes idades ali, diferentes fases da vida, em um mesmo ônibus. Bebê, criança, jovem, adulto e idoso. Cinco fases. Sua vida pode ser dividida nessas cinco fases, com ou mais dias. E se usar a metáfora que Afonso lhe contou, cada fase pode ser comparada ao período de um dia. Um dia, um ciclo, uma vida. Não conseguia parar de pensar o quanto a vida era mais curta do que imaginava.


Isso era preocupante, porque não estamos muito acostumados a pensar nisso. Normalmente, pensamos no que vamos fazer amanhã sem nem nos preocuparmos que existe a possibilidade de não passarmos do hoje. Achamos que a vida nunca acaba, mas todos sabemos que ela acaba. E a morte nunca avisa quando vai chegar. Quantos pais não choraram a morte dos filhos que partiram antes deles? E quantos deles esperavam que isso fosse acontecer? Há uma única coisa que podemos ter certeza que é comum a todos os seres humanos: o término da vida. E o que estamos fazendo hoje? Desperdiçando nosso tempo ou tentando encontrar algo realmente significativo para ela? Esses pensamentos deixavam João muito preocupado e, de certa forma, deprimido. Mas, ao mesmo tempo, ele entendia a importância de encontrar uma caminho para a realização de sua vida, só precisava saber qual. Ele repassou o que gostava de fazer e o mais próximo que conseguiu encontrar foi seu sonho de se tornar desenhista. Mas precisaria passar por um longo processo e longos treinos para alcançar isso. Teria algo mais simples? Precisava procurar e pensar mais.


Ao descer do ônibus, João ainda precisaria caminhar mais um pouco até chegar em sua casa. No meio do caminho, encontrou um garoto, devia ter uns oito ou nove anos, sentado no banco da pracinha próxima. Por usar roupas simples, João deduziu que morava ali pela vizinhança. Um dos amigos dele se aproximou e o chamou para fazer alguma coisa. Mas o menino não estava com vontade de fazer nada.


– Eu já vou pra casa - respondeu ele - Mas acho que vou ficar mais triste se for pra lá.


– Ah, esquece. Vamos jogar bola - disse o coleguinha.


– Depois - respondeu o garoto.


João se aproximou. Ele não tinha muito jeito com crianças, mas ficou curioso com aquela situação (ainda mais por estar pensando na vida a viagem toda).


– Aconteceu alguma coisa? - perguntou João.


– O meu cachorro - respondeu o garoto - Ele morreu hoje.


– Morreu?


– Ele já tava bem velhinho. Mas tô triste com isso.


João fez uma cara de lamentação. A morte não é algo que atinge apenas os humanos, mas todos os seres vivos. Mas aquela cena o fez pensar em algo ainda mais triste sobre a morte: ela não separa apenas aquele que morreu da vida, ela também faz os que ficaram aqui se entristecerem. João não era muito bom em consolar, mas tentou se abaixar e falar com o garoto.


– Você...gostava muito dele?


– Sim. Adorava - disse o menino.


– E...ele foi feliz enquanto viveu com você?


– A-Acho que sim...ele sempre brincava comigo e ficava contente quando eu chegava...


– Então...ele teve uma vida feliz - disse João - Um dia todos nós vamos embora, mas...pelo menos ele foi embora feliz, não é?


O garoto enxugou as lágrimas e concordou com João. Aquela cena o fez pensar ainda mais na efemeridade de vida. Um cão vive bem menos que um humano, uns dezoito ou vinte anos talvez. Existem seres vivos que vivem bem menos. Imagine um mosquito. Um mosquito não vive mais do que uns três dias. Como um mosquito poderia definir sua vida? Três dias, para nós, não são nada. E, mesmo assim, mesmo nossa vida de setenta e dois anos também é curta. Qual a diferença entre nós, humanos, e um mosquito? Nossa vida pode ser longa em relação a do mosquito, mas ainda assim é curta. A frase que Afonso disse há pouco ecoou na mente de João novamente: não importa se você vive quinze ou oitenta anos, sua vida sempre será curta.


João foi para casa e decidiu deitar na cama, para pensar efetivamente sobre o que iria fazer. Deveria voltar a treinar seu traço de desenho? Talvez entrar em um curso específico para isso? Quem sabe? Mas, antes, teria que contar a seus pais o que estava planejando. Pais. Sempre querem o melhor para os filhos, mas, às vezes, eles mesmos decidem pelos seus filhos. Foram seus pais que sugeriram que João fizesse engenharia, mas agora ele estava sem coragem de contar a eles o que estava passando. Mas precisava. Não conseguiria aguentar mais aquele curso por muito tempo. Não sabia o que fazer, mas sabia que não queria continuar naquela faculdade.


– Eu decidi - disse João - Vou sair desse curso!


Ele iria sair. Iria abandonar aquele curso que tanto detestava. Mas o que ele iria fazer? Que caminho iria seguir? Ainda não sabia, mas seu objetivo de vida naquele instante era definir sua nova carreira. No dia seguinte, João faltou à aula e passou a manhã em uma lan-house, procurando carreiras para seguir. Parece que a área de artes tinha crescido bastante de uns tempos para cá. Talvez algo voltado a design parecia interessante. Ele iria passar mais tempo pesquisando cursos, mas o tempo de conexão acabou. Tudo bem. Iria procurar alguma coisa mais artística. Talvez fosse um caminho. Mas ele tinha que abandonar aquele curso. Não aguentava mesmo mais um dia na engenharia.


Terminada essa breve pesquisa e com um pouco mais de noção das próprias preferências, João decidiu andar mais um pouco. Ele tentou passar pela cantininha onde sempre encontrava seu José, mas ele não estava lá naquele dia, mesmo sendo o horário de descanso. João se lembrou que a obra onde ele estava trabalhando estava quase no fim. Já teria acabado? Talvez...


– Ei, aquela obra aqui perto...já terminaram? - perguntou João ao dono da cantina.


– Ah, sim - respondeu ele - Terminaram ontem. Foi no dia que aquele senhorzinho acabou passando mal.


– Senhorzinho?


– É. Você deve conhecer. Aquele que sempre vinha aqui. Você até já conversou com ele.


– O seu José?


– É. Acho que era esse o nome dele. Coitado. Tiveram que levar ele para o hospital e tudo.


– Hospital? Para que hospital o levaram?


– Só tem um aqui perto. É só você....


João anotou as instruções e seguiu para o hospital. Não sabia o nome completo do seu José, o que era um problema para identificar quem era, mas, pela idade, a moça do atendimento conseguiu deduzir que era.


– Ah, sim, o sr. José - disse ela - É no terceiro andar. Se quiser visitá-lo...


– Sim, por favor - disse João.


Mas, afinal, o que teria acontecido com seu José?



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Notas finais do capítulo

Na semana que vem é o último capítulo (falei que seria uma história curta, não falei?). Na conclusão, veremos, afinal, que decisão João tomou e teremos uma última reflexão sobre a vida (que é a principal intenção dessa história).
Obrigado por ler e até lá! ^^



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