Konoha - Internato para menores psicopatas escrita por stephba


Capítulo 3
Pode não ser tão ruim, afinal


Notas iniciais do capítulo

" Não importa o quanto a vida ou as pessoas te magoem.
Isso fará você mudar, te deixará mais forte. Não esqueça que o que não nos mata, nos fortalece.
Apenas não esqueça de ser sempre você, somente você, e não deixar mágoa nenhuma destruir quem você é.
Lembre-se sempre que quem faz sua vida é você, e cada um tem a vida que quer."
— Sermão da Mamãe



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A fila no refeitório se estendia, e eu permanecia sentada em minha mesa, sozinha.

Não estava com fome, muito menos com vontade de disputar um lugar na fila com um bando de psicopatas juvenis. Mas foi só quando avistei Ino entrar no refeitório, que me levantei e decidi me esgueirar pelas laterais da sala lotada, até encontrar a saída. Não que eu não gostasse de Ino, porque eu gostava. Algo nela inspirava confiança. E era exatamente isso que eu temia e evitava, uma amizade tão rápida com um psicopata.

Assim que saí do prédio principal, caminhei pela lateral esquerda do mesmo e me enfiei na biblioteca, rapidamente. Para minha surpresa, o local permanecia quase completamente vazio – os únicos ali eram um garoto que dormia na mesa mais afastada, no cantinho mais escuro. Havia também um rapaz de costas para mim, que procurava algum livro nas estantes. Por fim, a bibliotecária, uma mulher de aproximadamente 40 anos, pele negra, alguns quilos acima do peso e um óculos bem... bibliotecária. Ela se concentrada em um livro qualquer, e parecia tão absorta em sua leitura que demorou alguns instantes para perceber que alguém entrara ali. Lentamente, ela levantou os olhos para me encarar. Um sorriso simpático surgiu em seus lábios, e eu correspondi. É bom, finalmente, saber que a pessoa com quem você está interagindo não é um psicopata.

Fui até as estantes de livro, torcendo para haver alguns livros interessantes. Meu vicio em livros com certeza tornaria minha passagem pelo internato mais aceitável.

Não olhei para o rapaz que escolhia livros ao meu lado, lembrando-me do conselho de Ino. “Não arranje encrenca com ninguém aqui, algumas pessoas possuem problemas de verdade e nós não queremos eles zangados com alguma de nós”, ou algo assim.

Observei alguns títulos, mas nada parecia muito interessante. Não pude evitar uma careta ao ver a coleção Crepúsculo entre a sessão romance. Claro, romance de qualidade! Tudo bem, eu admito que li os livros. Mas eu tinha dez anos, e nunca gostei muito deles. O problema é que, se eu começo um livro, preciso termina-lo. E Crepúsculo me ajudou a ficar mais amarga em relação a romance, então não foi de todo ruim. Mesmo assim, ter lido os livros me trouxe muitas situações onde meus amigos me zoavam. “A psicopata lendo Crepúsculo?”.

Psicopata...

Meus amigos sempre me chamavam de psicopata, fria, e coisas do gênero. Tudo isso brincando, pois eu não me parecia com a maior parte das meninas: nunca gostei de princesas, odiava a Barbie e não gostava histórias românticas, nem acreditava em amor. Me chamavam de malvada por dizer aos meninos que se declaravam para mim: “Calma, é só uma paixãozinha. Espera que em três semanas passa”. Podia não passar em três semanas, mas um dia passava. Sempre passa.

Imagino o que meus amigos devem ter pensado ao saber onde estou agora. As brincadeiras se tornaram verdades?


Flashback – On.

– Acho que talvez eu seja fria mesmo... – Digo, sentada embaixo da maior arvore o pátio da escola. – Porque, sinceramente, não consigo me apaixonar, Yukio. Muito menos acreditar que alguém pode amar outra pessoa. Quando era mais nova, achava que meus pais se amavam. Achava que todos os casais se amavam. Achava que um dia eu amaria alguém e alguém me amaria, que iria demorar, mas aconteceria. Agora eu não acho mais isso...

Ele me olhava, com um leve sorriso nos lábios.

– Você não é fria, Saki. Apenas controla, e muito bem, seus sentimentos. Claro que isso é incomum, e nós pegamos no seu pé te chamando de psicopata. Mas saiba que é uma coisa muito boa poder controlar o que sente... só não exagere, você acaba controlando demais e não vive nada com emoção. E em relação ao amor... você está sendo pessimista. Há pessoas que se amam, que envelhecem juntas, que cuidam uma das outras por toda a vida. Sabe... minha tia teve um derrame cerebral e o meu tio, mesmo mal podendo andar de tão velhinho, cuida dela como se fosse um bebê. Ele a arruma todos os dias, dá banho, penteia seus cabelos ralinhos e grisalhos, passa batom e coloca uma roupa bonita. Tudo para levar ela até a varanda e deita-la lá, então ele fica o dia todo conversando com ela. Mas ela não consegue responder, sabe? Apenas fica olhando-o, com os olhinhos bem atentos e curiosos. Se isso não é amor, eu não sei o que mais pode ser... – Ele sorri mais, ainda me olhando. – E, veja bem, que cara não amaria você? É linda, inteligente... ou melhor, uma nerd, simpática, ama videogames, lê livros interessante, é divertida, uma ótima conselheira e uma amiga incrível. Eu casaria com você.

Ele ri, e eu sorrio, balançando a cabeça negativamente.

– Se esqueceu da parte do: mandona, orgulhosa e teimosa.

– Ah, claro. Mas faz parte do seu charme, não é? – Ele me cutuca com o braço, e eu rio, jogando o cabelo pro lado de forma exagerada.

– 1,67m e 58 quilos de puro e irresistível charme.

Flashback – Off.


Suspiro, sentindo falta do meu melhor amigo. O que será que ele pensava de mim agora?

Um livro na estante chama minha atenção.

Agatha Christie – Assassinato no beco.

Sorrio, contente em encontrar algo que com certeza me entreteria. Sou, desde pequena, grande fã de Agatha Christie, mas há muito não lia os romances policiais que tanto me fascinavam.

Entretida lendo a descrição do livro, acabei por esbarrar no rapaz que escolhia os livros e ambos derrubamos livros no chão.

Sempre comigo, sempre eu, sempre a desastrada.

Me abaixo automaticamente, já acostumada com situações parecidas. Pego os livros, me levanto e só então olho para o rapaz. Ele me olhava diretamente nos olhos.

Paro por alguns instantes, sentindo um arrepio percorrer minha espinha.

Ele é... tão... lindo.

– Desastrada não é uma qualidade muito boa num local como esse. – Ele diz, seu tom de voz um tanto sério, mas com um leve meio sorriso nos lábios.

Um meio sorriso... tão... lindo.

– Pode irritar algumas pessoas, existem muitos pavios curtos por aqui. – Ele continua, sem desviar o olhar dos meus alhos.

Nada me desconcerta mais que alguém olhando fixamente para os meus olhos.

E que olhos cor de ônix... tão... lindos.

De repente, sua expressão tornou-se completamente séria, o que me fez acordar um pouco do transe (lê-se: estado de “babação” completa por um garoto que nunca viu antes na vida. Muito maduro da minha parte, babar por um garoto. Um garoto que eu nem conheço. Sakura, e os seus princípios de mulher madura anti-menininhas-bobas?).

– Você está meio pálida... está tudo bem? – Ele pergunta, seu tom de voz sério – típico dele, pelo que posso perceber.

– Sim, sim... eu só... Eu sou uma desastrada, como sempre. – Abro um sorriso amarelo, olhando para os dois livros em minhas mãos (lê-se: desviando o olhar e fazendo de tudo para não encará-lo. Que foi? Eu preciso me controlar!).

Leio os títulos, para poder devolver o correto. Então, para minha surpresa, percebo que eram duas versões do mesmo livro.

– Bem... acho que qualquer um é seu. – Entrego um dos livros para ele, tentando demorar o maior tempo possível para olhar nos olhos dele.

Quando percebi que parecia uma idiota cabisbaixa, levantei meus olhos até ele e disse a mim mesma para parar de ser imbecil. Nunca agi assim perto de ninguém, muito menos de um garoto.

Meus olhos evitavam os dele há todo custo, mas consegui olhar para seu rosto. Um pequeno sorriso, quase imperceptível, mantinha-se nos lábios levemente avermelhados do garoto. Ele passou uma mão pelo cabelo ônix, num gesto descontraído que apenas contribuiu para deixar seus cabelos um pouco mais rebeldes.

– Bem, tenha cuidado da próxima vez. – Dizendo isso, dirigiu-se até uma mesa do outro lado da sala e se sentou em um dos bancos dela, concentrando-se no livro.

Fiquei olhando-o pelas costas por alguns segundos, com uma estranha sensação.

É só que... nunca achei alguém tão... lindo. Era essa a palavra, que eu quase nunca utilizava e que, a partir de hoje, utilizaria muito menos. O garoto da biblioteca é o mais lindo que eu já vi.

Mas não se trata apenas de beleza. Há algo a mais, um sentimento de “eu te conheço, mas nunca te vi” que parece tão estupido, mas tão real. Se minha mãe estivesse aqui, com certeza diria que nós nos conhecíamos em outra vida e éramos tão importantes um para o outro, que nossos espíritos se reconheceram nessa encarnação. Minha mãe é espirita, e apesar de eu não ser muito ligada à religião, tudo que ela me diz parece fazer sentido.

Não que conhecer ele em outra vida e nossos espíritos se reconhecerem faça sentido. Mas na doutrina espirita faz sentido. Ok, eu sou pirada. Por isso não converso sobre essas coisas com ninguém... me mandariam do internato para o hospício.

Sentei-me na mesa mais próxima, que ficava de frente para a mesa em que o garoto estava sentado. Na parede atrás dele, havia um enorme espelho. Pelo reflexo do espelho, me observei.

Minha nossa.

Isso é o meu cabelo?

Passei uma mão pelo cabelo, tentando controlar os fios arrepiados. Depois de um ou dois segundos percebi o quanto estava sendo ridícula. Minha nossa, eu não estou pensando direi.

Abri o livro e tentei me concentrar nas palavras escritas nele, nas frases que as palavras formavam, na história que era narrada... mas em certos intervalos de tempo, meu olho me traia e sozinho se dirigia até o garoto do outro lado da sala. Ele sempre estava de cabeça baixa, lendo o livro.

Só depois da oitava ou nona olhada, reparei que o moletom preto era o mesmo do menino de capuz que veio no mesmo ônibus que eu.

Certo... Daisuke? Kaisuke? Sasuke? Isso, Sasuke. Uchiha Sasuke, o nome que fazia Shizune ficar estranha. Não poderia esquecer tão fácil algo tão estranho... afinal, eu lembro de ter pensado que deveria... que deveria ficar longe dele, pois devia ser perigoso.

Cerca de meia hora mais tarde, acabei de ler o livro. Os livros de Agatha Christie costumam ser vários casos, mas esse era apenas um deles.

Quase ao mesmo tempo em que fechei o livro, o garoto... Sasuke levantou-se e deixou o livro sobre a mesa, saindo da biblioteca sem olhar para trás.

Confesso, com extrema vergonha, que me senti decepcionada. Em todo esse tempo que estivemos aqui, ele não me lançou um olhar sequer.

– Ele é lindo, não é?

Assustei-me, dando um leve pulinho no banco. Não havia percebido o quanto estava concentrada em meus pensamentos, olhando com cara de cachorro molhado para tampão da mesa.

A bibliotecária havia sentado ao meu lado e eu nem percebi.

– Quem? – Perguntei, fingindo descaso. Já me comportei como idiota demais por uma vida toda. Precisava, pelo menos, manter meu orgulho.

– O garoto que você ficou encarando durante meia hora. – Ela disse, abrindo um sorriso e apoiando o rosto na mão e o cotovelo na mesa.

– Ah... – Senti meu rosto queimar, e com certeza eu estava vermelha. Que... vergonha. Eu estou me comportando como uma completa imbecil.

Esse lugar, sem duvidas, mexe com a minha cabeça.

– Sabe, você está toda decepcionada porque não sabe o que eu vi. – Ela continuou, num tom de fofoca que deixa qualquer um curioso.

– Como assim? – Pergunto, tentando parecer indiferente.

– Você percebeu que há um espelho na parede, e ele estava de costas para ele, não é?

Concordei com a cabeça.

– Então... – Ela continuou. – Entre os objetos que estão de enfeite nas mesas... há alguns espelhos pequenos.

O tom de expetativa na voz dela parecia sugerir algo, mas eu não percebi o que.

– E...? – Perguntei, arqueando uma sobrancelha.

– Venha aqui. – Ela me puxou pela mão, fazendo-me sentar exatamente no mesmo lugar que Sasuke estava. – Olhe para esse pequeno espelho na mesa e me diga o que vê.

Olhei para o espelho, e só fiquei mais confusa.

– Só estou vendo o espelho que está na parede. Ele está refletindo... – Olhei para ela, e involuntariamente um pequeno sorriso surgiu nos meus lábios. - ...o local onde eu estava sentada.

Ela sorriu mais, passando a mão pelos meus cabelos róseos.

– Exato. – Disse, virando as costas e se afastando.

– Ei... – Digo, sem pensar. Desde que vim para o Konoha, estou tentando manter uma postura séria e isolada. Mas isso não combina em nada com o que eu costumava ser antes... faladeira, fazia amizade a todo momento, conversava com qualquer pessoa que nunca tinha visto antes. Coisas ruins acontecem, e mudam você. Mas ninguém pode perder completamente o que sempre foi. – Qual... é o seu nome?

Ela se vira para mim, sorrindo.

– Rebecca, mas me chame de Beck. – Após dizer isso, ela volta a virar as costas, voltando para sua mesa. – E o seu, garota?

Vou até a mesa dela, meio receosa. Já faz algum tempo que não converso com alguém. Não uma conversa normal, como eu costumava ser.

– Sakura, Haruno Sakura. E... pode me chamar de Saki.

– Certo, Saki. – Ela mexia em alguns papéis, organizando-os em pastas.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Eu me controlando para não perguntar, ela esperando que eu perguntasse.

– Você... acha mesmo... Quer dizer, ele podia simplesmente estar lendo. – Concluo, meio sem jeito.

– Não, ele estava olhando para o espelho a maior parte do tempo. – Ela diz, com naturalidade e um leve sorriso nos lábios. O sorriso que ela mantinha era contente, satisfeito. E me deixava envergonhada, pois fazia eu me sentir como uma menina boba.

– Sabe, Sra. Rebe-

– Me chame apenas de Beck.

– Beck. Sabe, eu não quero que pense... quer dizer, eu não sou uma dessas meninas que se apaixona por alguém que nem conhece. Na verdade, eu nem me apaixono.

– Sempre tem uma primeira vez, não é? – Ela diz, fechando um envelope e pegando outra pilha de papéis.

– Não. Não para mim. Quer dizer... eu já aceitei que não vou me casar. Eu quero ser uma editora, e meus namorados serão os livros.

Ela ri, me olhando por alguns instantes.

– Eu pensava assim. Por isso virei uma bibliotecária. Achei que o único homem que eu poderia amar estaria dentro dos livros.

– E estava certa, não é?

Ela volta a organizar os papéis, desviando seu olhar de mim.

– Estava errada. O único homem que já amei, eu abandonei. Tudo para trabalhar em outra cidade, outro estado. Sabe, era o meu sonho. Sair da cidade pequena e limitada, trabalhar numa cidade grande e numa biblioteca de nome. A biblioteca que minha mãe trabalhou a maior parte da vida. Tem que ser boa pra entrar lá. – Ela ri de leve. – Naquela época, biblioteca era algo que ninguém vivia sem. A internet não era nem inventada, as pessoas precisavam dos livros. Era um cargo importante cuidar de todos aqueles tesouros.

– O que aconteceu depois?

– Voltei três anos depois, cheia de saudades e arrependimento. Larguei meu emprego, pois percebi que o que havia largado para trás. Saki... você não ama mais que um vez na vida, e a maioria não chega a amar nenhuma. Como eu pude deixar algo tão raro e precioso para trás?

– Era sua vida profissional, tem que coloca-la acima de tudo.

– Errado. Não adianta ser a profissional mais impecável, ter o melhor emprego, ganhar o melhor salário... e não ter pra quem voltar para casa.

Fiquei em silêncio, sentindo um leve aperto no coração. Ela podia estar certa. Mas eu ainda não conseguia acreditar em amor.

– Amor... parece algo que já não existe mais de homem para mulher. Acredito em amor de mãe para filho, e só. Hoje em dia, as pessoas sentem atração e acham que é amor.

– Você está certa, a maior parte das pessoas fala em amor e não sabe o significado da palavra. Mas não são todas. Todos querem ser amados, entretanto, a maior parte não sabe amar. Por isso, minha criança, você não consegue ver o amor nos casais. A maior parte deles não sabe como amar, e acaba tomando as decisões erradas. Acham que ciúmes, cobranças, compromisso, alianças e documentos representam amor. Errado. Foi aí que o amor começou a perder o sentido original. As pessoas deveriam apenas se conhecer e se apaixonar, ver umas nas outras o que faltam nelas mesmas e tornar-se alguém melhor e completo perto de quem ama. Então elas teriam filhos e os filhos cresceriam vendo esse amor, para um dia amar alguém assim. Mas não, fizeram do casamento – que devia ser uma simples união de duas pessoas – um troço complicado, cheio de burocracia, documentos, contratos, termos e condições.

Por alguns instantes, quando ela falava, vi minha mãe ali. Ambas eram tão parecidas! Pareciam psicólogas falando, faziam um discurso cheio de profundidade e emoção toda vez que tinham a chance. E, sempre, estavam certas. Porque, afinal, não é isso mesmo? Nossos ideias não estão tão confusos e bagunçados, que não podemos nem enxergar o que realmente importa?

– O que houve com o cara que você amava?

– Bem... quando eu voltei, era tarde. Ele havia se casado com a minha melhor amiga do colegial, e ela estava tão feliz que não tive coragem nem de aparecer na casa deles. Foi ele quem me viu, sentada embaixo de uma arvore no parque. – Ela colocou uma pilha de papéis na minha frente. – Vamos, me ajude a colocar esses nos envelopes.

– Tudo bem. E o que aconteceu depois? – Perguntei, curiosa.

– Ele veio correndo, para ter certeza que era eu mesma. Ficou paralisado por alguns instantes, mas logo eu levantei e ele me abraçou tão forte e tão ternamente, que não contive as lágrimas e um “eu te amo”. – Ela parou, parecendo recordar-se do momento. – Mas era tarde demais, e eu sabia disso. A esposa dele estava gravida, e ele não poderia abandoná-la. Quinze anos depois e eu estou aqui, ainda lembrando de cada momento e sentindo o arrependimento esmagador.

– Não teve mais notícias dele?

– Tive. Dez anos depois do nosso encontro, ele sofreu um acidente de carro e faleceu. – Não parecia fácil para ela dizer aquilo, e nem eu sabia por que ela me contava. Provavelmente, precisava desabafar. Beck carregava isso com ela a tantos anos... – A esposa dele me ligou, chorando e gritando. Achava que nós tínhamos um caso.

– Como assim?

– Depois de ele morrer, ela achou uma foto minha bem dobrada e escondida na carteira dele. – Ela respondeu, e fungou baixinho. Percebi que não queria chorar. Talvez por já ter chorado o suficiente todos esses anos. – Por isso, Saki, acredite em amor. E cuidado com suas decisões, você terá que carregar o fardo delas nos ombros para o resto da vida.

– Isso é... tão triste... – Digo, num sussurro.

– Acredite, não há nenhuma história feliz nesse lugar. – Ela responde, com um sorriso triste e os olhos levemente úmidos.


~ * ~


Entrei no quarto e vi no relógio de cabeceira que já eram 21h23. Hinata estava deitada, e a cama de Matsuri permanecia vazia. Deitei sobre a minha, e fiquei encarando o teto.

Passei a tarde toda conversando com Beck, e foi o melhor dia que tive em muito tempo. Ela lembrava tanto a minha mãe, e eu me sentia tão bem e segura perto dela, que me esquecia de todo o resto. Esquecia onde estava, esquecia o que tinha acontecido, esquecia o que eu tinha me tornado.

Me enrolando nas cobertas, deixei o cansaço pesar meus olhos e o subconsciente me levar para uma noite de sono.


~ * ~


– Saki, acorda! – Escutei a conhecida voz da loira escandalosa que, aparentemente, realmente resolveu me promover a melhor-amiga-que-eu-nem-conheço.

– Por que? – Resmungo. – Ainda posso dormir, então por que eu acordaria?

– Porque você não foi ontem à nossa reunião com meus amigos! Por que não foi?! – A escandalosa Ino berrava, como sempre.

– Eu... eu me esqueci completamente! – Digo, abrindo os olhos e me sentando na cama. – Foi mal...

Me sentia estranha em ser tão amigável com ela, de repente tirar as barreiras e falar mais que uma ou duas palavras toda vez que ela perguntava algo. Beck ontem me aconselhou a ser amiga de quem quer ser meus amigos, e apenas ter cuidado no que dizer para quem não confia. Segundo ela, a Ino estava certa, e a maior parte dos adolescentes no internato é apenas de jovens mimados demais. Konoha é, ao mesmo tempo que um local para poucos e perigosos jovens psicopatas, um local onde a justiça castiga filhinhos de papai metidos. Afinal, ficar num internato parece mais assustador que serviço comunitário, e surge mais efeito também.

Por que, então, não dar uma chance para Ino? Só devo ter cuidado com o que digo. Parece perfeito... novos amigos, que não sabem o seu passado.

– Esqueça isso, está perdoada. Mas, se não for almoçar com a gente hoje, vou te dar uma surra. – Ela ameaçava, apontando o dedo indicador para mim. – Vai estar toda a galera reunida. Eles são demais, não é, Hina?

Hinata sorri de leve, concordando com a cabeça. Ela parecia bem mais a vontade com nós duas, mas um rubor se mantinha nas faces pálidas.

– Ela até parece ter se interessado por um dos meus amigos... – Ino provoca, com um sorriso malicioso.

– Me-mentira! – Hinata cora completamente, desviando o olhar para o chão.

Sorrio de leve, pensando em como costumava parecer com Ino.

– Tudo bem, rosada e azuladinha, vejo vocês 12h no refeitório. – A loira disse, antes de fechar a porta atrás de si.

Olho no relógio e vejo que já eram 10h40. Nunca costumo dormir tanto, mas talvez seja melhor assim. Quanto menos tempo consciente eu passar nesse lugar, melhor.

Bocejo, voltando a me deitar e a me cobrir até a cabeça.

– Saki? – Escuto a voz doce chamar.

– Oi? – Digo, meio resmungando.

– Não acha melhor sair da cama e pegar um pouco de sol? Você vai ficar doente desse jeito... – Ela parecia um pouco sem jeito de sugerir aquilo como uma mãe, mas seu tom de voz era preocupado.

– Hina, não se preocupe, se eu ficar doente vai tudo estar perfeito. Não vou precisar sair do quarto nunca mais! – Digo, o sorrio para mim mesma ao perceber como essa revolta toda era muito a antiga eu.

– Não diga isso... – Ela parecia mais preocupada.

Me descubro, olhando-a.

– Não se preocupe, Hina. Meus comentários revoltados e desanimados são da boca pra fora... na maior parte das vezes, pelo menos. – Digo, sorrindo de leve e tentando acalmá-la.

– Você parece... de bom humor.

– Ontem foi um dia bom. – Conheci a Beck... e... o garoto lindo/Sasuke. Ele estava me observando! Porque isso parece tão legal? Normalmente eu acharia idiota, só que... ah, esquece. É idiota. – Vou sair, Hina. Até a hora do almoço.


~ * ~


Depois de banho tomado, fui caminhar pelo internato, para passar tempo. Quando encontrei os degraus que desciam até o enorme campo de futebol, sentei-me para pegar um pouco de sol.

Odeio sol. Não aguento mais que 5 minutos embaixo dos malditos raios de calor que tanto me irritavam. Entretanto, infelizmente, preciso deles para viver.

Distraída, eu sentia o ventinho fresco se mesclar com o sol quentinho e observava alguns estudantes que se exercitavam no campo.

Até que um deles me chamou atenção.

Ele corria em volta do enorme campo. Estava apenas com uma calça e uma camiseta próprias para exercício, e seus cabelos balançavam conforme ele caia.

Ai, que descrissão mais gay, admito, rindo comigo mesma.

Porém, logo fico séria novamente.

Sasuke para a apenas alguns metros de distancia e tira a camisa, jogando-a no chão antes de começar a fazer flexões.

Abraçando meus joelhos e apoiando meu queixo sobre eles, fico o observando.

Estava tudo bem, até ele resolver olhar para frente e me pegar no flagra.

Coro completamente, desviando o olhar – como se isso tornasse a situação menos comprometedora.

Quando olho novamente, ele subia as escadas com um leve meio-sorriso. Tão incrivelmente gostoso sem camisa – esta estava jogada sobre seu ombro, e ele a segurava com uma das mãos. O que eu estou pensando? Ele está vindo para cá e eu nem sei o que diz-

– Sabia desde o inicio que a Miss Plenderleith era culpada de algo, mas quem imaginaria que era apenas de tentar fazer justiça com as próprias mãos? – Ele apenas diz, como se dissesse “Bom dia, estranha”.

– Mas... do que você está falando? – O observava, confusa, meu cenho franzido para poder enxergar o mínimo naquela claridade toda que o sol insistia em jogar sobre meu rosto.

– Do livro, menina desastrada. – Ele diz, seu sorriso tornando-se debochado.

– Hahaha, engraçadinho. – Espirro, efeito que a claridade sempre causava depois de quase me cegar. – Droga, maldito sol e sua claridade infernizante!

Resmungava, como sempre – era uma resmungona e reclamona profissional.

– Sabe, para uma garota com o cabelo rosa, você não é nada doce. – Escuto ele dizer, num tom meio brincalhão, e então ergo o rosto.

Quase engasgo ao perceber que ele estava a centímetros de mim, apoiando uma mão sobre o joelho e se abaixando para deixar seu rosto na altura do meu.

– Sabe, para um garoto que parecia tão sério, você até que gosta de ficar próximo... demais. – Retruco, sendo delicada –cofcof- como costumava ser sempre.

Ele ri, afastando-se e sentando ao meu lado.

– Como eu disse, nada doce para uma garota de cabelo rosa.

Faço cara feia para ele, o que garantiu um leve sorriso nos lábios tão bonitos e convidativos.

– Sou Sasuke.

– Sakura, ou Saki, como as pessoas aqui gostaram de me apelidar tão rapidamente. – Digo, ironicamente.

– Sakura... interessante... cabelo rosa, flor de cerejeira. Pintou o cabelo pelo nome?

– Eles são naturais.

– Tá brincando? – Ele pergunta, pegando uma mecha e observando entre as mãos.

Não, eu não estou brincando. Nunca pintaria meu cabelo de rosa, porque eu odeio rosa.

Ele me observa, arqueando uma sobrancelha.

– Que... estranho.

– O que? Ter o cabelo rosa e odiar rosa?

– Tudo em você parece meio estranho. – Ele diz, e só depois de alguns instantes pude perceber um mini-meio-sorriso.

– Espere até eu arrebentar a sua cara no videogame. – Digo, sorrindo confiante.

Ele arqueia a sobrancelha novamente.

Pare de arquear essa maldita sobrancelha, você fica ainda mais irresistível.

– Você joga videogame? Ainda mais estranho...

– Qual o problema? Garotas não podem jogar videogame? Fique sabendo que eu acabo com qualquer menino.

– Feminista, ainda por cima? Acho que estranho é normal demais pra te descrever.

– E insolente parece sutil demais para você.

– Uau. Ela morde. – Ele provoca, revirando os olhos.

– Você parecia o tipo de menino sério. – Digo, fazendo uma leve careta.

– Eu sou sério, até demais. Pelo menos na maior parte do tempo e com a maior parte das pessoas. Costumo falar pouco, quase nada. – Ele declara, olhando para o campo a nossa frente.

– Não parece nada sério comigo. – Digo, num tom de acusação.

Ele me olha com um leve sorriso debochado nos lábios.

– Não me leve a mal, florzinha... – Começa, num tom brincalhão. – Mas como vou levar a sério uma garota de cabelo rosa?

Faço cara feia, o empurrando levemente ao jogar meu ombro para o lado e bater no dele.

– Você me chamou de florzinha? Ah, entendi... você é frutinha. – Provoco, e ele fecha a cara.

– Seu nome é Sakura, Sakura é uma flor. Você não é nada delicada, te chamar de florzinha é uma maneira de ironizar. – Ele se defende.

– Como pode saber que não sou delicada?

Ele faz cara de pensativo, levando uma mão até o queixo.

– Deixe-me pensar... Ah! Lembrei porque... Você é viciada em games, feminista, desastrada, um tanto franca demais, quase o que algumas pessoas delicadas chamariam de grossa. Essas são características que não andam lado a lado com delicadeza.

– Sempre me dizem que sou delicada como uma cavala. – Admito, fazendo um leve biquinho.

Ah, maldita mania idiota que nunca consigo me livrar!

– Se continuar fazendo biquinho, vou te apelidar de psicopata-fofa. – Ele diz, se levantando e estendendo a mão para mim.

– Masoque? – Digo, pegando a mão dele e me levantando.

Ele mantinha um meio-sorriso no rosto.

– Você é divertida, Sakura. Vai se dar bem com a galera, são os únicos com senso de humor por aqui.

– Galera?

– Você é a amiga da Ino que faltou ontem, não é?

– Como sabe? – Pergunto, confusa.

Ele ri baixinho, me dando as costas e começando a andar na direção do pátio principal.

– Não há muitas garotas estranhas de cabelo rosa por aí.


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Notas finais do capítulo

Gente, nesse capítulo a Sakura está mostrando mais quem ela é. Talvez ela não seja apenas uma psicopata perigosa, pode haver algo de bom dentro da rosadinha. Talvez, ela apenas esteja reprimida por uma mágoa ou um acontecimento ruim. Ou, talvez, ela realmente tenha feito algo de errado. E muito errado.
Mas, ainda sim, quais crimes os levaram até ali? Quem é perigoso e quem é apenas mimado?

Quem comentar ganha um doce de bacon u_u
Kissuuuus ~