Destino escrita por Eve


Capítulo 37
Capítulo Trinta e Sete


Notas iniciais do capítulo

Olá, minhas razões de viver. Aqui está mais um capítulo, dessa vez dedicado à maravilhosa Vick Lannister, que fez a minha felicidade ao criar uma conta no site só para poder comentar e favoritar a fic! Essa não é uma atitude absolutamente adorável?? Um verdadeiro exemplo a ser seguido! Também quero dedicar a atualização a todos que favoritaram a história e aos novos leitores (mesmo que a maioria não tenha ainda deixado sequer um oizinho para mim nos reviews, saibam que eu os amo). Os avisos de hoje são: consegui finalmente concluir a revisão da fic e uns dias atrás me comprometi a responder todos os reviews que por algum motivo havia deixado passar em branco - por isso se você recebeu uma notificação minha de resposta a um comentário deixado lá em 2012, não se assuste.
Obrigada por tudo e espero que gostem da leitura ♥



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XXXVII

 

Os dias no Olimpo eram mais cálidos e ensolarados do que em Atlântida e por isso Atena sentia-se grata pela perspicácia de Bia, que havia empacotado seus vestidos mais leves para a viagem. Aquele era o último dia antes da cerimônia de casamento de Hebe e Apolo sugerira que aproveitassem a folga temporária de seus compromissos sociais em um piquenique ao ar livre enquanto aguardavam a chegada de Perséfone e sua mãe, as únicas convidadas que ainda não estavam presentes no castelo.

Ártemis e Atena ficaram encarregadas de trazer as cestas com os lanches preparados na cozinha e também as toalhas para que pudessem montar o pequeno banquete a seus pés. Hebe havia conseguido escapar de seus preparativos por alguns instantes e até Ares relutantemente havia se juntado aos irmãos, muito embora permanecesse um tanto isolado até o momento. Apolo trouxera seu alaúde e dedilhava as belas melodias que ele mesmo compunha enquanto todos comiam e conversavam.

Atena agora estava deitada sobre a relva macia, os olhos fechados enquanto sentia o calor do sol e a brisa suave que percorria os jardins, ouvindo as risadas dos irmãos e a música que preenchia os raros momentos de silêncio. Aquela era uma ocasião verdadeiramente preciosa e inteiramente agradável que a fazia sentir em casa muito embora os primeiros dias em seu antigo lar tivessem sido um tanto estranhos. Mesmo depois da recepção calorosa, ela havia descoberto que não mais se sentia tão acolhida no seu antigo lar. Seu papel na família era agora bastante distinto e estava inevitavelmente afastada do cerne dos Norwood. Era Lady Valence para todos os nobres a quem se apresentava e não mais compartilhava dos mesmos assuntos e preocupações que o resto da família; por vezes descobria que sequer estava a par dos acontecimentos mais significativos do feudo. Ademais, não sem surpresa havia notado que estava demasiadamente acostumada à sua rotina com Poseidon: mais de uma vez havia se flagrado virando para comentar algo com ele apenas para lembrar um segundo depois que seu marido não estava ali, e suas noites haviam sido agitadas e desconfortáveis naquela cama que era grande demais para apenas uma pessoa.

Interrompeu sua reflexão quando percebeu que não havia mais música; abriu os olhos e descobriu que seus irmãos se entretiam agora com alguma espécie de brincadeira infantil: Hebe e Ártemis corriam pelos canteiros enquanto tentavam fugir de Ares e Apolo, que se esforçavam para alcançá-las. Hebe foi a primeira a ser capturada, gritando sorridente enquanto Ares a carregava por sobre um ombro, e Ártemis esbarrou nos dois ao mesmo tempo em que Apolo também a alcançava. Os quatro rolaram pelo chão numa bagunça de braços, pernas e vestidos. Atena levantou-se sorrindo e caminhou até eles, oferecendo um braço a Ártemis, que estava mais próxima, a fim de ajudá-la a se erguer. Sua irmã mais velha aproveitou-se de sua gentileza para puxá-la ao monte e antes que se desse conta estava também no meio daquela confusão. A irritação durou apenas um segundo até que involuntariamente acompanhou a risada dos irmãos. Que  bela cena eles deveriam estar oferecendo ali; os filhos do sóbrio Lorde Norwood provocando uma verdadeira algazarra, uma confusão de cabeleiras louras e risadas espalhafatosas. Qualquer hóspede forasteiro que os observasse naquele momento dificilmente diria que metade deles não compartilhava da mesma mãe, os cinco formando uma figura muito homogênea de olhos claros, tez pálida e fios dourados que reluziam ao sol.

Um chamado os arrancou do instante de distração e todos se empertigaram quase que instantaneamente esperando ver Lady Hera vindo repreendê-los pelo comportamento infantil, mas era Perséfone que gritava seus nomes ao longe, animadamente deixando sua mãe de lado e correndo para encontrá-los. A jovem os alcançou num instante e sem perder um pingo de entusiasmo enlaçou os que estavam mais próximos num abraço apertado.

— Pê, eu estou comendo cabelo. - Atena ouviu Apolo reclamar e enfim sua prima os soltou. Todos se sentaram mais adequadamente e o resto da tarde voou em meio às conversas da prima. Comeram, colocaram os assuntos em dia, ouviram mais das músicas de Apolo e apenas aquilo era o suficiente para se esquecer por alguns momentos de que não eram mais jovens livres e despreocupados: Atena era agora uma esposa e senhora feudal; Hebe estava prestes a se casar e assumir também o manto de mulher adulta; Ares a cada dia se afastava mais dos tempos de brincadeiras infantis rumo ao seu dever de herdar os domínios do Olimpo; Perséfone havia florescido há tempo suficiente para que fosse considerado urgente casá-la com um bom partido; Ártemis e Apolo já se preparavam para deixar o Olimpo uma vez que não tivessem mais os irmãos ali precisando de seus cuidados e Ares fosse maduro o suficiente para sozinho auxiliar Lorde Norwood na administração do castelo. Considerando os rumos incertos que a vida de cada um tomaria a partir dali, era bem provável que essa fosse a última reunião de família completa que teriam em um bom tempo.

— Algum problema, Atena? - Perséfone perguntou, provavelmente preocupada com sua expressão fixa e falta de participação na conversa. Ela tentou aliviar o franzir de suas sobrancelhas e a intensidade de sua linha de raciocínio, sorrindo um pouco.

— Não, tudo bem. Acho que só estou um pouco atordoada com todo esse sol e agitação. Não estava mais acostumada a isso.

Seus irmãos riram de leve.

— Devemos mesmo encerrar nossa tarde. - Ártemis falou, se levantando e oferecendo uma mão a seu gêmeo para que fizesse o mesmo. - Abusamos da nossa sorte ficando fora do castelo o dia inteiro, e Hebe provavelmente já deve estar atrasada nos preparativos para o grande dia. Não queremos Lady Norwood nos atormentando por causa disso, não é mesmo?

Os outros concordaram com acenos de cabeça e murmúrios afirmativos e rapidamente recolheram tudo o que estava disposto sobre a grama, deixando os jardins em seguida para cuidar de seus afazeres. Atena ficou para trás a fim de devolver as cestas para a cozinha e Perséfone a acompanhou.

— Estive esperando ansiosamente para conversar com você a sós. - Sua prima disparou em um tom excitado. - Ainda quero saber mais sobre sua vida de casada. Tem evitado minhas correspondências, assim me deixa de coração partido.

Atena revirou os olhos.

— Meus primeiros meses como senhora de Atlântida têm sido terrivelmente ocupados, e agora que enfrentamos uma situação delicada com Ótris definitivamente não tenho tempo para fofocas. Além disso, não ignorei suas correspondências, tenho certeza de que lhe escrevi.

— Umas duas vezes, no máximo! - Perséfone exclamou em tom choroso. - Nem de longe o suficiente para aplacar minha curiosidade.

As duas chegaram às cozinhas e devolveram os utensílios às criadas; Atena aproveitou o momento para ignorar aquele comentário.

— E então? - Perséfone insistiu. - Não vai me contar mais nada?

Atena permaneceu calada por um momento, mas sabia que a prima não iria desistir.

— O que quer que eu diga, afinal? Sabe que não me sinto confortável compartilhando detalhes da minha vida pessoal.

— Não preciso dos detalhes… Mas até que seria bem interessante recebê-los. - Ela riu. - Só me fale mais sobre como é ser uma Lady Valence; em breve você pode não ser a única dessa família.

Atena congelou a meio caminho da ala de hóspedes.

— O que quer dizer com isso? - Ela questionou, e Perséfone desviou o olhar rapidamente como se tivesse cometido um deslize. A jovem baixou a voz e aproximou-se como que para contar um segredo:

— Tenho mantido contato com Hades Valence desde sua festa de noivado. - Ela confessou. - Ele me escreve longas cartas quase que semanalmente sempre com odes à minha beleza e permeadas pelo desejo de que possamos em breve estar juntos… Acredito que ele pretenda propor um casamento.

Atena escutava aquele relato completamente incrédula.

— Não seja tola, Perséfone. Uma bastarda Norwood já é bem mais do que Cronos Valence pode suportar no seio de sua família. Ele jamais permitiria que Hades a tomasse como esposa. O que quer que ele tenha lhe prometido, está mentindo.

Perséfone tomou aquele conselho como uma ofensa pessoal.

— Você não é a única que pode ser abençoada com um pouco de sorte, Atena. Mas não deveria ter lhe dito nada, sei que nunca suportou deixar de ser o centro das atenções da família. - E lhe deu as costas, se afastando rumo ao corredor de onde vieram.

Atena ficou ainda mais chocada pelo súbito rompante de sua prima. Não pretendia chateá-la, só pensava em sua proteção. E tinha que ser realista: era altamente improvável - para não dizer impossível - que Lorde Valence cedesse ao capricho de mais um filho e comprometesse também seu segundo herdeiro a uma Norwood de nascimento duvidoso.

Retomou o caminho de volta aos seus aposentos; de nada adiantaria tentar continuar aquela conversa com Perséfone agora. Sua quase irmã era conhecida pelo temperamento voluntarioso quando contrariada e nada a faria mudar de ideia caso estivesse apaixonada pelo jovem Valence - ou pela ideia que tinha dele. Ao contrário de Atena, o sonho de Perséfone sempre havia sido se casar e a possibilidade de além de tudo obter um título de nobreza através de uma união era algo que com certeza a levava ao êxtase.

A noite chegou rápido e Atena teve seu jantar servido nos próprios aposentos. Aparentemente todos estavam muito envolvidos nos preparativos para a cerimônia do dia seguinte e por isso não haveria um grande evento disfarçado de refeição naquela noite. Ela estava muito satisfeita por aquela escolha, ainda um tanto exausta pela tarde de lazer ao ar livre. Mais cedo do que de costume aprontou-se para dormir e dispensou suas criadas; estava confortavelmente deitada sob as cobertas quando ouviu batidas à porta do seu quarto.

Com algum esforço levantou-se de sua aconchegante posição e caminhou até a porta, abrindo-a só um pouco para evitar expor à visita inesperada muito de seu corpo coberto apenas pela diáfana camisola que usava. Mas era um rosto familiar que a esperava do outro lado e Ártemis nem pediu licença antes de adentrar o recinto, seguida de perto por Apolo. Os dois estavam também em suas roupas de dormir embora cobertos por mantos que deixaram de lado antes de deitarem-se em sua cama sem nenhuma cerimônia.

Atena se sentiu aquecida por dentro com aquele gesto. Sabia que quando os gêmeos eram crianças costumavam dividir o mesmo quarto, mas assim que Atena nasceu Ártemis foi designada a dormir com a irmã - principalmente para cuidar de suas crises - e assim permaneceram juntas até que a mais nova deixou o castelo para viver com tia Deméter, continuando a compartilhar da mesma câmara sempre que Atena visitava o Olimpo. Nessas ocasiões Apolo frequentemente escapulia de seus próprios aposentos para dividir a mesma cama que as irmãs. Os três sempre funcionaram melhor quando juntos e a fazia feliz descobrir que tais hábitos não haviam mudado com a distância.

— Não se permitiram serem flagrados, hm? - Ela perguntou, sua natureza cautelosa e preocupada acima de tudo. - Alguns de nossos hóspedes surgiriam com histórias bem interessantes sobre essa visita noturna.

Apolo riu, despreocupado.

— Não se preocupe, mana. Fomos discretos como uma sombra.

— Encontrei Perséfone mais cedo e ela parecia aborrecida. - Ártemis comentou. - Não entendi direito o que ela dizia mas a ouvi mencionar seu nome. Algo aconteceu?

Atena suspirou.

— Nada que seja digno de atenção. Perséfone adora fazer uma cena quando está descontente. Ela me contou que tem trocado correspondências com Hades Valence desde o meu noivado e aparentemente foi levada a acreditar que se casarão. Eu fui sincera ao dizer que Lorde Cronos nunca permitiria isso e ela se enraiveceu. - Deu de ombros. - Só quis preveni-la.

— Perséfone nunca foi a pessoa mais compreensiva. - Ártemis concordou. - Mas me preocupo que ela possa estar tramando algo.

— Não acho que seja necessário se preocupar. - Apolo argumentou. - O que ela poderia aprontar de tão longe na Corte e sob a supervisão constante de tia Deméter? Me surpreende que ela sequer tenha conseguido manter contato com Ótris sem que sua mãe descobrisse.

— De qualquer maneira, não podemos fazer muito mais a menos que a delatemos para tia Deméter. - Atena completou. - E essa é uma briga que não desejo comprar.

Os gêmeos concordaram com um aceno de cabeça. Todos sabiam o quanto a mãe de Perséfone era superprotetora e que provavelmente enlouqueceria se soubesse que a filha estava se envolvendo com um rapaz.

O trio continuou a conversar até que sem perceber fossem tomados pelo sono, dormindo abraçados de uma maneira que só a prática de anos havia sido capaz de aperfeiçoar. Os irmãos já haviam partido quando ela acordou na manhã seguinte, grata por não ter que explicar a situação um tanto peculiar às suas damas.

A capela do castelo estava lotada pelos inúmeros convidados e o ar lá dentro era abafado enquanto aguardavam o início da cerimônia. Atena estava ladeada por Ártemis e Apolo, que no momento havia saído para descobrir o motivo de tanto atraso. Murmúrios irritados já começavam a perpassar os bancos e Lady Norwood parecia furiosa enquanto aguardava próxima ao altar apenas a alguns passos de distância de Héracles, que não conseguia esconder sua expressão apreensiva.

Atena duvidava que houvesse alguma falha no planejamento impecável de Hera para o grande dia de sua amada filha, então supôs que o motivo para aquela demora só poderia ser externo. Finalmente Apolo voltou a seu lugar e saciou a curiosidade das irmãs:

— Papai foi chamado para receber alguns convidados que chegaram de última hora. A comitiva do feudo Ótris apareceu em nossas portas quando Hebe estava prestes a entrar na capela. Eles estão sendo devidamente acomodados agora e finalmente a celebração será iniciada.

Atena arrepiou-se inteira à menção da terra natal de seu marido.

— Comitiva de Ótris? - Sussurrou com urgência. - Isso significa que Lorde Cronos está aqui?

Ártemis colocou uma mão protetora em seu ombro.

— Não se preocupe, mana, ele não pode fazer nada contra você aqui.

— Papai só o convidou porque seria indelicado não fazê-lo. - Apolo completou. - Nunca imaginamos que ele realmente viria.

Mesmo com a postura reconfortante dos irmãos Atena se sentia atordoada por aquela notícia. Após a ameaça de guerra que Cronos lançara sobre Atlântida sua má opinião sobre o sogro aumentara mais do que ela pensava ser possível, mas não havia medo enquanto ele parecia estar tão distante. Tê-lo ali debaixo de seu teto era um golpe para o qual não estava preparada. Respirou fundo para tentar recompor-se.

Não demorou mais de um instante para que a entrada de Hebe fosse anunciada e a cerimônia se iniciasse. Sua irmã mais nova estava deslumbrante em um vestido inteiramente dourado mas Atena não conseguiu dar atenção a muito além disso enquanto as preocupações sobre a chegada de Cronos a atormentavam. Não via motivos para que Lorde Valence subitamente abandonasse seu conhecido orgulho e fizesse uma visita diplomática a seu antigo inimigo; o que poderia querer ali então? Talvez estivesse buscando a ampla rede de contatos que as festividades ofereceriam - todos os mais proeminentes senhores da região estavam ali e aquela era uma oportunidade perfeita para sondar novos aliados. Pensando em todas as possibilidades que explicassem a presença inesperada de Cronos, nem percebeu quando a cerimônia acabou. Apenas a movimentação dos outros presentes rumo a saída da capela a despertou de seu transe, e seguiu junto deles sem conseguir compartilhar daquele mesmo espírito festivo.

...

O baile que se seguiu foi de uma pompa incomparável mesmo para os padrões do Olimpo. Atena até o momento se resguardava de participar muito ativamente da comemoração, pairando nos cantos do salão atenta a cada hóspede que chegava até ali. Não queria ser surpreendida pelos Valence. Foi provavelmente a primeira a notar quando eles foram anunciados às portas do salão e seguiram para cumprimentar os senhores Norwood; em seguida se perdendo em meio aos outros convidados. Quando as danças começaram Atena avistou mais de uma vez Hades e Perséfone juntos, e mesmo em meio à sua preocupação encontrou espaço para irritar-se por aquela atitude estúpida. Lady Reia não estava ali, tampouco a pequena Héstia - isso só reforçava sua teoria de que aquela era menos uma cortesia e mais uma estratégia da parte de Lorde Cronos.

Inevitavelmente ela foi convocada a sair de seu casulo e interagir com a festa; Apolo nunca a perdoaria se não o concedesse uma dança e até Ártemis incentivava que deixasse seu humor circunspecto para distrair-se. Conseguiu se divertir um pouco junto a família e outros velhos conhecidos, em meio à música e bebida abundantes. Mas não podia fazer muito para escapar de um encontro inoportuno e a prova disso foi quando se ausentou por um minuto da roda de carol e Hades a abordou.

— Olá, cunhada. - Ele a cumprimentou com um sorriso. Hades era charmoso como o irmão mais velho, com seus traços elegantes e postura altiva, mas algo na expressão de seus olhos escuros o fazia parecer mais perigoso que Poseidon, como uma cobra que pode dar o bote a qualquer segundo.

— Hades. - Ela cumprimentou, erguendo uma mão que ele tomou e levou aos lábios, curvando-se suavemente.

— Como vão as coisas no paraíso? - Ele perguntou com um sorriso discreto. - Espero que você e meu irmão estejam em melhores termos agora do que na época do casamento.

Ela devolveu o sorriso frio.

— Estamos bem, obrigada. Embora arrisque dizer que poderíamos estar bem melhores se seu pai não estivesse ameaçando tomar nossos domínios.

Hades nem tremulou frente àquela acusação.

Nossos domínios. — Ele repetiu, não sem um leve tom de ironia por trás das palavras. - Fico feliz de perceber que não teve problemas em fazer de Atlântida seu novo lar.

Ela decidiu não dignar aquele comentário com uma resposta. Em vez disso, mudou de assunto.

— Perséfone veio até mim com uma história muito pouco plausível. - Ela comentou em seu tom mais displicente, sabendo que o assunto o incomodaria. - Algo sobre vocês dois estarem prestes a se comprometer um ao outro?

A postura impecável de Hades vacilou como ela sabia que aconteceria.

— Sei que Cronos nunca permitiria tal união, assim como você certamente também sabe. - Ela continuou. - Então por que escolhe dar falsas esperanças à minha prima?

Hades permaneceu em silêncio por um momento antes de responder.

— Talvez você solucione essa questão para mim. - Ele disse, e por um momento ela ficou confusa. - Caso Poseidon vença nosso pai ele se tornará a maior autoridade da família, com poder o suficiente até mesmo para autorizar essa união. Isso com alguma persuasão da esposa dele, é claro. Um pouco de motivação nunca fez mal a ninguém.

— Está mesmo apostando seu futuro na chance de que Poseidon vença essa disputa? - Atena se surpreendeu. Isso sem falar na confiança que ele parecia ter de que ela tinha o poder de convencer Poseidon a fazer algo.

Hades deu de ombros.

— É a minha melhor chance, de qualquer maneira. - Foi só o que ele disse antes de se retirar.

Ela também estava prestes a voltar para junto dos irmãos quando outra pessoa a abordou. Lorde Cronos Valence impedia sua passagem de volta o baile e a observava duramente de cima abaixo, sem nem mesmo proferir uma palavra de cumprimento. Os olhos dele eram verdes como os de Poseidon, mas bem menos calorosos.

— Com licença. - Ela pediu, indicando que gostaria de passar pelo caminho que ele bloqueava. O homem mais velho não se mexeu.

— Não parece estar carregando um rebento. - Ele falou sem rodeios. - Isso significa que provavelmente estará livre para voltar a qualquer que fosse a vida que tinha antes de conhecer meu filho uma vez que eu acabar com ele. Isso se ficar fora do meu caminho, é claro.

— É você que está em meu caminho. - Ela respondeu entredentes, sua raiva sobrepujando o medo que sentia de confrontar aquele homem. Como ele podia tão friamente fazer tal ameaça a seu próprio sangue?

Cronos riu.

— Tem a arrogância típica dos Norwood, garota, mas não sabe no que se envolveu. Onde está seu marido, afinal? Se escondendo atrás das muralhas de Atlântida por medo de se aproximar de mim?

Ela desviou para continuar seu caminho, mas Lorde Valence a segurou firmemente pelo braço.

— Foi por isso que veio até aqui, então? Esperando encontrar Poseidon para eliminá-lo da forma mais fácil, como o covarde que é? - Ela decidiu abusar da sorte, e Cronos aumentou a intensidade de seu aperto. Ele estava prestes a respondê-la quando o som de uma espada sendo sacada os surpreendeu.

Seu braço imediatamente foi solto e ela virou-se, surpresa ao reconhecer Ares vindo ao seu resgate. Seu irmão mais novo já tinha o porte de um homem e parecia bastante ameaçador segurando o punho de sua espada com firmeza a meio caminho de retirá-la completamente da bainha.

— Algum problema aqui, Atena? - Ele perguntou, toda a sua atenção em Cronos, e era atordoante ouvir seu nome saindo dos lábios dele no lugar de bastarda ou algum insulto equivalente. Ela não duvidava que ele fosse capaz de atacá-lo ali mesmo, causando um tumulto que não valeria a pena e comprometendo a hospitalidade de seus pais, por isso respondeu:

— Não, está tudo bem. Tivemos apenas um mal-entendido. Lorde Cronos já está de saída. - E àquela declaração ele se retirou, deixando os jovens para trás. Atena massageou seu braço dolorido.

— Eu poderia expulsá-lo daqui por essa afronta. - Ares sugeriu como se nada no mundo pudesse satisfazê-lo mais do que aquilo, e aparentemente aquele era mesmo um dia de infinitas surpresas. - Ninguém além de mim pode intimidá-la assim.

Atena riu da sua tentativa de galanteio.

— Obrigada, eu acho.

Ares parecia querer dizer mais alguma coisa e por isso ela aguardou.

— Eu sinto muito se a ofendi antes do casamento. - Ele falou por fim, depois de alguma hesitação. Atena não compreendeu. Ele certamente a havia ofendido diversas vezes antes de seu casamento, mas parecia se referir a alguma situação específica da qual ela não tinha qualquer memória. Ares provavelmente notou a confusão estampada em seu rosto e perguntou:

— Seu marido não a contou?

O que Poseidon tinha a ver com aquela história? Agora ela estava ainda mais atordoada.

— Quando estávamos viajando par Atlântida eu proferi algumas ofensas bastante horríveis sobre você e por isso eu e Poseidon acabamos brigando na estrada. Pensei que ele teria comentado, mas de qualquer maneira sinto muito por toda a situação.

— Tenho certeza de que não pode ter sido pior do que nada do que já me disse tantas outras vezes. - Ela comentou, ainda perplexa por ouvir seu obstinado irmão se desculpar por algo. E descobrir que Poseidon se envolvera numa briga pela sua honra antes mesmo de se casarem e sequer havia se vangloriado do fato era também surpreendente.

— Sempre odiei vê-la no centro das atenções. Cresci temendo que você tomasse de mim nosso pai, meu castelo e meus domínios. - Ele confessou, e aquela conversa só ficava cada vez mais estranha.

— Eu teria tomado. - Ela admitiu, encorajada pela honestidade dele. - Se isso fosse possível.

Ares apenas riu.

— Não tenho dúvidas disso. De qualquer maneira, sei que não foi justo o modo como a tratamos durante a maior parte do tempo. Minha mãe não deveria tê-la culpado pela infidelidade de nosso pai e eu não deveria ter investido tanto tempo e energia em odiá-la. Não digo que poderíamos ter sido amigos, mas poderíamos ter sido irmãos.

Atena não conseguiu formular uma resposta para o que ele dizia. De repente se lembrou de um tempo antes daquela rivalidade: quando eram apenas crianças que não entendiam muito do mundo e seu pai contratava tutores para educá-los; Ares deixava que ela fizesse toda a lição mais difícil que só era passada aos meninos e em troca daquela ajuda a escondia na sala onde recebia seu treinamento em armas, no fim de cada dia a ensinando a manejar uma espada. Isso havia sido antes que ela fosse mandada embora pela sua doença, mas ele tinha razão. Poderiam ter sido irmãos de verdade - suas maiores desavenças, afinal, sempre haviam existido por serem muito parecidos, e não o contrário.

— Está realmente vindo me dizer tudo isso por vontade própria? Papai não o obrigou a fazer isso, ou perdeu algum tipo de aposta para Apolo? Porque me lembro bem que parecia prestes a me esfaquear há algumas noites quando nosso pai me entregou seu lugar à mesa.

Ares deu de ombros.

— Nós dois sabemos que meu temperamento nunca foi dos melhores, e eu não estava preparado para aquela humilhação. Mas juro que não fui coagido a ter essa conversa.

Atena assentiu, ainda muito surpresa.

— Sendo assim, aceito suas desculpas e suas boas intenções. Talvez ainda possamos ser irmãos. - Ela sugeriu.

— Eu gostaria disso. - Ele disse, e então se retirou. Atena não conseguiu conter uma risada de pura incredulidade. Uma reconciliação com Ares fora definitivamente a coisa que menos havia esperado de sua visita ao Olimpo, mas para variar, aquela surpresa a havia agradado imensamente.

...

Atena decidiu encurtar sua estadia, arrumando suas coisas e partindo no dia seguinte ao baile. Já havia passado tanto tempo quanto possível matando a saudade de sua família e encontrava-se ansiosa por retornar a Atlântida, à sua rotina e ao seu marido. Despediu-se de todos, convidando-os a visitá-la assim que toda a situação de guerra fosse superada, e deixou os domínios de seu pai com sua comitiva sentindo-se renovada.

A viagem de volta a Atlântida foi mais curta agora que o tempo estava mais favorável aos viajantes, sem pancadas de chuvas e estradas enlameadas. Chegaram aos limites do castelo ao cair da noite e foram recebidos pelos criados surpresos. Ulisses estava entre os que a avistaram primeiro, e adiantou-se para cumprimentá-la.

— Não a esperávamos aqui antes do fim de semana. - Ele comentou enquanto a abraçava.

— Fiquei com saudades. - Ela respondeu, mas seu sorriso vacilou ao passarem por uma tocha que iluminou o rosto do cavaleiro revelando sua face direita inchada e um corte no lábio inferior. Imediatamente alarmou-se - O que foi isso?!

Ulisses desviou os olhos e tentou desconversar, mas ele nunca conseguira esconder segredos dela. Seu melhor amigo era também um dos mais hábeis lutadores que ela conhecia, e provavelmente só havia uma pessoa naquele castelo que seria capaz de pegá-lo desprevenido a ponto de provocar um dano como aquele.

Virou-se e subiu rapidamente as escadas, encontrando Bia a meio caminho. A garota empalideceu ao vê-la ali, mas Atena não deteve-se para saber o motivo disso. Sua prioridade no momento era encontrar Poseidon e questioná-lo sobre que motivo o havia levado a agredir seu protegido; sabia que os dois não se gostavam muito mas nunca imaginara que seriam incapazes de suportar civilizadamente alguns dias sem a sua presença para apaziguá-los.

Já era noite então seria mais provável que o encontrasse em seu quarto do que no gabinete; rumou então para os seus aposentos e nem se preocupou em anunciar sua chegada ao abrir a porta do quarto de Poseidon.

Sua determinação esfacelou-se em um milhão de pedacinhos diante da cena que encontrou ao chegar ali; demorou um momento incrédulo para compreender o que via. Poseidon estava confortavelmente acomodado em sua cama, e até ali nada seria estranho se ele não estivesse acompanhado. Uma silhueta claramente feminina dividia o colchão com ele, e ela só precisou de um pouco da sua habilidade observadora para perceber que estavam nus. Antes que ela se desse conta Bia e Ulisses já estavam ali, provavelmente correndo atrás dela e temendo pela sua reação, mas seu choque era tamanho que ela não se sentia capaz de falar ou fazer nada. Não fosse pelo barulho dos passos na escada Poseidon provavelmente sequer saberia que ela estava ali; ele acordou surpreso e então apavorado ao vê-la observando a situação e sua acompanhante também foi despertada em meio ao alvoroço, mas Atena registrou apenas superficialmente as feições da mulher. 

O desenrolar das circunstâncias se sucedeu como se tudo acontecesse com outra pessoa e ela fosse mera espectadora: Poseidon levantou-se e tentou alcançá-la, falando algo que ela não conseguia ouvir em meio ao barulho de sua própria mente. Foi impedido por Ulisses que entrou em seu caminho e por Bia que a conduziu para fora dali até o seu quarto: a criada apoiou seu corpo que fraquejava e acalmou sua mãos trêmulas e respiração entrecortada com um copo d’água. Ela agora ouvia brados vindos do cômodo ao lado, e também uma voz feminina assustada que não era a sua em meio a tudo aquilo.

Cerrou os olhos firmemente como se assim pudesse bloquear todos os estímulos externos. Não podia acreditar que passava por aquela situação. Sentia-se humilhada, enraivecida e mais uma mistura de sentimentos horríveis, mas acima de tudo odiava-se por ter sido surpreendida daquela maneira. Conseguiu murmurar algo à Bia sobre certificar-se de que ninguém a incomodaria ali tão cedo, e quando a jovem a deixou sozinha e saiu para para apaziguar a situação do lado de fora ela finalmente foi capaz de liberar sua frustração na forma de lágrimas, dormindo pela primeira vez em algum tempo embalada pelo choro.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo demorou mais do que o previsto porque de início não planejava colocar nele a questão Hades/Perséfone, mas me pediram por mais desse casal e sinceramente não há nada que vocês me peçam sorrindo que eu não faça com um sorriso ainda maior (se possível, claro) ♥ Estou montando uma playlist para a fic e gostaria de sugestões: caso conheçam músicas que acham a cara de algum personagem/momento dessa história, me enviem o nome por favor.
Mais uma coisa: a próxima atualização será dupla para poupá-los de mais sofrimento do que o necessário. Beijinhos e até lá!