Quando cheguei do trabalho encontrei uma cena incrível. Lívia estava sentada na cadeira de ferro da varanda balançando o carrinho vagarosamente, de um lado para o outro. O som da lente música instrumental no rádio fez meus pés quererem adentrar naquele ambiente o quanto antes.

Fechei a porta sem fazer ruído. Deixei a pasta com todos os boletos, contas, curriculums e toda parafernalha sobre a mesa. Beijei-lhe a boca e observei Oliver dormindo tranquilamente no carrinho.

- Vem. – Pedi erguendo a mão para ela.

Ela pegou minha mão e deitou a cabeça em meu ombro. A música, até então desconhecida aos meus ouvidos começou a fazer todo o sentido quando começamos a nos mover. Era aquela mesma música que tocou na rádio quando descobri que tinha passado na prova da aeronáutica, a música que os pássaros da goiabeira ao lado do hospital cantaram quando descobri que Lívia estava grávida. Aquela, que os sinos tocaram quando ela entrou de branco na Igreja. A mesma melodia que me fazia sentir que tudo era possível e que me dava a certeza de que eu estava envelhecendo, e graças a Deus, podia viver tudo aquilo.

Não se descobre uma música sozinho. Você simplesmente não sabe o seu nome ou seu ritmo até que ela chegue aos seus ouvidos apresentando-se como uma dama. Prostra-se e convida-o para dançar. Você escolhe se quer dançar ou não. Da sua maneira, com passos únicos e irreversíveis. Apenas seus. Ela não vai esperar te esperar ensaiar. Essa música não vai se importar se você dança bem ou não, ela só quer te ver aproveitando-a...

Tem tempo limitado e enquanto você fecha os olhos ela corre e te surpreende com a quantidade de modos diferentes que os acordes podem ser tocados. Ela simplesmente toca e você interpreta. A música não se importa com a sua idade, com a sua cor, com a sua altura, com seu peso ou com quem você escolheu para ser seu par. Essa música chamada vida só quer ver você dançar. Apaixonadamente.