À Francesa escrita por Nana San


Capítulo 23
Capítulo 13




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Ela seguiu a rotina indo para a faculdade, conversando com os amigos, fazendo as provas, tomando conta do irmão, brincando com o gato. Não fez escândalo nem faltou aula para se permitir ficar em casa remoendo a decepção. Não seria tão dramática a esse ponto, eles não tiveram nada, nunca tiveram nada. 

            Os amigos apresentaram seus relatórios em trabalhos impecáveis em power points, vídeos, tomaram como referência filmes e trechos de livros. Emocionaram-se, disseram ter mudado completamente alguns conceitos, comportamento perante a família e alguns até continuariam indo visitar seus avós postiços após o período de provas.

            - Para alguns senhores a época mais difícil do ano é o Natal. A dona Cássia, por exemplo, vai passar as festas na casa da filha em Teresópolis, mas a vizinha de quarto, dona Amélia, fica sozinha durante todo o dia. Seus três filhos moram fora do estado e apenas telefonam. O asilo enfeita o salão de festas e serve pratos de festas, mas não consegue alegrar seus hóspedes. Mas esse ano, dona Amélia vai passar o Natal lá em casa! - Disse Igor arrancando um sorriso de cada um dos alunos - É praticamente da família! Todos concordaram. Acho que depois desse estágio eu percebi que por mais que eu estude, só vou aprender quando praticar. Em todos os sentidos.

            Igor terminou sua apresentação e todos o aplaudiram. Agora era a vez dela. Não estava tão animada quanto pensava que ficaria, não tinha preparado tantas frases de efeito quanto os outros alunos - tinha até retirado alguns comentários na noite anterior à apresentação para não parecer muito melódico. Levantou-se da cadeira e apoiou as costas no quadro de giz. Olhou atentamente para cada aluno e seu professor e começou a ler. 

            - Eduardo de Magalhães era o nome que estava escrito na minha ficha. O pioneiro em meus estudos de analise. Mas eu demorei três meses para perceber que quem estava sendo observada era eu, e não ele, enquanto esperava paciente e insistentemente do lado de fora do seu quarto. Eu não o via, nem ouvia. Eduardo estava negando minha companhia, ignorando as batidas na porta. Não se mostrou disposto a ajudar nas conversas ou interessado no que eu tinha para falar. Até hoje eu não sei o que aconteceu para que ele abrisse a porta para mim. Se foi por algo que eu falei, cantei ou gritei... Nunca vou descobrir. 

            Suas mãos começaram a tremer. Estava começando a falar o que não estava escrito. As palavras lhe vinham à boca como se estivesse se abrindo para a mãe, ou melhor, para seu gato Lancelot. Seu cérebro já começava a trabalhar lembrando claramente daquele início de convívio, era como se visse de cima, numa outra perspectiva, via sua falta de jeito em se expressar e em como ele se mostrava satisfeito por isso. Ele a estava analisando. Suas perguntas eram muito mais pertinentes que as dela. Ele conseguiu arrancar muito mais dela com suas contra-perguntas.

            Lívia abaixou as folhas impressas sobre a pilha na mesa do professor e disse o que vinha pela cabeça. Contou - quase - tudo que tinha visto ou ouvido fazendo as devidas análises psicológicas. Retirou todo o sentimento que tinha posto nas linhas e resumiu, secamente, o que tinha tirado da experiência.

            - Eduardo era esperto demais. Agora percebo que ele foi um paciente que exigiu muito dos meus estudos. Talvez eu não estivesse preparada para ajudá-lo, e acho até que ele notou isso... – Suspirou – O que vejo depois de terminar o estágio? Que perdi muito tempo para perceber que ele realmente não queria ser ajudado. Agora, se me derem licença, vou beber um pouco d’água não estou me sentindo muito bem.

            A turma permaneceu num silêncio mórbido até ela sair da sala. Depois começaram os cochichos. O professor saiu da sala sem nem dar explicações à turma e correu atrás dela até o bebedouro.

- Lívia, qual é a última coisa que se deve acontecer entre um paciente e um psicólogo? – Perguntou cruzando os braços.

- Relação afetiva. – Respondeu com o exato termo escrito na apostila entre uma golada e outra.

- Você prefere que eu finja não ter visto sua obcessão pelo velhinho ou que peça para refazer o trabalho escrito?

Lívia engoliu a água com raiva, preferia ficar sem seus comentários, se era isso que ele queria saber.

- Mas o senhor ainda nem leu... – Começou.

- Nem preciso. A turma toda percebeu o quanto você ficou magoada e o que eu me pergunto: Está chateada só por não conseguir tirar nenhuma informação de seu paciente ou por que esperou que ele fosse contar à você?

- Professor... – a resposta mal educada perambulou pela boca e voltou pela garganta – Eu refaço o trabalho escrito, mas preciso de outro tema.

- Não senhorita. Não passou seis meses frequentando um asilo para escrever sobre qualquer tema de última hora. Não seria justo com seus amigos. Vai escrever sobre esse tal de Eduardo do ponto de vista clínico. Como tivemos uma greve bem longa você tem até a segunda semana de janeiro para me entregar. Bom trabalho e boas festas. – Disse o professor dando as costas à ela, voltando a sala de aula.

Lívia não sabia se tinha coragem de entrar na classe novamente. Perguntas, olhares... Não estava preparada para o questionamento tolo das colegas sobre como ela poderia ter se interessado por um “velho”. Olhou para o lado e viu um auditório vazio. Pronto, ali seria sua sala de espera e dali não sairia até as aulas terminarem.

Eduardo estava promovendo muito mais problemas e constrangimentos enquanto estavam separados do que quando estavam juntos. “Juntos”.

“Como está, Calvin? Não nos vemos há muito tempo... Vamos marcar?” – Escreveu na caixa de mensagens do celular e apagou. Não. Criar mais laços com Calvin não significava proximidade com Eduardo, pelo contrário. Apagou a mensagem. Desligou o celular e fechou os olhos esperando viajar para qualquer lugar de sua imaginação, mas que a fizesse parar de pensar Nele por um instante que fosse. 


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