Cheguei em casa e não vi nem sinal de meu pai. Mandei-lhe uma mensagem dizendo que já havia chegado e fui me deitar muito feliz. Harry e Mary Jane eram maravilhosos e eu já me lamentava por ter que me despedir deles um dia. Dava-me um aperto no coração quando eu pensava que um dia teria que sair de Holmes Chapel.

Dormi e acordei bem cedo, não sei o por que.  Levantei-me e resolvi
caminhar, andar pelos lugares que eu não conhecia. Estava bem frio, saí de casaco, coturnos e cabelos protegendo as orelhas. Um pensamento me ocorreu: eu preciso começar a usar mais tipos de sapatos. Resolvi procurar um shopping ou uma pequena butique que vendesse sapatos.

Boots, Boys

I think it's time that I mention

I've got myself an obsession

for the smell, for the touch

I know I got myself a habit

but I've got to have it now

I don’t care, work it out

let me break it down

Eu estava quase virando a esquina quando ouvi chamarem meu nome. Era Harry, de novo. Mas que inferno, todas as vezes que eu saísse de casa ele teria que falar comigo? Meu Deus, ele deve ter instalado um dispositivo de localização em mim.

- O que foi? – dessa vez eu quis ser rude.

- Aonde você vai?

- Andar.

- Quer companhia?

- Na verdade não.

-Uau, essa vai deixar marcas no meu coração. Por que o mau humor?

- Não interessa.

- Procura algo em especial?

- Não – eu não quis dar o braço a torcer.

- Tá legal então.

- Tchau Cachinhos.

- Gosto quando você me chama assim.

- Tchau Harold.

Ele revirou os olhos e eu saí andando. Não sei bem porque eu fiz isso, mas eu acho que precisava pensar. Eu seria ou não amiga deles? Eu teria que deixar bem estabelecido que não duraria para sempre.  Resolvi entrar na livraria, que já estava aberta. Na parede, havia uma frase que me fez tomar minha decisão.

“A melhor parte da vida de uma pessoa está nas suas amizades”

Abraham Lincoln

Nem precisei pensar mais. Lincoln apareceu na hora certa. Liguei para Harry e perguntei se ele não queria almoçar em casa e ele disse que queria sim, claro, o que havia acontecido com meu mau humor? Convidei-o para ir sem Mary Jane, eu queria conhecer os dois separadamente, ver como eles agiam sozinhos. Gosto de observar as pessoas.

Acabei me esquecendo do sapato e voltei para casa para avisar Jody e meu pai que Harry almoçaria em casa.

- Marcela! – meu pai gritou.

- Eu! – gritei de volta e fui para o quarto dele.

- Tenho duas coisas para falar com você.

- Pode falar - suspirei.

- Eu... Vou direto ao ponto. Eu meio que tenho uma namorada.

Sorri e abracei-o.

- Eu a vi ontem à noite.

- E você... Gostou dela? Não está brava nem com ciúmes?

- Ela te faz bem?

- Sim.

- Você gosta dela?

- Sim.

- Então pronto. Sem problemas. Eu sempre te disse para arranjar companhia. E, aliás, meu namorado vem almoçar conosco.

- Seu namorado? Mas estamos aqui faz três semanas! – disse ele de olhos arregalados.

- É brincadeira, calma. É meu amigo, apenas.

- Ah... – ele respirou fundo.

- Mas por que todo esse alvoroço? Eu gostei da sua namorada.

- Mas eu sou seu pai.

- Qual era a outra coisa?

Ele suspirou e pensou um pouco.

- Eu... Nós temos duas opções. Voltar para o Brasil ou ir para Londres. Só poderemos ficar aqui por mais dois meses.

- Mas pai, como você mesmo disse, estamos aqui faz três semanas! Só! – gritei – Eu não sou bagagem, eu sou uma pessoa! Não é só juntar as coisas e sair, tá legal? – me descontrolei como nunca havia me descontrolado antes.

- Por que se revoltou tanto assim? Você nunca ficou tão brava quando soube que iríamos nos mudar!

- Porque eu achei que ficaríamos aqui durante um ano, ou pelo menos seis meses! Eu fiz amigos! Harry e Mary Jane, e eu ia apresentá-los para você, porque eles são ótimos, pessoas incríveis! No começo eu nem queria fazer amigos, mas eu resolvi fazer o que você me falou para fazer e arranjei amigos, e quando eu finalmente consigo, vamos nos mudar de novo! Meu Deus, homem, como você aguenta ficar se
mudando toda hora? Eu já cansei. Sou uma adolescente, preciso de estabilidade – dei ênfase na palavra – e eu não consigo isso me mudando de país a cada 365 dias. Eu achava que não ligava para ficar sozinha, conhecer outros lugares, mas me cansei. Quero uma casa de verdade! Com um pai de verdade, que não viaja seis dias e meio por semana! Eu amo você e sinto sua falta, você é minha única família, lembra?  Nicole está em Florença fazendo faculdade de Direito! – Nicole é minha irmã – Eu... Eu...

Ele me abraçou e eu comecei a chorar. Eu odeio chorar. Chorei de raiva e de tristeza, porque eu amava meu pai e não queria ter explodido assim. Eu sabia que não tinha sido fácil para ele criar duas meninas sem o apoio materno, mas para mim também não tinha sido fácil me mudar a cada um ano, me adaptar ao clima, às pessoas, aprender novas línguas... Eu sentia falta do Brasil, é claro, e queria conhcer Londres, quem não quer? Mas eu queria ficar em Holmes Chapel com Anne, Harry, Gemma e Mary Jane. Comecei a soluçar.

- Me desculpe, eu não queria ter explodido... Mas é que eles dois são muito especiais para mim. Eu... Não quero me separar deles, eles... Foram gentis comigo, não riram de mim e a mãe de Harry, Anne, é tão boa também... – minha voz falhou.

- Não, você me desculpe. Eu não tenho um emprego bom para um pai solteiro e eu não sou o melhor dos pais, mas eu tento.  Eu falei para você fazer amizades para que você não ficasse sozinha – ele secou minhas lágrimas – porque eu me sentia mal por isso. Mas eu vou dar um jeito, eu prometo. Se você gosta tanto deles assim... Eu entendo que você se cansou de se mudar. Eu também não aguento mais. E você está crescendo, precisa de estabilidade – eu ri chorosa – e eu entendo isso. Vamos dar um jeito. Então, quem vem almoçar aqui mesmo?

- Harry Styles. Ele mora ali na casa da frente.

- Posso convidar minha namorada também? A propósito, ela se chama Jade.

- Claro – sorri. Ele era o melhor pai do mundo.