Pérola Carmim escrita por Gii


Capítulo 5
Sonho?




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Abri os olhos com aquela sonolência matinal de sempre, preguiçosa demais para me levantar, pelo menos até me dar conta de que não estava mais no hotel.
Eu não estava mais deitada na cama espaçosa de antes, estava em meu sofá, o couro grudando em minha pele do rosto. Me pus de pé em um pulo, a confusão fresca em minha cabeça me deixando tonta de raiva.
- Será...?
"Será não aconteceu?", era o que eu ia dizer, mas me senti idiota demais para deixar que os pensamentos se transformassem em palavras.
Olhei em volta, para a sala sem móveis do apartamento novo. Não consegui acreditar em meus olhos quando vi a porta no lugar. A porta que eu tinha certeza que William tinha arrombado antes de Andressa se matar.
Voltei a me sentar no sofá, o mesmo sofá que eu sabia que tinha sido arrastado sozinho mas que agora estava no exato lugar de antes.
Me senti tonta, confusa e irada. Tinha sido real, eu não era louca para confundir sonhos com realidade. Tinha que ter alguma pista por ali, algo que provasse que eu não tinha enlouquecido.
Corri para o corredor, com intenção de entrar no banheiro e procurar por algum vestígio de que Andressa existiu.
Fiquei encarando a porta fechada do banheiro. Eu precisava ver uma prova, algo que William tivesse deixado para trás por engano ou Andressa. Mas ao mesmo tempo tive medo, pavor, de abrir aquela porta. Não era tão fácil encarar a morte de alguém assim. E se o perseguidor de Andressa estivesse ali, atrás daquela porta, no mesmo lugar em que a tinha possuído esperando um outro alguém para atormentar?
Não consegui suportar, duvidar de minha sanidade era demais para mim, eu precisava ter certeza.
Abri a porta, pensei em a abrir com um murro, a escancarar de repente, mas rodei a maçaneta com calma.
Idiota de minha parte abrir a porta com aquela calma toda, esperando pela revelação que me atormentaria, independente se deparasse com o desconhecido ou com meu banheiro vazio. E foi isso que enxerguei quando abri a porta.
Nada. Estava tudo no lugar, cada coisa que eu tinha adiantado da mudança estava ali, tudo que eu precisava para me maquiar e banhar. A toalha rosa pendurada no ganchinho, a camisola de ontem jogada no chão perto da banheira vazia. Fechei a porta, não tinha nada mais para ver ali.
Voltei para a sala, sentei-me no sofá. Eu não estava convencida de que aquilo tivesse sido um sonho. Nunca que eu teria tamanha criatividade para inventar aquilo tudo, ainda mais inconsciente! Até os nomes ainda ecoavam em meus ouvidos, a voz deles ainda estava em minha memória em uma lembrança tão real que descartava todas chances de terem pertencido a um sonho.
Emburrei a cara, bufei, bati o pé no chão. Mas do que me adiantaria aquilo tudo além de me levar a loucura? Se é que eu já não estivesse louca.
Resolvi falar com alguém, qualquer pessoa da enorme agenda do celular seria bem vinda. Alguém com quem eu pudesse deixar escapar essa minha insanidade sem que me achasse maluca. Alguém religioso?
- Ruiva! - berrou a voz masculina do outro lado do celular.
- Não me chame assim, sabe que não gosto, Josh!
- Quer falar com a velha? - perguntou ele e pude ouvir a voz rouca de nossa mãe reclamar ao fundo sobre os modos modernos.
- Não. Na verdade queria pedir para que você viesse aqui e ficasse um tempo comigo... Talvez alguma ajuda na mudança, alguns dos móveis chegam hoje.
Escutei ele rir de mim do outro lado da linha, não pude evitar de rir junto, mesmo que não soubesse bem o porquê. Era impossível para mim não me sentir melhor quando falava com meu irmão mais velho.
- Sabia que tinha algum interesse por trás dessa saudade sua! É claro que vou, te importunar é uma de minhas melhores diversões, pirralha ruiva.
Ele desligou em seguida. Odiava aquela mania americana de terminar uma ligação sem despedida, só foi ele ter passado um tempo nos Estados Unidos que já tinha ficado assim.
Como sempre, ele demorou bem mais que o previsto. Chegou só no fim do dia, coisa que me deixou super irritada. Já tinha até planejado um discurso revoltado sobre a falta de pontualidade dele, mas com sorte ele se safou. Os móveis tinham chegado antes dele e tomado conta de toda minha atenção.
- Idiota - xinguei-o logo que abri a porta.
- É você - brincou ele forçando uma expressão séria.
Não tinha mudado quase nada, ainda tinha o mesmo jeito relaxado e garotão de sempre. O cabelo de fios loiros bagunçado como sempre mas sem perder as ondas perfeitas, idêntico ao do nosso falecido pai.
Jogou a mochila surrada no sofá e passou direto por mim.
- Ah, obrigada por expressar tanto amor - disse eu, me referindo a ausência de qualquer cumprimento. Dei as costas para ele para trancar a porta de entrada, erro lamentável.
- Foi você que me chamou de idiota logo quando entrei, pirralha.
Me virei a fim de chamá-lo de idiota por mais uma vez, mas fui surpreendida antes que eu tivesse a doce oportunidade de xingá-lo. Josh me pegou pela cintura e me esmagou, um abraço de urso que mataria qualquer um que não fosse acostumado desde criança com aquela brutalidade carinhosa de irmãos. Eu sobrevivi ao brutamontes loiro.
- Pirralha - disse ele, pronunciando como se fosse um xingamento antes de me levantar do chão e me dar um beijo no rosto.
- Josh! Você vai me matar, seu babaca! - reclamei por meus direitos de sobrevivência. Me arrependi de ter reclamado quando ele me soltou e meus saltos bateram ruidosamente quando se encontraram com o piso. - Hey, isso foi caro!
- Todos móveis já estão aqui? - perguntou ele, olhando a estante gigante e metendo a cara no corredor escuro.
- Não, mas parte deles - respondi enquanto me recuperava do abraço dolorido. - Mas se dependesse de sua demora a casa já estaria mobiliada. Onde esteve, hein? E onde estão os cigarros?
Ele riu de minha autoridade. Quem não riria? Uma mulher baixinha como eu tentando mandar no homem alto e forte que meu irmão tinha se tornado. A cena também me pareceu hilariante.
- Digamos que eu tinha me encontrado com uma velha amiga e ficamos na casa dela... - respondeu-me ele, com o cuidado de não terminar a frase.
- Nojento.
Peguei o maço de cigarros que ele tinha me estendido e segui para a varanda. A cadeira de metal junta de outras três em volta de uma mesinha redonda. Sentei-me lá, o vento frio mal me incomodando. Eu ia fumar, o primeiro cigarro do dia era sempre mágico para os viciados.
- Não queria que você fumasse - confessou Josh ao se sentar a minha frente. - Nem sei por que trouxe isso para você.
Acendi o cigarro tentando não ouvir o que a voz alta e clara dele me dizia.
- Josh, eu sei que você também fuma.
- É complicado ser irmão mais velho. - Ele pegou um cigarro para si e acendeu antes de continuar. - Faço muitas coisas que não queria que você fizesse.
Deixei que o assunto morresse ali. Nunca fui curiosa quando o assunto não me envolvesse diretamente. Fiquei um tempo olhando para o céu roxo de fim de tarde antes de voltar a olhar para Josh. Era engraçado como éramos tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos. Ele tinha os mesmos olhos que eu, o tom de verde exatamente idêntico.
- Infelizmente só tenho um colchão no momento - anunciei enquanto batia as cinzas do cigarro no cinzeiro. - Se você me chutar no meio da noite juro que arranco seu pé enquanto dorme.
Ele riu, como era bom ouvir aquela risada alegre.
- Se quiser eu posso dormir na sala - disse ele, o tom de zombaria de sempre ausente da voz forte.
Sorri sem perceber ao certo que o fiz. Ele sabia ser tão gentil as vezes comigo. E eu sabia que ele era assim só comigo, sempre teve gosto em mimar sua irmã, eu, a "pirralha ruiva" dele.
- Não... Eu não quero dormir sozinha.
- Por que? Que eu me lembre você nunca foi medrosa.
Respirei fundo antes de tomar coragem para responder. Falar de minhas fraquezas nunca fora meu forte, mas via em Josh uma pessoa no qual eu podia confiar.
- Eu tive um pesadelo estranho - confessei, mesmo que estivesse certa de que era algo mais que só um pesadelo, confiava em Josh mas não queria me fazer de louca. - Foi tão real... Nunca tinha tido algo assim, realmente me assustou.
Como imaginei ele não riu da minha cara, estava estampado em meu rosto que eu tinha mesmo me amedrontado com aquilo. Ele era super protetor demais para rir de mim em uma situação dessas.
- Tudo bem - disse ele, tratando do assunto do melhor modo possível, agindo como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Ele se levantou da cadeira e apagou o cigarro no cinzeiro no centro da mesa. Fiquei olhando ele cruzar a porta de vidro escuro da varanda e sumir na sala.
- Desleixada - ouvi ele dizer antes de entrar na varanda novamente.
Olhei para ele sem entender. Ele deixou um cigarro em cima da mesinha a minha frente. Um cigarro de filtro meio avermelhado. Meus pensamentos mal entraram em ordem e meu coração já estava disparado.
- Onde achou isso? - perguntei, me levantando da cadeira e me afastando do cigarro de canela como se temesse que fosse algo perigoso.
- Estava no chão do banheiro, atrás da porta. - Ele deixou de olhar para o trânsito complicado da rua distante e olhou para mim, para meus olhos amedrontados. - O que foi, Belle?
Toda confusão que tinha se formado em minha cabeça mais cedo sumiu. Eu não tinha ficado louca, tão pouco tinha sonhado com William e Andressa. Peguei o cigarro de canela e o olhei de perto. Era um dos cigarros de Andressa, eu não tinha dúvidas disso. Ela devia ter deixado cair no chão do banheiro quando foi ajeitar a maquiagem.
- Belle, o que houve? - perguntou Josh, mas eu não o estava escutando.
- Não foi um sonho - sussurrei para mim mesma. - Foi real...
Tudo se encaixou perfeitamente em minha cabeça, cada peça se juntando de modo que tudo começou a fazer sentido. Fora William que tinha planejado aquilo tudo, tomado o cuidado de fazer com que tudo parecesse um sonho, do mesmo modo que tinha mandado alguém tirar o cadáver de Andressa do terraço do prédio.
Eu não tinha ficado louca, eu tinha realmente vivido aquele pesadelo.


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