Pérola Carmim escrita por Gii


Capítulo 1
Cigarros




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Acordei mais uma vez no meio da noite. Ainda não tinha me acostumado a morar sozinha, mas isso era o de menos no momento.

Levantei-me da cama e fui para a sala. Ainda tinham poucos móveis na casa e por isso meus passos ecoaram pelas paredes recentemente pintadas.

Fui para a varanda onde meus cigarros me esperavam sobre uma única cadeira. Fumei um pouco, sabia que era idiotice mas talvez aquilo me ajudasse a ter sono.

Fazia uma bela noite lá fora. A cidade toda brilhava de lá de cima de uma forma convidativa para quem gostava de noitadas.

Terminei o cigarro. O último que restara.

Me vi sem nada para fumar ou beber, acho que meus vícios foram o principal motivo que me levaram a sair de casa.

Vesti um vestido qualquer e sai, trancando a porta atrás de mim.

Entrei no primeiro taxi que passou por mim e sai dele na primeira danceteria que vi.

A boate estava fervilhando, jovens bonitos e com boas condições rindo e enchendo a cara lotavam a pista de dança. Não dei atenção para eles.

Me sentei em um dos bancos próximos ao bar e logo fui atendida.

- Um cosmo – pedi para o atendente atrás do balcão.

Não demorou muito para alguém se sentar ao meu lado e tentar puxar assunto.

- Aceita um cigarro? – perguntou uma voz feminina.

Me virei um tanto surpresa para a pessoa ao meu lado. Sabia que não iria tardar para alguém dar em cima de mim, mas não esperava uma mulher.

- Seria ótimo – respondi entre um gole e outro do meu drink meio rosa, o tom de surpresa audível em minha voz.

Entregou-me um cigarro e fez questão de acender ela mesma com o zippo dourado que tirara da bolsa.

Dei uma longa tragada no cigarro com gosto de canela e olhei para ela pela primeira vez.

Fiquei sem palavras quando mergulhei no azul exótico daqueles olhos. Mesmo nunca tendo sentido tal admiração por uma mulher era impossível negar a atração que senti por ela. Só depois notei que não eram só os olhos que tinham toda aquela perfeição. Cada traço daquele rosto delicado e feminino me entorpeceu entre as luzes da boate que piscavam freneticamente. Sua pele parecia branca demais sob aquelas luzes, o tom acetinado me instigando a tocá-la cada vez mais.

Ela notou minha reação a sua beleza e riu.

Fiquei sem jeito de ter deixado minha surpresa tão evidente.

- Meu nome é Andressa – disse-me ela enquanto acendia um cigarro para si mesma.

Desviei os olhos dela e voltei a beber meu drink, quem sabe se eu ficasse bêbada seria melhor para digerir aquela situação estranha.

- Sou Isabelle – forcei-me a responder.

Talvez o álcool estivesse subindo minha cabeça, ou eu realmente tinha me pego olhando para o decote dela?

- Posso te chamar de “Isa” ou “Belle”, não é?

Ri.

Não estava acostumada a ser tratada daquela forma por uma mulher. E muito menos estar interessada em uma.

Algo me chamou atenção, ou melhor, alguém.

Estava vestido completamente de preto, até mesmo os sapatos. Uma vestimenta estranha para um homem de no máximo uns 27 anos. Ele olhava para nós, tentava disfarçar, mas eu já tinha notado que ele nos espiava pelo canto do olho. Não achei muito estranho, homens sempre tiveram queda por lésbicas.

- Você não gosta muito dessa barulheira toda, né? – perguntou ela me fazendo voltar a atenção novamente para o azul claro de seus olhos.

- Não me incomoda – disse eu. – Quer sair daqui?

Por um momento tive vontade de me bater por ter proposto aquilo. Ela poderia entender como uma paquera! Coisa que definitivamente eu não queria, ou pelo menos era isso que eu achava no momento.

- Está me chamando para sua casa?

Um sorrisinho sacana brincava naqueles lábios róseos e luxuriantes. Um sorriso que de alguma forma me passou segurança o suficiente para levá-la para minha casa.

- Acho que estou sim – respondi. Uma das sobrancelhas erguidas de insegurança.

Mal terminamos de fumar aquele cigarro e saímos do bar, deixando a taça de cosmo vazia sobre o balcão como a única prova de que passamos por ali.

Não demoramos muito a chegar, o taxi tinha sido rápido. Abri a carteira para pagar, mas Andressa insistiu em pagar ela mesma a corrida.

Não reclamei, achei até muita educação da parte dela.

- Acabei de me mudar – disse eu quando já estávamos na calçada em frente ao prédio. – Os móveis só chegam amanhã ou algo assim. Só tenho um sofá e uma cama.

Abri a porta e dei a vez para ela passar. É claro que eu notei o jeito que o porteiro olhou para nós.

Abri a porta da casa nova com certo hesito. O que será que ela iria pensar em ver uma sala vazia apenas com um sofá ainda encapado?

- Tira essa cara de vergonha!

Ela se jogou no sofá enquanto eu fechava a porta.

Sentei-me ao seu lado. Eu não tinha reparado o quanto o cabelo dela era negro e curto.

- Onde fica o banheiro?

- Segunda porta do corredor, direita.

Ela deixou a bolsa no sofá quando se levantou para ir ao banheiro. A pequena bolsa preta estava meio aberta, o maço de cigarros amostra. Não pensei duas vezes em pegar um cigarro e ir para a varanda.

Quando Andressa voltou eu já estava na varanda, sentada na cadeira de ferro fumando o cigarro de canela dela.

Ela se apoiou na grade da varanda, olhando para os pontinhos luminosos que formavam a cidade noturna vista de cima.

- Sabe... – começou ela parecendo um tanto distante. – Eu ia me matar essa noite.

Quase me sufoquei com uma tragada mal sucedida. Olhei para ela sem realmente acreditar no que ela estava falando.

- Ia fazer isso em uma danceteria?

Me arrependi de ter usado um tom meio irônico quando ela virou o rosto para mim. Congelei quando vi que algumas lágrimas começavam a se formar nos cantos daqueles olhos azuis.

- Eu só não queria ficar sozinha – disse ela, a voz tremendo um pouco. – Não com isso me perseguindo...

- Isso o que?

- Ninguém nunca acredita – lamentou ela, secando uma lágrima que tinha escapado para o rosto pálido. – Por que você acreditaria?

- Se não me contar nunca saberemos se eu acreditaria ou não.

Eu já não estava continuando o assunto por preocupação, mas sim pela pura e simples curiosidade.

Ela virou o corpo para mim, apoiando as costas na grade da varanda, os braços cruzados sobre o peito.

- Eu não sou lésbica – confessou ela. – Eu só puxei assunto com você porque não queria passar a noite com um homem que nem me escutaria. Só fui até você porque tive certeza de que você também não era.

Me encolhi na cadeira. A vergonha por ter olhado para ela com outros olhos mais cedo me tomando. Aproveitei para dar mais um trago no cigarro já quase no filtro antes de jogá-lo fora.

- Tem algo atrás de mim, Isabelle – contou ela, os olhos arregalados e assustados enquanto criava coragem para continuar. – Algo querendo tomar conta de mim, me enlouquecendo aos poucos... Às vezes eu o sinto dentro de mim, vendo através dos meus olhos.


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