Sombras No Espelho: Parte 1 - Terra escrita por Lucas Iraçabal


Capítulo 2
Olhares


Notas iniciais do capítulo

Bom, eu não sei o que você vai achar, mas esse capítulo tem um ritmo um tanto mais lento que o prólogo. Mesmo assim, espero que goste ^^



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O dragão e o jovem bruxo trocavam um olhar tenso.

O grande réptil, que devia ter uns quatro metros de comprimento, tinha os músculos tensionados, somente esperando um movimento brusco para atacar.

“Ele só vai ficar me encarando?” se perguntou Rodrigo, o jovem bruxo, mentalmente, quase aborrecido, enquanto franzia as sobrancelhas.

O corpo esguio, longo e escamoso do réptil dilatava e retornava à posição inicial lenta e concentradamente, por sua respiração. Os olhos enormes, de um azul tão límpido quanto o céu, estavam cravados no jovem. Mas isso não o assustava. Já havia enfrentado dragões mais hostis. Aquele era, com toda a certeza, o dragão mais pacífico que encontrara. As garras, espessas, curtas e afiadas, fustigavam a terra sob suas patas lentamente. As escamas coloridas brilhavam sob um sol fraco da recente manhã, lembrando um enorme arco-íris nas cores azul-claro e amarelo. A crista comprida voltada para a parte de trás da cabeça, partindo do nariz, nas mesmas cores do resto do corpo, indicava que aquele era um dragão macho. A crista era usada tanto para emitir sons para outros dragões quanto para chamar a atenção das fêmeas.

― Como é que é?! ― disse Rodrigo impaciente, mas sem se mexer. ― Vamos ficar nisso o dia todo, ou você vai me atacar?!

O dragão não se moveu, somente bufou, irritando ainda mais o jovem bruxo. Ele queria adiantar logo tudo aquilo. Queria saber se aquele era ou não o seu dragão. E para fazer isso, teria de tocar sua testa, ou, naquele caso, em sua crista. Então deu um passo em direção ao réptil e esticou a mão direita. O dragão, notando o repentino movimento do inimigo, se ergueu sobre as duas patas traseiras e soltou um guincho grave estranho, porém imponente. O jovem sabia o que aquilo significava: ele iria atacar. Então ergueu as mãos poucos segundos antes de o dragão cair sobre ele com todo o seu peso. Mas, um milésimo de segundo depois, o dragão era lançado para trás, deixando Rodrigo com as mãos estendidas para o alto, formando seu campo de força elétrico, drenado da energia das árvores à sua volta.

“Sua garganta pode ser protegida contra correntes elétricas, mas sua pele não” pensou Rodrigo sabiamente.

― Estou só começando ― disse o jovem abaixando as mãos, fazendo a barreira elétrica desaparecer.

O dragão, que havia caído sobre uma árvore, a derrubando, se colocou sobre as quatro patas e seu olhar se tornou furioso. Rodrigo não se intimidou, só fez um gesto de desdém. Então o dragão investiu, correndo até o jovem bruxo, que saltou por cima dele, caindo certeiramente em suas costas e se agarrando, com unhas, às suas escamas. O grande réptil pulava desesperadamente, fazendo as árvores sacudirem à sua volta, causando uma chuva de folhas verdes. Depois de perceber que pular era inútil, o dragão começou a se contorcer como podia, tentando mordê-lo, sem sucesso. Então respirou fundo e arreganhou a boca cheia de dentes afiados, lançando uma rajada de espessos fios elétricos, que se espalhou por toda a floresta, derrubando milhares de árvores. Percebendo que aquilo tudo era inútil, o dragão se deu por vencido, deixando-se cair sobre a terra, respirando de maneira ofegante.

― Mas, já? ― perguntou Rodrigo ironicamente e o dragão o respondeu bufando triste e irritado.

Então, com um sorriso enorme no rosto, o jovem bruxo pulou para a cabeça do réptil, segurando logo sua crista. Num piscar de olhos, os dois estavam conectados. Rodrigo tinha acesso a todas as lembranças do réptil. Aquele era um dragão adulto e, como tal, tinha muitas delas. Mas Rodrigo não viu nada na mente do réptil que os tornasse um só. Alguma cor, algum gosto, algum som. Então soltou sua crista e desceu de suas costas.

― Desculpa aí, amigão ― disse Rodrigo dando de ombros. ― Acho que você não é o escolhido.

O dragão bufou, infeliz, e fechou os olhos, consumido pelo cansaço. Rodrigo franziu os lábios, insatisfeito e inspirou profundamente, deixando-se cair sentado sobre a terra úmida da floresta. Quando acharia o seu dragão? Será que ele existia mesmo? “Todo bruxo tem o seu dragão” lembrou as palavras de seu pai. “Eles estão por aí, só basta achá-los”.

― E onde está o meu? ― sussurrou triste para si mesmo.

O sol já começava a ficar quente quando Rodrigo percebeu que precisava voltar para casa. Colocou-se de pé, respirou fundo e fechou os olhos. Concentrou-se por um segundo, pensando em seu quarto e sentiu um vento forte castigar-lhe o rosto e o cabelo. Magia de teletransporte requeria muita energia drenada. Mas, quando abriu os olhos, estava em seu quarto. Bufou infeliz e foi para o banheiro, onde trocou suas roupas de batalha por roupas mais casuais. Depois, se olhou no espelho. Seus olhos escuros estavam evidentemente tristes e decepcionados. O cabelo loiro estava totalmente desalinhado, do jeito que ele gostava, mas não conseguia sentir-se bonito ou atraente: uma ponta de raiva surgia em seu peito. Então saiu do banheiro e desceu as escadas, até a sala, virando para entrar na cozinha.

― Bom dia, mãe ― disse o jovem e beijou-lhe a testa.

― Bom dia, filho ― disse a mãe sorrindo e logo percebeu a respiração descompassada do bruxo. ― Onde esteve?

― Procurando meu dragão ― respondeu Rodrigo envergonhadamente, passando a mão pela nuca.

A mãe o olhou com evidente pena. Helena era uma mulher de cabelos loiros, tal quais os do filho e de olhos castanho-claros, os quais Rodrigo gostaria de ter herdado.

― Oh, meu filho ― e esticou os braços para o menino, que a abraçou imediatamente. ― Não se preocupe com isso. O seu dragão vai surgir quando você menos esperar, ok? Foi assim comigo.

― Jura? ― perguntou o jovem se soltando da mãe e a encarando de sobrancelhas franzidas, curioso.

Ela assentiu com um aceno de cabeça e sorriu, fazendo o menino a imitar. Então se virou para trás e, pegando uma garrafa térmica azul, a colocou sobre a mesa.

― O café está pronto ― disse a mãe e depois saiu da cozinha. ― Vou chamar seu pai.

― Ok ― concordou o jovem e se sentou à mesa, quando a campainha tocou.

Ele reclamou em voz alta quando a mãe o mandou atender. Mas acabou se levantando e indo até lá. A pessoa do outro lado era-lhe familiar: olhos e cabelos escuros, um nariz largo e um sorriso engraçado no rosto. Era o guardião de Rodrigo: um jovem quase da sua idade e um tanto mais alto do que ele, sem falar que era um espadachim nato.

― Roberto! ― disse o jovem bruxo com um sorriso. ― Entra! Já tomou café?

― Ainda não ― respondeu ele também sorrindo. ― Vim correndo para cá quando soube. Precisava te contar.

― Contar o que? ― perguntou Rodrigo confuso enquanto os dois iam para a cozinha.

― Hoje é dia de reunião! ― disse Roberto quase pulando de alegria.

― Ah, é mesmo ― concordou o bruxo com animosidade.

― O que foi? ― perguntou Roberto quando se sentaram à mesa. ― Não está empolgado com isso?

― Você sabe o que penso dessas reuniões ― respondeu Rodrigo pegando um pão e o partindo ao meio.

― Mas, sabe o que isso significa para mim, não é? ― Roberto tinha uma expressão quase de ofensa.

― Eu sei, desculpa ― respondeu Rodrigo deixando as mãos caírem sobre a mesa. ― Mas, você sabe... eles ainda acham meus pais criminosos e eu não acho que vão conceder o que pedem.

― Seria bom se isso acontecesse ― concordou Roberto. ― Os guardiões seriam mais livres para fazer as coisas.

O jovem bruxo concordou com um aceno de cabeça e usou uma faca para passar manteiga no pão partido. Roberto se serviu de torradas e café. Não demorou muito para que os pais de Rodrigo descessem as escadas.

― Bom dia, filhão ― disse o pai de Rodrigo bagunçando ainda mais o cabelo do jovem.

Luan era um homem de cabelos e olhos escuros. Muitos diziam que Rodrigo havia herdado os olhos do pai: penetrantes e concentrados.

― Bom dia, Roberto ― disse ele e se sentou à mesa, na cabeceira, ao lado de Rodrigo e Helena.

― Bom dia, senhor Hodie ― respondeu Roberto sorrindo. ― Fiquei sabendo da reunião. O que vão falar hoje?

Luan e Helena se entreolharam com sorrisos animados.

― Vamos defender os guardiões, como sempre ― respondeu Luan sorrindo. ― E dar uma proposta muito boa.

― Estou ansioso para assistir ao resultado na TV ― disse Roberto.

Rodrigo era o único que não partilhava das mesmas idéias dos pais e do guardião. Não gostava dessas reuniões, e, vendo por sua perspectiva, com toda a razão.

― Queremos que assista também, filho ― disse Helena segurando a mão de Rodrigo, que estava sentado à sua frente.

― Eu vou ― disse o jovem e, depois de sorrir, se levantou da mesa.

Roberto, também terminando o café, se levantou e o seguiu. Os dois se sentaram no sofá da sala e Rodrigo ligou a TV, onde passava um programa sobre criaturas da noite.

― Eu tentei achar meu dragão hoje de manhã ― comentou Rodrigo sem tirar os olhos da tela, que mostrava um ser humanóide.

Roberto franziu as sobrancelhas e encarou o bruxo.

― Por que não me chamou para ir com você? ― perguntou ele.

― Queria tentar fazer sozinho ― respondeu simplesmente.

― E conseguiu?

― Não ― respondeu e trocou de canal. ― Só achei um dragão-elétrico, que não se ligou comigo.

― Ah ― disse Roberto e franziu os lábios, voltando a assistir a tevê.

Depois de breve silêncio, os pais de Rodrigo subiram as escadas rindo.

― Que tal procurarmos de novo? ― perguntou Roberto finalmente.

― E onde iríamos procurar?

― Eu não sei ― respondeu o guardião. ― Onde não procuramos?

― Procuramos em todos os lugares ― respondeu Rodrigo encarando o guardião com ressentimento. ― Procuramos nos lagos, procuramos nos vulcões, procuramos nas florestas... Não há mais onde procurar!

― Não procuramos nas nuvens ― disse Roberto e um sorriso se formou em seu rosto.

― Acha que meu dragão vai ser um dragão-aéreo? ― perguntou o bruxo rispidamente.

― Não necessariamente ― respondeu Roberto sem ressentimento. ― Também poderia ser um dragão-elétrico.

― Que vive nas nuvens? ― perguntou Rodrigo confuso.

― É claro! ― respondeu Roberto erguendo as sobrancelhas. ― Se esqueceu que alguns dragões-elétricos planam, até cair em terra? Nem todos vivem em terra firme, a maioria está nos céus.

Com a rápida lembrança, Rodrigo sorriu empolgado, com uma esperança surgindo em seu peito e alimentando seu coração.

― E se sairmos agora, ainda teremos tempo de voltar e assistir a reunião ― lembrou Rodrigo animado.

― Ótima idéia! ― concordou Roberto levantando do sofá num salto. ― Vamos agora!

Rodrigo se levantou do sofá, avisou os pais e entrou de volta em seu quarto, onde tomou um banho rápido e colocou novamente as roupas de bruxo, que com um estalo de dedos estava limpa e cheirosa. Depois de pronto, Rodrigo se olhou no espelho e sorriu. Sentia-se atraente de novo. Foi quando notou que o seu anel, na mão direita, brilhava. Olhou para ele curioso. Era feito de pura prata, com entalhes de uma águia de asas abertas, vista de costas. Os olhos da águia eram de lápis-lazúli e eram eles que brilhavam com uma luz pálida. Saiu do banheiro apressado.

― Roberto! ― chamava ele.

― Estou aqui em baixo ― ouviu a resposta.

O bruxo correu para as escadas e as desceu rapidamente. Encontrou Roberto na sala, usando seu espesso cinto de guerreiro, sua cota de malha e seu peitoral prateado, moldado perfeitamente em seus músculos desenvolvidos.

― O que houve? ― perguntou ele enquanto vestia as luvas metálicas.

― Olhe ― e mostrou o anel para o guardião, que ergueu as sobrancelhas. ― O que significa essa luz?

Roberto estava admirado.

― Seu símbolo de bruxo está dizendo algo ― disse Roberto. ― Talvez seja um bom pressentimento, que acharemos o seu dragão.


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Notas finais do capítulo

E então, gostou do Rodrigo? Dúvidas? Sugestões? Comentários? Mande reviews.
Até terça ^^