A Vida Como Ela É escrita por kakahcobain


Capítulo 2
Capítulo 2 - Começando a Acreditar


Notas iniciais do capítulo

Vai mais um capítulo... Espero que gostem :)
Boa leitura ^^



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Chegando em casa, vi a sombra de meu gato perambulando pela escuridão da sala. Após acender a luz, repousei as chaves na mesa e sentei na cadeira, logo sentindo aquele corpo peludo acariciar meus pés. Como já sabia que ele fazia isso quando estava carente, fiz a gentileza de pegá-lo no colo e de fazer cafuné em sua cabeça, o fazendo dormir rapidamente em meus braços. Com cuidado para não acordá-lo, levantei e o deitei em sua caminha azul. Olhei para meu relógio de pulso e vi que já tinha que começar a me preparar para sair se ainda quisesse assistir ao show.

Calmamente me dirigi ao banheiro e com a cabeça nas nuvens fui me despindo aos poucos, sem prestar atenção no que fazia. Acho-me muito estranha. Às vezes me sinto como não se estivesse aqui, como se eu já estivesse me desconectado desse mundo. Demorou um pouco para eu cair em mim e aí... Eu já havia terminado o banho.

Já de frente para o guarda roupas, optei por uma vestimenta bem discreta e confortável. Não estava mesmo afim de sentir frio naquela época do ano. Em pouco tempo já estava descendo as escadas, depois, enfrentando a rua e seu sopro depressivamente gelado. A minha sorte era que eu já sabia que caminho tomar e por isso já sabia que não demoraria muito. Aquelas ruas, aqueles prédios, aquelas pessoas, aqueles rostos... Estava farta daquela mesmice que me fazia apenas sentir mais dor. Estava farta daquela merda de vida capitalista-medíocre, em que você se mata de trabalhar, ganha não mais que o mínimo pra sobreviver e ainda tem que aguentar aquele ar sufocante cheio de gás negro e tóxico.

Pelo caminho, algumas de minhas velhas e instigantes lembranças vieram à tona. Um familiar aperto em meu coração quis me provocar uma convulsão de lágrimas, mas fechei os olhos. Fechei logo os olhos e, quando lembrei do rapaz loiro, senti me reconstruir aos poucos, ao passo que, quando me dei conta, já estava na calçada do Crocodile, me deparando com uma fila imensa que quase acompanhava a dobra da esquina. Foi quando deu pra ver, um pouco que escondido pelo aglomerado de pessoas, um cartaz que mostrava as atrações da noite. Ao ver que lá estava escrito nirvana, sorri sozinha.

Após um pouco de esforço, consegui comprar meu ingresso, e por sorte não tive que esperar muito para entrar no estabelecimento. O cresencte ruído do movimento de rock alternativo que nascia em Seattle naquela época fez uma grande massa de jovens voltarem a frequentar os bares e club's da cidade, como o Crocodile. E era esse aspecto de ''taverna melhorada'' que acaba atraindo um grande número de universitários até lá. Eu particularmente adorava o clima aconchegante e íntimo que a nicotina abafada criava no seu interior. Até tinha a impressão de que todos alí presentes provavelmente estavam tão perdidos e depressivos como eu.

Acho que somente quem viveu aquele mesmo cenário dos anos 90 é que pode compreender totalmente o que tento dizer. Para quem ainda não conseguiu entender, é que... A juventude como um todo se sentia desmotivada, alienada, desesperançada. Não se tinha mais ídolos consistentes para nos espelhar, não se tinha mais uma voz que fosse a nossa cara. No nosso inconsciente de jovens vivíamos ainda num sono profundo. Faltava mais rebeldia, mais atitude, mais identidade. E é nesse contexto que me encontrava no meio daquelas pessoas, daquela fumaça, daquele cenário tortuoso e repleto de vícios.

Enquanto o show ainda não começava, fiquei me entretendo com bebidas e cigarros. Me sentava no balcão de bebidas, o olhar fixo em nada, pensamentos vazios, desconexos, distantes... Até me despertar ao ver uma fisionomia familiar... Era ele, Kurt.

O loiro tinha um cigarro entre os dedos enquanto falava com um pequeno grupo, sentado a poucos metros de mim. Aliás, parecia estar nem um pouco interessado no papo, já que não demonstrava muito entusiasmo após cada piada feita, que fazia todo o resto do grupo rir. Confesso que não consegui conter a vontade de ficar o observando, reparando nos seus trejeitos, na sua expressão. Pelo pouco que puder absorver, reparei de imediato que ele era um pouco tímido, retraído... E que também fumava sem parar. Para o meu azar (ou não), após alguns minutos, o pequeno grupo com que ele conversava se despediu, o deixando sozinho no balcão. E foi nesse ínterim que distraidamente ele olhou para o lado, e mirou automaticamente seus olhos azuis em minha direção. Fiquei nervosa de repente, tentei desviar o olhar em súbito, mas alguma ponta de coragem me fez permanecer o olhar em sua figura. Ele pareceu forçar a mente para lembrar quem eu era, mas quando senti que sorri pra ele, o loiro logo se lembrou. Ele terminou de virar o resto do corpo em minha direção, acho que meu rosto já devia estar vermelho.

– Olá... - Pronunciei num impulso, quase que desistindo no caminho.

– Oi... - Ele dizia entre tragadas. - Está melhor?

– Sim... - Disse convencida de que ele havia percebido que eu não estava nada bem naquele dia. - Segui seu conselho.

Ele pareceu não entender muito o que eu tinha falado, mas logo se lembrou do que era.

– Sábia decisão. - Ele direcinou seus olhos a mim com tanto ardor, que percebi uma pitada de dor de sua parte, sobre tal assunto. - Não queira ser como eu...

O encarei sem reação. Vislumbrei sua figura triste sob as luzes coloridas. Havia muita coisa sobre ele a descobrir, isso era notório.

– Não diga isso... Não seja tão duro. - Dei um gole na bebida que tinha pedido. - Só nós mesmos sabemos os motivos que nos levam a determinados caminhos.

– Talvez... - Ele parecia pensativo. - Mas não adianta tudo isso, nós é que sofremos as consequências depois.

– Sabe o que isso se chama? A vida não é justa. - Enquanto falava, percebia que me abria demais pra um estranho, mas era como se ele não fosse assim pra mim. Kurt me olhava atentamente, como se concordasse com tudo que eu dizia, em seu íntimo.

Ficamos um breve momento em silêncio. Até que ele me pediu um cigarro.

– Mas qual é mesmo o seu nome? - Perguntou ele enquanto buscava o isqueiro no bolso.

– Me chamo Samantha... Mas prefiro que me chame de Sam. E o seu? - Fingi que ainda não sabia seu nome.

– Kurt...


Logo Kurt se aproximou, diminuindo o número de bancos que nos separavam. Ficamos conversando por um bom tempo... Falamos basicamente sobre a vida em Seattle, e sobre elas, as drogas. O loiro não quis entrar muito em detalhes, mas dava pra notar que ele usava drogas pesadas, ao contrário de mim. Tentei confortá-lo da maneira que pude sobre o assunto, principalmente por ele ter tocado na querida palavra depressão. A danada da depressão que também me dominava.

Com o correr da conversa deu pra notar um grande desencanto e uma certa dose de tédio em Kurt. Ele tratava das coisas com muito pessimismo e desdém, ao mesmo tempo que com resignação e indiferença. Lá pelo meio do papo ele citou brevemente sobre seu passado.


– Eu vim de um fim de mundo, onde os homens eram machistas e bebiam até tarde depois de serem explorados no trabalho. - Podia se notar um pouco de vergonha ao lançar essas lembranças. - Sinto ser estranho desde que vi minha mãe apanhar pela primeira vez.

– Isso não é ser estranho Kurt... É ser apenas diferente, ver além do que todos sempre vêm. - Eu olhava para seu semblante pensativo no meio da fumaça de nossos cigarros.

– Então gostaria de que pra sermos diferentes teríamos que sentir menos dor. - Ele sorriu tristemente. Tomou um gole de cerveja.

Fiquei calada enquanto refletia rapidamente com meus botões. A cada minuto que se passava naquela conversa, me sentia mais aliviada em saber que tinha encontrado alguém que pensava como eu. E foi por isso que, em pouco tempo, adquirimos uma intimidamente surpreendente. Era uma troca mútua de atenção e afeto, mesmo que por meras palavras.

Um pouco depois, Kurt olhou em seu relógio de pulso e disse a mim que havia chegado a hora de subir ao palco. Sorri simplesmente e ele me pediu para que eu não fosse embora, para que eu esperasse até o show acabar e nós continuarmos a beber mais um pouco. Consegui apenas assentir com a cabeça pelo espanto com aquele pedido.

Assim que ele deixou o balcão, respirei fundo, o mais fundo que consegui. Eu estava a tanto tempo sozinha, me isolando entre os becos daquela merda de cidade, sem trocar uma única palavra com ninguém, que estranhei de fato aquele introsamento imediato, aquela conversa um tanto excêntrica. Meus pensamentos não duraram muito, logo o barulho da platéia me despertou: Os meninos já estavam no palco. Como estava um pouco longe deles, me levantei e me aproximei do palco, me infiltrando no meio de todas aquelas pessoas.

Olhei pro palco e primeiramente vi o baixista e o baterista, que posteriormente fui saber que se chamavam Krist e Dave, respectivamente. Correndo os olhos, pude ver Kurt já com a guitarra pendurada, ajeitando seu microfone. Após tentativas de afinação, o club foi ao delírio ao ouvir o loiro se pronunciar.

– Boa noite. - Pequena pausa para os gritos dos fãs. - Essa se chama ''Come As You Are''.

O riff inicial ecoou poderosamente por aquele lugar e só ele já me fez me apaixonar... Mas quando Kurt começou a cantar... Apenas fechei os olhos e deixei que a música fizesse o resto.

Come as you are, as you were,

Venha como você é, como era

As I want you to be

Como quero que você seja

As a friend, as a friend, as an old enemy

Como um amigo, como um amigo, como um velho inimigo

Take your time, hurry up

Venha no seu tempo, ande logo

The choice is yours, don't be late

A escolha é sua, não se atrase

Take a rest as a friend as an old memory.

Descanse um pouco, como um amigo, como uma velha lembrança

Memory(3x)

Lembrança...(3x)


Era surpreendente a reação daquela massa de jovens ao sentir tal música... Era uma força tão sobrenatural que até se torna difícil de se traduzir em palavras tal reação. Tentando simplificar: Era como se tivéssemos finalmente achado aquela identidade que eu disse que faltava para nós. Sentia como se Kurt pudesse representar a mim e a todos alí presentes por meio de sua música... Senti simplesmente que... Era ele que eu procurava. Eu havia acabado de me apaixonar por Kurt naquele momento.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado...
Por favor, mandem reviews! ^^
Beeijos ;*



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