Terras escrita por Mariana
Notas iniciais do capítulo
Penúltimo capítulo.
Um baião bonito, desses que encorajam até defunto a dançar, começou. O terreiro, de tão cheio que estava, obrigava os casais a encurtarem os passos. As luzes fracas dos dois candeeiros não venciam a penumbra da noite de lua nova.
Dois casais mais animados, um em cada ponto do salão a céu aberto, alargaram as passadas e, parecendo obra do destino, esbarraram nas luminárias que tombaram e se apagaram. Ouviu-se um grito de alegria entre os presentes. Uns aproveitaram a escuridão para colocar a mão onde suas parceiras, na claridade, não permitiriam jamais; os que não bebiam na frente das esposas entornaram os copos cheios que estavam sobre as mesas; dois cabras efeminados deram as mãos; e o advogado com o juízo revirado pela concertina cumpriu o prometido: tirou Juventina para dançar e baixou a mão até a linha que separa um sobrinho de um homem safado.
Antes que alguém se ocupasse em acender os candeeiros, a magia foi quebrada por um estampido que não era de rojão. Bode Branco, montado em seu corcel, abriu espaço no terreiro. Com a carabina na mão procurava a mulher, que, para seu espanto, encontrava-se abraçada com o sobrinho.
— Vadia! Além de vir comer às custas de gente que não é do meu agrado, se enrosca com bezerro cheirando a leite. Eu vou continuar a festa amanhã, bebendo no enterro dos dois.
Quando acabou de descer do cavalo, antes que pudesse apontar a espingarda para os dois, recebeu um soco certeiro do sobrinho, cambaleou e caiu sentado.
O povo gritava.
Os mais assustados trataram de descer a serra; os curiosos, como Maria Doida, entraram nas casas e assistiram tudo da janela.
— Juventina vai embora comigo pra Capital e você vai continuar aqui, bebendo como o bode que é! – disse o advogado encorajado pelo amor que sentia pela tia e acabara de descobrir.
— Ora, seu... — disse Bode Branco, que se levantava.
Quando Zezé ameaçou chutar o tio, Pé-de-Foice aproximou-se por trás dele com uma faca na mão. Mesmo com o povo gritando e tentando avisar o rapaz, no nervosismo em que se encontrava não percebeu o perigo. Estava prestes a sofrer o golpe quando o Caolho deu um disparo que abriu um buraco nas costas de Pé-de-Foice.
O bêbado caiu inerte.
O povo e Zezé se voltaram para o Caolho, que carregava a garrucha para um novo disparo. Faltou agilidade para o pobre do homem que não sabia manejar a arma com a mesma habilidade que fazia com a concertina. Bode Branco clareou o terreiro com um novo disparo. O povo fechou os olhos, e quando os abriram, viram Zezé e Juventina montados no cavalo de Pé-de-Foice, descendo em direção à cidade.
Caolho encontrava-se no chão com uma mancha de sangue no peito que aumentava de tamanho; Bode Branco tinha a faca, a pouco empunhada pelo amigo, enterrada no pescoço.
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