Terras escrita por Mariana


Capítulo 5
Capítulo 5




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— Cadê todo mundo, Pé-de-Foice?

— Tá estranho isso aqui, Ramiro.

Bode Branco acelerou o galope, mas no caminho de casa parou diante de Dona Nazaré que tricotava, sentada em uma cadeira na calçada.

Bêbado e irritado, perguntou à velha.

— Cadê todo mundo, mulher?

Sem tirar o olho das agulhas, Nazaré respondeu:

— Tão comemorando sua vitória, Ramiro.

Os três ficaram em silêncio e foi possível ouvir o som distante da festa. Ramiro deduziu de onde vinha.

— Estão na serra, né?

A velha Nazaré só afirmou com a cabeça e continuou a tricotar.

— Se Juventina não tiver em casa...

Os dois cavaleiros continuaram o galope. Nazaré olhou para os dois de soslaio, viu só um vulto na escuridão da noite sem lua. Ajeitou os óculos e não se espantou com o que estava por acontecer. Sabia desde o dia da morte do velho Manu. A bruxa tratou de recolher o novelo, a cadeira e foi ter com o marido.

***

Raimundinho, num dado momento, pediu ao sanfoneiro que parasse de tocar. Subiu em uma larga cadeira de madeira e disse aos presentes: 

— Gostaria de dizer que estou muito feliz com a presença de todos vocês! Espero que se divirtam e que não falte nada. Meu irmão deve estar muito cansado, por isso não compareceu. Tenho a certeza de que está feliz, ainda mais por saber que eu não tenho rancor nenhum por qualquer desavença que tivemos no passado. Pelo contrário, fico até contente em ter a oportunidade de provar para ele, com essa festa, de que tenho muito apreço pela pessoa dele. Torço para que tudo dê certo entre os negócios da família aqui na região. Todo mundo só tem a ganhar com isso.

Logo que terminou, foi ovacionado pela multidão que, em seguida, cochichava ressaltando a bondade e a grandeza de homem que mal conheciam, mas que patrocinava festas e pagava as bebedeiras locais.

Enquanto a multidão ocupava-se com as palavras de Raimundinho, Juventina, com vergonha pela ausência do marido, afastou-se para perto da casa. Sem a companhia das outras moças, sua beleza ficou toda à mostra e, claro, foi percebida imediatamente pelo doutorzinho, que tratou de se aproximar, deixando para trás a escuridão da casa.

— Meu Deus, Juventina! Apesar da minha posição na Capital, invejo meu tio pela sua mulher.

Juventina, de costas para a porta de entrada, tomou um susto com as palavras pronunciadas atrás dela. 

— Zezé, quase me mata de susto!

— E você me mata de desejo! Juro que hoje danço com você, mesmo que seja na frente da cidade toda, mas não durmo sem ter o seu cheiro impregnado em mim.

O jovem, encorajado pela cachaça e seduzido pelo cheiro viçoso da jovem beldade, esqueceu que tratava com mulher casada e de sua família. A pobre,  também quente de desejo, mas temerosa em ser vista sozinha com o sobrinho, olhava para os lados, imaginando o aparecimento do marido. Antes que se afastasse, o jovem puxou-a pelo braço e na escuridão da sala apertou-a contra o seu corpo. Com as duas mãos na sua cintura, disse-lhe ao pé do ouvido:  

— Vamos embora dessa cidade, Juventina?

Antes de ouvir qualquer resposta, beijou a mulher assustada. O Caolho, sem ser notado, assistiu tudo de longe e, quando percebeu que a multidão espalhava-se depois do discurso, tratou de tocar para que o forró ocupasse o povo disperso.

Juventina mordeu o lábio inferior do sobrinho e se desvencilhou dele. 

— Está louco? Isso é caso pra se pensar, homem - disse ela assustada ao deixar a sala. 

Claro que a moça tinha a resposta pronta, mas não podia animar o menino já descontrolado pela vontade de tê-la a sós.

***

Bode Branco de longe avistou a casa toda apagada. Quando se aproximou, foi recebido por dois cachorros magros que faziam festa ao seu redor. Olhou para Pé-de-Foice e pronunciou uma única palavra: “vadia”. Desceu do cavalo e, trôpego, entrou na casa. Em menos de um minuto estava de volta, mas trazia com ele uma carabina.

Com o olhar fixo na direção da serra, montou, esporou o cavalo e seguiu acompanhado pelo amigo e pelos dois cachorros.


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