Distrito 11 escrita por esa


Capítulo 16
De Volta Para Casa - Parte I


Notas iniciais do capítulo

me matem pela demora



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Acordei com a cabeça latejando, mal sabia onde estava. Olhei ao redor do quarto, em busca de uma janela. Quarto. Aquilo nem ao menos poderia denominar-se um quarto. Era um cômodo apertado, no qual havia apenas a cama de colchão duro e fino na qual eu me encontrava deitada. Nenhuma janela. Nem mesmo uma porta. Endireitando o corpo, ainda deitada, tentando manter os batimentos cardíacos desacelerados e a respiração no ritmo normal. Comecei à sentir o ar rarear, as narinas fazendo força para puxa-lo, a garganta fechando. Sentia-me à ponto de sufocar.

-- Está tudo bem. – ouvi a voz de Andie, um pouco abafada, porém bem firme tomar conta do perturbador silêncio no qual eu me encontrava imersa.

Tentei retirar uma mecha de franjas de meus olhos, não obtendo muito sucesso. Minhas mãos não obedeciam à meu comando. Não que pudesse, aliás, pois estavam presas à cama, assim como meus tornozelos. Fitas cetim pretas amarravam minha coxas nuas à cama. Só então reparei em minhas roupas. Melhor dizendo, na quase completa falta delas. Meus pés descalços e bem limpinhos, assim como todo o resto de meu corpo. Um pequeno short de cetim preto e uma camiseta regata, bem colada, também preta. Meus cabelos presos em um apertado rabo de cavalo, com apenas uma mecha de franjas solta.

-- Estamos tentando liberta-la, por favor, acalme-se April. – a voz de Andie retornou, quebrando novamente o silêncio.

Passaram-se cinco, dez, vinte e cinco, cinquenta minutos, até que as coisas saíram do controle. Minha boca estava aberta, berros agudos e esganiçados, desesperados saiam de minhas cordas vocais já em fogo. Meus punhos e meus tornozelos sangravam, devido ao atrito da pele contra o aço. Me debatendo feito louca, estourei as fitinhas delicadas que prendiam a circulação de minhas coxas e braços.

-- PARE DE SE DEBATER! – a voz de Andie soou alta e rude, cortando meus gritos e gemidos. – Isso só está piorando a situação, sua estúpida!

Parei de imediato, como se a ordem não abrisse brechas para que eu a burlasse. Na realidade, se eu quisesse, continuaria à me debater feito louca, mas sabia que para Andie me ofender era algo que realmente devia ser feito. Algumas horas depois, as meias luas que prendiam meus pulsos e tornozelos afundaram-se na cama, libertando-me. Tentei movimentar os pulsos, sentindo uma dor intensa. A mesma coisa com os tornozelos. A carne aberta, o sangue, mesmo que quase todo seco, ainda fluindo.

Uma das paredes enfiou-se no chão tão repentinamente que dei um pulo, batendo na parede ao meu lado, caindo no chão de um cômodo enorme e muito iluminado. Havia várias cadeiras, computadores, telas enormes de televisões, sofás e até mesmo um bar. Andie, lançando-me um olhar reprovador, agachou-se e ajudou-me à levantar, depositando-me com cuidado em uma das cadeiras confortáveis e bem acolchoadas. Cally e minha equipe de preparação inclinaram-se em minha direção, murmurando coisas e mais coisas, deixando-me confusa.

Dois Pacificadores retiraram-nos de cima de mim, abrindo espaço para um rapaz muito bonito, com grandes olhos castanhos e cabelos loiros desgrenhados. Seu largo sorriso logo se desfez ao ver minha situação. Seus olhos saltavam de meus pulsos para meus tornozelos, e para minha testa, que latejava muito devido à queda. O rapaz abriu uma sacola vermelha grande, retirando algumas coisas de lá. Era médico, com toda certeza. Senti meus olhos arregalando-se involuntariamente. Todos me olhavam, preocupados. O rapaz apontou para algo em sua sacola, algo que eu não pude ver, e em seguida lançou um olhar cumplice para Andie, que assentiu com a cabeça.

Uma agulha enorme, contendo um líquido de um verde doentio e caótico foi injetada em meu braço, fazendo-me urrar de dor. Veneno? Não, não seria veneno, se quisessem que eu morresse era simplesmente mais fácil largar-me naquele cubículo agonizante. Calmante, talvez. Sedativo! Encontrei a palavra que buscava, segundos antes de tudo se apagar.

-- April, April, acorde! – Andie estalava os dedos em frente ao meu rosto, Cally repetia os movimentos perto de meus ouvidos. A visão ainda meio turva devido ao sedativo, voltando lentamente ao normal.

Mexi os dedos das mãos e dos pés, os pulsos e os tornozelos. Pulsos e tornozelos que não doíam mais, não sangravam mais. Estavam perfeitos, novinhos em folha, limpos e com a pele já refeita, nenhum vestígio de que em algum momento, algum dia algo de errado houvesse ocorrido à eles. Por quanto tempo eu ficara apagada?

-- Duas semanas. – murmurou o rapaz, que agora não trajava a roupa branca na qual eu o vira pela primeira vez, mas sim calças jeans, um suéter azul escuro e sapatos estranhos que eu desconhecia, também azuis. Era como se ele soubesse no que eu estava pensando. – Ficou desacordada por duas semanas.

Ele estava sentado à uma cadeira ao lado da poltrona comprida na qual eu me encontrava deitada. Minhas roupas haviam mudado, assim como meus cabelos. Agora eu usava uma saia delicada, preta com flores vermelhas, e uma camiseta de alças, bem soltinha, também vermelha. Meus pés descalços, mas algo dizia-me que as sapatilhas vermelhas que estavam ao meu lado eram destinadas à mim. Meus cabelos, antes presos, agora estavam soltos, com exceção da franja, que estava presa por fivelinhas e fitinhas de um vermelho doce. Unhas lixadas e em tamanhos iguais, pintadas de vermelho, assim como as do pé.

-- Não entendo. – sussurrei, minha voz rouca e afetada, mas ainda assim ele ouviu. Mexi as pernas de forma desconfortável, endireitando-me ao encosto. – Não entendo toda esta produção se eu estive desacordada, e, afinal, onde estou?

Ele soltou uma risada lenta e abafada, os olhos brilhando. Não encontrei graça na situação, mas talvez ele tenha encontrado. Olhei ao redor, à procura de respostas. Havia muitas pessoas no cômodo, que não era o mesmo cômodo iluminado e claro no qual eu estava antes de apagar. Era um cômodo menor, cheio de cadeiras e poltronas confortáveis, todas em um tom coral. As paredes eram de um rosa pálido, a iluminação era boa e forte. Uma mesa central estava equipada com computadores e telas grandes. Cally e a equipe de preparação conversava à um canto, sentados em uma rodinha, uma mesinha no centro deles que continha comidas e bebidas. Andie estava sentada à grande mesa central, ao lado de vários homens altos e fortes. Estávamos em um canto isolado, eu e o rapaz.

-- Nós queríamos prepara-la para sua Turnê, mas esta não ocorrerá, então sua equipe de preparação negou-se à não fazer nada e deixa-la naquele estado deplorável, arrumando-a deste jeito. – ele apontou para minhas roupas, o sorriso ainda brincando em seus lábios. – Estamos na Capital, na casa de Andie. A Capital concordou em não importuná-la por um tempo, afinal você foi diagnosticada como “portadora de um grave distúrbio mental” e isso tira todas as ameaças de cima de você. Em algumas horas você seguirá para seu Distrito, onde permanecerá até que volte ao seu estado normal, iniciando então sua Turnê.

-- Entendi. – e realmente havia, afinal ele explicara de forma muito boa. Sua voz me transmitia calma, era uma voz calorosa e doce. Inclinei-me para mais perto dele, tomando cuidado para sussurrar as próximas palavras – E quanto à Jose?

-- Ele está desaparecido, mas muitos dizem que ele conseguiu chegar ao 11, e esta escondido nos arredores dos pomares. De qualquer modo, ele está vivo, não se preocupe. – ele me encarava, mas seus olhos haviam perdido um pouco o brilho alegre e brincalhão.

-- Não me encare assim, por favor. – sussurrei.

-- Desculpe, é só que eu... você é muito linda. – senti minhas bochechas ardendo assim que as palavras chegaram a meus ouvidos. – A propósito, sou Desh.

Ele estendeu a mão para mim. Dedos longos e finos, muito brancos. Apertei sua mão, imediatamente me arrependendo. Assim que nossas mãos se tocaram foi como se encaixassem-se, como se devessem continuar ali. Levantei o olhar, encontrando seus olhos, seu rosto próximo ao meu. Depois de alguns instantes de um silêncio constrangedor soltei sua mão.

-- Você é médio, mas parece muito jovem para tal profissão. – tentei à todo custo desviar o assunto para algo que não pudesse constranger-me novamente. Desh pareceu entender, pois baixou um pouco o olhar, afastando seu rosto do meu.

-- Na verdade, tenho dezoito anos. Meus pais me largaram com uma tia avó, e ela fez com que eu trabalhasse para ela. Assim que completei dezoito anos fugi de sua casa, e como eu sempre quisera ser médico, minha vontade fora feita, afinal a Capital me paga um ótimo salário e eu posso muito bem usufruir deste, então agora tenho minha própria casa. – ele olhou para as mãos. – Desculpe, não pediu a história de minha vida.

-- Não tem problema. Você nasceu aqui então, não? Sua vida deve ter sido uma maravilha, mesmo com uma tia avó má que o fazia trabalhar. Pelo menos não faltava comida em sua casa, aposto eu. – as palavras deixaram meus lábios antes mesmo que eu medisse a consequência de tal ação. – Desculpe.

-- Na realidade, eu morei no Distrito 8 por algum tempo, aliás, quase toda a minha vida, mas quando virei médico, bem, vim parar aqui. – ele olhou para a janela, um olhar distante, uma expressão relaxada tomando seu rosto. – Sei o que você sente pelo povo da Capital, e eu sentia o mesmo, mas a culpa não é deles, e sim de quem os governa.

Assenti com a cabeça. Nunca havia parado para pensar naquilo. Desh estava certo, muito mais que certo. O povo não era o culpado, e sim Snow. Snow. Quanto ódio eu sentia por aquele verme sanguinário. Andie deu-me um abraço apertado, garantindo-me de que aquele não seria nosso último encontro. Cally e os outros também me abraçaram, dizendo que em breve nos veríamos. Os homens altos fizeram um aceno de cabeça, e dei um abraço em Desh, agradecendo-o por tudo. Ele também falou que nos veríamos novamente e acenou para mim antes que eu desaparecesse atrás de uma porta.

Subi à bordo do aerodeslizador que me levaria para casa. Casa. Minha mãe. Tennence. Lish. Mark e Ellie. Os pomares, as pessoas franzinas e com sorrisos no rosto. Os Pacificadores, até mesmo os rudes e maldosos. Sentia falta de tudo aquilo, sentia falta de minha cama que mal era isso, sentia falta das frutas doces e frescas, dos abraços apertados antes de dormir, do aconchego e do carinho. Sentia falta de casa. Sentia falta do Distrito 11.

-- Bem vinda à bordo, querida. – a voz de Zen soou assim que pisei no aerodeslizador. – Sinto muito por tudo que aconteceu. Não se acanhe, venha aqui e me abrace! Estou feliz que sobreviveu!

Após abraços e afagos, Zen e Dawn deixara-me relaxar. Encostei a cabeça à janela e dormi. Um sonho perturbado e estranho, completamente distorcido formou-se em minha cabeça, e acordei com o pé de Zen cutucando minha panturrilha. Ele fez um movimento de cabeça para a porta. Havíamos chego. Corri para a escada, paralisada pela corrente. Quando em fim liberta, cai de quatro no chão. Terra. O cheiro das frutas presente no ar. Coloquei-me de pé rapidamente. Eu estava em casa novamente. Estava no Distrito 11.


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