Embora fosse um quarto de visitas, era ainda mais luxuoso do que aquele em que um dia viveu Yasmin. Mesmo com duas camas enormes e quatro robustos armários, mais uma comprida mesa ao centro rodeada de cadeiras, ainda havia bastante espaço desocupado. Completando a decoração suntuosa haviam duas estátuas que Luna reconheceu como bustos do deus Adriel, uma de cada lado da porta, e uma poltrona próxima a uma das janelas, onde se encontrava sentada a manipuladora do fogo.
-Não me diga que ainda está remoendo aquela batalha. – Comentou a outra pessoa no quarto.
O olhar perdido de Yasmin, que observava a chuva caindo furiosamente do lado de fora, tornava claro para Luna quais pensamentos cruzavam a mente da garota.
-Eu nunca gostei muito dele, Yasmin, mas admito que agiu de forma muito nobre. Creio que devemos demonstrar mais respeito por William nos concentrando nos nossos próximos objetivos. Tenho certeza de que ele diria algo assim.
-Não se preocupe comigo, Luna, eu ficarei bem. Mas tem algo que me perturba.
-E o que seria?
-Depois que William se levantou para continuar lutando e passou a utilizar aqueles relâmpagos negros, em determinado momento eu vi os olhos dele... e senti um medo inexplicável. Literalmente fiquei aterrorizada.
-Eu me lembro de ter vistos os olhos dele naquele estado, mas não percebi nada que fosse tão terrível assim neles.
-Eles estavam diferentes naquele dia. As pupilas eram finas e a íris de um amarelo vibrante, quase dourado. Não consigo entender a razão de sentir aquele terror, mas havia algo a mais naquele olhar. Algo desumano.
A expressão de Luna tomou um tom de seriedade que chegou a surpreender Yasmin. A sacerdotisa estava muito pálida.
-Algum problema, Luna?
-Olhos... de um demônio...! A forma como você descreveu os olhos dele é a mesma que os livros que li no templo onde vivia usam para descrever os olhos de um demônio!

Com relâmpagos pulsando por todo o seu corpo, William lançou-se contra o inimigo que mais havia lhe despertado fúria: Inferno. A posição de seus braços deixava claro que pretendia realizar um corte cruzado, mas sua velocidade era tamanha que o líder da ordem conseguiu apenas materializar sua espada caída diante de si para utilizá-la como defesa.
-Que poder é esse? Parece ser até... maior que o meu!
Tais palavras foram ditas pelo próprio Inferno momentos antes de ser arremessado como que pela fúria de uma tempestade. Ele então se levantou lentamente, percebendo que mais uma vez sua espada havia escapado da mão e jazia sobre o pátio.
Apesar de sua demonstração inicial de violência, William parecia ter se acalmado. Pequenas faíscas surgiam ao redor de seu corpo em intervalos demorados e o rapaz permanecia com a cabeça baixa, completamente imóvel. Todos os membros da Rosa Branca o observavam cheios de tensão, trocando olhares confusos entre si.
-O que faremos agora? – Indagou Vulcano.
-Deixem isso comigo, não quero que vocês se machuquem.
Inferno fez sua espada reaparecer novamente em sua mão, determinado a combater William sozinho. O golpe que recebera havia sido suficiente para avisá-lo de que não seria um confronto fácil, mas por este mesmo motivo desejava poupar seus aliados do perigo iminente.
-Eu não sei que tipo de poder é este, mas não permitirei que fique impune depois do que fez!
O controlador das chamas negras então disparou diversos projéteis, pequenos meteoros escuros que atravessaram rapidamente o espaço entre ele e seu alvo. William finalmente reagiu e correu na direção do ataque, destruindo cada bola de fogo com suas espadas relampejantes numa velocidade incrível.
-Tome cuidado, Inferno! – Gritou Sol, preocupado ao ver que o inimigo já estava diante do líder da ordem.
Inferno imediatamente assumiu uma posição defensiva para bloquear as lâminas do adversário, mas este não atacou com elas. Ao invés disso deixou uma espada escapar da mão esquerda e a estendeu na direção do manipulador das chamas negras. A terrível descarga elétrica o colocou de joelhos e, com o próximo golpe, a cabeça dele rolaria pelo chão.
William sentiu algo se enrolar em seu braço direito e prender o movimento, impedindo-o de atacar. Era a maça de Sol, que segurava o inimigo com firmeza para que este não pudesse usar sua lâmina contra Inferno.
-Ataquem enquanto eu seguro ele, seus idiotas!
Uma descarga elétrica atravessou a corrente, mas Sol permaneceu firme. Aquela poderia ser a única chance de vencer, portanto não devia soltá-la de jeito nenhum. Enquanto isto, Vulcano e Quartzo avançavam para atacar o inimigo, também cientes de que dificilmente teriam oportunidade melhor.
Agora verdadeiramente furioso, William saltou e puxou se braço direito com força descomunal, erguendo o controlador das estrelas junto consigo e então desferindo um soco em seu rosto. Sol caiu, libertando o adversário.
-Agora, enquanto ele está no ar! Ele não poderá desviar dos nossos ataques elementais! – Apontou Vulcano.
Uma coluna de magma se ergueu do solo ao mesmo tempo em que estilhaços de cristal subiam em diagonal. Porém, o manipulador do vento surpreendeu a ambos usando o vento para se elevar e evitar ambos os golpes. Em seguida, lançou sua espada encoberta por relâmpagos contra Quartzo antes de disparar na direção de Vulcano.
-“Que força descomunal...” – Pensou Vortex, indeciso entre ajudar ou permitir que William derrotasse os guerreiros da Ordem.
O impacto da espada estourou a proteção de Quartzo e o derrubou, mas para a sorte dele não causou ferimentos graves. Vulcano, por sua vez, estava caído na pequena cratera gerada pelo último ataque inimigo, tossindo e cuspindo sangue. Nada parecia abalar o manipulador do vento que novamente permanecia imóvel, mas desta vez com a cabeça erguida.
-“Eu não consigo acreditar que William era tão forte assim...”
Apesar de permanecer deitada no chão, a ex-capitã tinha uma boa noção do que estava acontecendo, diferente de seus amigos inconscientes. Virando o rosto na direção de William para observar com clareza a situação, seu olhar cruzou com o dele. Yasmin viu um par de olhos amarelados carregados de maldade. Subitamente, ela se sentiu diante de um monstro capaz de matá-la com o menor dos movimentos e um medo sem precedentes invadiu seu coração.