Todas as batalhas contra a ordem da Rosa Branca foram difíceis, pois seus poderes excediam em muito os dos manipuladores que os combateram. Por mais que suas forças aumentassem com o passar do tempo, não existiam dúvidas de que a última batalha só terminou com a vitória dos rebeldes graças a diversos fatores que convergiram em seu favor, como o plano de William e as bênçãos de Papillon.
Enquanto que seus companheiros enxergavam certos guerreiros da ordem com particularidade, fosse desprezo ou simpatia, o manipulador do vento via todos da mesma forma: como obstáculos a serem superados. Obstáculos que agora ele talvez tivesse condições de combater sozinho, um de cada vez.
A única exceção era Vortex. Isto pois Storde sempre se considerou mais inteligente que qualquer outro, mas se viu completamente indefeso durante seu confronto contra o controlador dos portais. Em suas meditações ele eventualmente encontrou estratégias para combater cada um dos adversários que conheceu, mas até hoje não fazia a menor ideia de como vencer esse inimigo em particular.
Vortex possuía uma capacidade de adaptação e compreensão, nascida de seu vasto intelecto, que rivaliza a do próprio William. Ironicamente, isto alimentava um desejo feroz de enfrentá-lo mais uma vez no rapaz, que tinha uma certeza.
–“Se eu combatê-lo novamente, encontrarei um pouco fraco e, com isso, a vitória.”
Já o próprio controlador dos portais não poderia estar mais desinteressado naquele confronto. O que o impelia a lutar era apenas a noção de que apenas enfureceria ainda mais o oponente caso lhe negasse isto e, tomando cuidado para não cometer o engano de subestimar o inimigo, Vortex o enfrentaria.
–Faça o primeiro movimento, garoto. Quero ver o quanto você evoluiu desde quando nos encontramos em Releav.
No fim das contas, Storde sequer sabia como começar. Um ataque físico ou elemental? Direto ou uma finta? Usar o ambiente a seu favor imediatamente ou distrair o adversário primeiro? Mas aquela não era apenas uma luta corporal, e sim psicológica. Portanto, nada mais certo que sondar a mente do adversário primeiro.
–Você diz que não quer lutar, mas me parece bastante ansioso para ver meus poderes em ação, tanto que negligenciou a segurança do rei deixando que Yasmin e Samantha passassem.
–Muito pelo contrário, o rei está devidamente protegido por outro membro da ordem, e a maior ameaça ainda é você. Minha presença é mais importante aqui.
–Estou lisonjeado, mas tem mesmo certeza de que seu amigo dará conta daquelas duas? Eu não fui o único a me fortalecer desde o último embate.
–Tenho sim, afinal você cometeu um erro. Trouxe a filha de Agas Pyrath.
–Eu...!
William não podia acreditar, não conseguia encontrar uma forma de vencer Vortex mesmo numa discussão. Então ao invés de responder com palavras, ele respondeu com força.
–Não deixarei que você interfira com meu plano!
O manipulador do vento lançou o braço direito à frente e, ao redor, um redemoinho horizontal se formou. Com uma velocidade aterradora, o vento furioso partiu em direção ao alvo. O guerreiro da ordem esticou o próprio braço também, abrindo uma fenda à sua frente, larga o bastante engolir o golpe.
–“Tenho que esperar o último momento possível.” – Pensou Storde naquele breve instante. Ele podia sentir o ar se distorcendo acima de sua cabeça e o que aconteceria caso seu ataque fosse transportado. Mas o gigantesco desafio afiou sua perícia ao máximo e, quando o turbilhão estava a menos de dez centímetros de distância da massa obscura, se dividiu em três por toda sua extensão. Os novos furacões formavam uma espiral que se separava a poucos metros do alvo, contornando o portal pelos flancos e pelo alto. – “É impossível deslocar todos estes golpes!”
Mas Vortex conseguiu fazer o impossível. William pretendia alterar bruscamente o curso das correntes de ar ao redor do inimigo, num ângulo fechado. Porém, não foi isso que aconteceu. Ao invés as três o circularam, sem tocá-lo, unindo-se às costas e então seguindo em direção a estas. Contudo, o manipulador da ordem havia criado um novo portal atrás de si, que agora engolia a fúria do vento.
–“Foi impressionante, rapaz, mas você ainda é ingênuo.” – O manipulador da ordem sequer precisou se proteger com a mesma intensidade que os ataques do adversário. Bastou usar seu próprio domínio sobre o vento para alterar a rota dos turbilhões. – “Quem sabe receber o próprio golpe de volta coloque sua cabeça no lugar.”
Mas William viu ali uma chance de contra-atacar e saltou para a frente, escapando do furacão que descia sobre sua cabeça. Ele não baixou a mão ou mesmo deixou de canalizar energias para os três vendavais que ainda giravam entre ele e Vortex, forçando o oponente a permanecer imóvel e manter o portal aberto. Em seguida lançou uma de suas espadas ao alto, num esforço para surpreendê-lo.
Comandar um elemento continuamente por quase um minuto exigia uma concentração tremenda, e ainda assim o garoto foi capaz de controlar sua espada no ar, que se endireitou no ato e partiu como um míssil. Traçando uma reta vertiginosa, a lâmina atingiria o pescoço do controlador dos portais, que agora estava numa situação muito arriscada.
–Você melhorou mais do que eu pensava...
A espada incomum de Vortex apareceu empunhada por sua mão esquerda e lançou a ponta para cima, bloqueando ferro com ferro. Mas William não esperava realmente acertá-lo com essa tática e, aproveitando-se que o rosto do rival estava voltado para o alto, finalmente deixou de canalizar o vento e rapidamente diminui a distância entre ambos, lançando-se ao chão para atingir as pernas do adversário com sua segunda espada.
–Mas continua previsível.
Sem a vontade de William para guiá-los, os turbilhões puderam ser facilmente controlados pelo homem de longos cabelos negros. Desta vez ele os direcionou para baixo ao mesmo tempo em que pulou para trás, para dentro do portal. Como resultado, ele caiu sobre o ponto em que o jovem havia começado a luta, enquanto que este realmente sentiu na pele a força de seu próprio ataque. Mas mesmo empurrado para o alto, ele conseguiu usar o vento para se segurar por um momento, antes que um poderoso tufão o empurrasse até a calçada, a um metro de distância da estátua de Nathalia.
–Agora basta, precisamos conversar. – Disse Vortex em tom de exigência.
–E o que diabos você quer de mim? – Respondeu Storde enquanto se levantava.
–Eu quero ajudá-lo.
–Acha mesmo que eu acreditarei nessa mentira?
A espada defletida pelo controlador dos portais, caída no chão atrás dele, voou novamente, mas, ao invés de atingir suas costas, foi transportada para outro lugar e se cravou no peito da estátua.
–Você não me deixa outra escolha. Isto não vai matá-lo, mas com certeza causará muita dor. Espero que me perdoe.
O ar acima de William escureceu, sinalizando o ataque que viria a seguir. Uma chuva de bastões negros se formava, deixando o rapaz sem qualquer rota de fuga. Mas ele ainda podia resistir e se cobriu com uma proteção circular de vento. Mesmo diante de tantos golpes, a defesa não cedeu e o impasse se arrastou, como se fadado a terminar apenas quando um dos lutadores esgotasse suas energias elementais.
–“Não posso subestimar a resistência física desse garoto. Se continuar assim posso me colocar uma situação desvantajosa.”
Vortex não pretendia correr riscos e colocou em ação o único recurso que garantiria sua vitória: abriu um portal à sua frente e enterrou o próprio punho no interior. Graças à conexão entre os espaços o manipulador do vento foi atingido nas costas por aquele soco e sua concentração fraquejou. Assim que o portal se fechou ele foi bombardeado pela escuridão sólida.
–Gwwaahhhhhhhh!!
Mas aquela chuva de trevas se desintegrou com a expansão de uma onde de energia que deu a Vortex uma sensação parecida com a de um choque. William permanecia erguido, desafiador, com relâmpagos estalando ao seu redor.
–Então você vai apelar para isso agora?
O controlador dos portais já havia visto o adversário daquela forma uma vez, durante a batalha pelo último pilar, embora não o tivesse combatido diretamente. Sabia muito bem do que Storde era capaz quando dominado pelo poder das trevas e, como seu único alvo, havia apenas uma chance de vitória.
–“Ele pode estar absurdamente mais forte, mas perdeu quase todas as faculdades mentais. Tenho de acabar com isso num golpe, e não serei derrotado por alguém que troca inteligência por poder!”
Vortex se jogou para trás, desaparecendo dentro de um portal. Pretendia atacar a guarda aberta de seu adversário e incapacitá-lo, pois apesar de tudo ainda estava determinado a preservar sua vida. O agressor surgiu por trás e, firmando a lâmina ao lado do corpo com as duas mãos, desferiu uma estocada. Para seu azar, William reagiu, girou e atingiu a espada com seu punho esquerdo, causando um estouro elétrico. Surpreendido, o controlador dos portais afrouxou o aperto e sua arma voou pelos ares.
–Agora quem está se tornando previsível é você.
Era impossível crer, mas o manipulador do vento estava falando. Seus olhos não brilhavam em tons de amarelo ou mesmo vermelho, e sim reluziam com seu castanho escuro natural, cheios de lucidez. Ao que tudo indicava, desta vez era ele quem estava no comando e, pela primeira vez, seu rival sentiu um medo gelado apertando o coração. O medo de ser vencido.